segunda-feira, outubro 31, 2005

Associação Juntos pela Vida

COMUNICADO
1. A Associação Juntos pela Vida
• Saúda o Primeiro Ministro, Eng. José Sócrates e o PS pela decisão de não retirar aos portugueses a possibilidade de decidirem em referendo sobre a liberalização do aborto em Portugal.
• Saúda o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio pela decisão de remeter ao Tribunal Constitucional a questão.
• Denuncia as posições totalitárias e anti-democráticas do PCP e do BE de forçarem a alteração da lei do aborto na Assembleia da República. Em especial o BE que em menos de dois meses defendeu uma posição e a sua contrária sem se aperceber do ridículo espectáculo que deu aos portugueses.
2. A Associação Juntos pela Vida continua empenhada em discutir soluções sociais para esta questão social e por isso desafia os deputados na AR a
• Adjudicarem o estudo sobre a realidade do aborto em Portugal conforme a resolução aprovada há mais de dois anos e que continua a sofrer um incomprensível “veto de gaveta” da AR;
• Debaterem em plenário a petição que mais de 217 mil portuguesas e portugueses dirigiram aos Senhores deputados solicitando mais e melhores políticas de apoio à família e à maternidade;
• Denuciarem as intenções poucos claras e nada fundamentadas do Ministério da Saúde em promover o negócio do aborto à custa dos impostos dos portugueses.
3. A Associação Juntos pela Vida opõe-se inteiramente à liberalização do aborto, violação directa do direito à vida da criança não nascida. Mais, opõe-se ao aborto enquanto agressão à mãe que o realiza, dado os laços inquebráveis que unem sempre e em qualquer circunstância família, mãe e filho.
4. A Associação Juntos pela Vida declara mais uma vez o seu compromisso em dar todo o apoio às mulheres, mães e famílias que dele precisem, para que em Portugal não se possa dizer “eu abortei pois não tinha outra solução”.
Lisboa, 28 de Outubro de 2005
Juntos pela Vida

Sobre a microcausa

O número de hoje do "Público", de que já falei, fez-me lembrar a movimentação blogosférica à volta do que se convencionou chamar de "microcausa", e do debate que ela gerou.
De facto, o teor do trabalho jornalístico hoje continuado a publicar sobre Fátima Felgueiras - na peça em que como sublinhei se começa por dar a impressão de estar a disparar sobre Souto de Moura, mas acaba por se tentar atingir Lopes da Mota/Sócrates -, sobre os seus protectores e informadores, o que se entende e subentende sobre eventuais conversações e acordos subjacentes ao regresso, demonstram à saciedade a pertinência e a relevância das perguntas colocadas.
Até demais.
Fica tão à vista a importância das respostas a essas perguntas que se compreende perfeitamente que elas não poderiam ter resposta.
O "Público" nunca poderia abrir o jogo, nem pôr em risco as suas fontes. Não o digo em homenagem aos imperativos deontológicos, a que se recorre sempre que convém, mas por simples realismo político.

Transformações na comunicação social

A propósito das mudanças conhecidas no "Diário de Notícias" (e as novidades sobre a "Grande Reportagem", a que já tinha aludido atrás) veio o nosso amigo Engenheiro tecer alguns comentários de passagem, no seu postal sobre João César das Neves.
Pelo meu lado, acrescento só mais uma nota sobre as "medidas de reestruturação", e as depurações, em curso nas propriedades que foram do Coronel Silva, e da Portugal Telecom, e agora são dos Oliveirinhas: até agora o que estão a fazer parecem-me excelentes notícias... para o "Público"!

O que a vida mostra e o que ela esconde

Há dez dias publiquei umas notas avulsas onde dava conta de algumas movimentações previsíveis relacionadas com a substituição de Souto Moura como Procurador-Geral da República.
Recordo agora que apesar de o assunto por força das circunstâncias ter ficado em banho-maria, adiado para momento oportuno, não perdeu actualidade e sobretudo não perdeu a importância crucial que lhe atribuí nos meus citados escritos.
Saliento aliás, imodestamente, que o referido artiguelho merecia mais atenção do que a que obteve, e convido os leitores a nova leitura.
Hoje de manhã logo me ressaltou essa ideia, ao ver a peça mais destacada do matutino "Público".
Saliento que não possuo informação que me permita perceber em todo o seu alcance o que está subjacente ao trabalho do "Público", nomeadamente quem estará por detrás da peça jornalística em questão e quais os alvos verdadeiros e os objectivos reais que se pretendem atingir.
Aparentemente, trata-se de artilharia pesada direccionada contra Souto Moura.
Todavia, a verdade é que o caminho normal da substituição deste é o que traz menos custos políticos, e o tempo aproxima-se, com naturalidade, pelo que usar mais esforços para queimar o homem se apresenta algo desnecessário - ele não será reconduzido.
As guerras de bastidores centram-se sim na substituição, tal como deixei explicado no outro artigo. E pensando assim talvez se entenda melhor todo o destaque do "Público" de hoje sobre o caso Fátima Felgueiras e o MP.
Com efeito, depois da edição de hoje do "Público", e possivelmente de outras peças de reforço já em preparação, será muito difícil nomear José Luís Lopes da Mota para Procurador-Geral da República. Ora há indicações sérias de que era isso que estava na mente de Sócrates, ou pelo menos suspeitava-se disso em muitos círculos.
Querem lá ver que Sócrates está também entre os alvos do "Público"?
Na verdade, o jornal nunca diz o nome da pessoa de quem fala, ao referir o alto dignitário do MP que terá protegido Fátima Felgueiras, diferentemente do que faz em relação a todas as outras pessoas a que se refere. Mas quase afixa a fotografia, ao mencionar que é o representante actual de Portugal no Eurojust em Bruxelas, ou que foi Secretário de Estado da Justiça de Guterres.
Estou em crer que o "Público" também sabe perfeitamente que Lopes da Mota goza há muito de apreciável intimidade com Sócrates, e que a mulher de Lopes da Mota foi chefe de gabinete de Sócrates, e que há pouco tempo houve reuniões privadas e discretas entre Sócrates e Lopes da Mota (Negociações? Sobre Felgueiras ou sobre a PGR? Será que o "Público" virá esclarecer?).
Esta matéria ficou guardada para próximas edições?
O que me parece certo é que vai marcando pontos o partido dos que têm como ponto inegociável do seu programa aproveitar a substituição de Souto de Moura para colocar à frente do MP um "político de reconhecido mérito" - e não um Procurador-Geral Adjunto, ainda que de indiscutível fidelidade política.

domingo, outubro 30, 2005

O polvo

No passado dia 27 de Outubro, o "Correio da Manhã" informava que "Joaquim Vieira, director da "Grande Reportagem", detida pelo grupo Controlinveste, foi ontem despedido".
"O jornalista, que terá de sair até sexta-feira, foi, igualmente, informado de que a revista será fechada até Dezembro. As razões de tais medidas são desconhecidas.
Recorde-se que Vieira tem vindo a escrever sobre o polémico livro de Rui Mateus, onde se aludia a ligações do PS de Soares ao caso Emáudio
".
Contrasta o laconismo da notícia com a importância do assunto; e mais estranho ainda foi o silêncio ou a ausência de comentários que se seguiu, em todos os nossos meios de comunicação, frequentemente tão loquazes a badalar insignificâncias até à exaustão.
Posteriormente, a agência Lusa espalhou uma peça onde se acrescentavam alguns dados sobre o tema. O próprio despedido esclareceu que a administração "explicou a decisão de encerrar a publicação com a inviabilidade económica do título".
E ainda acrescentou que se prontificou a assegurar a direcção até ao final planeado da publicação, em Dezembro próximo, e que lhe "disseram que preferiam rescindir o contrato de imediato", ficando o coordenador da publicação, João Pombeiro, como responsável pela revista nos próximos dois meses.
Traduzindo o que se percebe: iniludivelmente, houve uma decisão "ad hominem". Joaquim Vieira tinha mesmo que sair até sexta, conforme a ordem recebida na quarta. Mal dava tempo para arrumar os papéis e esvaziar a secretária.
Eu bem tinha desconfiado que a série "O Polvo" iria ter vida curta.

Falar de blogues: percursos e perspectivas

Quando e como nasceram os blogues em Portugal? Como evoluíram? Em que terrenos se têm afirmado? Que evoluções são previsíveis?
Estas são algumas das interrogações que estarão em debate no espaço Almedina no Atrium Saldanha, em Lisboa, no próximo dia 10 de Novembro, às 19 horas, com organização da Almedina e de José Carlos Abrantes.
Anunciam-se as presenças de António Granado, Catarina Rodrigues, Joana Amaral Dias e Rogério Santos. Mais informações: na Almedina.

Olhares lusitanos

De Buenos Aires, sobre a cimeira das Américas;
De Toronto, sobre a santa terrinha;
Do Brasil, sobre a midia politicamente correta;
De Lisboa, sobre a reunificação da Coreia;

E se mais mundos houvera lá chegara...

sábado, outubro 29, 2005

Bem prega Frei Sócrates

Com grande sentido de oportunidade, o jornalista José António Lima publica na edição desta semana do "Expresso" um artigo sobre o intrigante mistério das tomadas de posse apressadas e a magna questão dos privilégios dos políticos.
Não se privem!
E quanto aos eborenses, uma vez que também por cá a nova Câmara tomou posse a correr, em cerimónia organizada em cima do joelho numa sexta-feira à tarde, quando os convidados ainda estavam a receber os convites, remeto-os para a leitura do Largo das Alterações, que também não deixou passar o assunto.
Eu só deixo um comentário meu, umas interrogações que não me têm largado a cabeça: uma vez que o processo de publicação e entrada em vigor da pomposamente chamada "lei sobre os fins dos privilégios dos titulares de cargos políticos" foi conduzido de modo a que a dita lei só produza efeitos práticos em quem seja eleito no ano de 2009, não será legítimo perguntar se ela algum dia irá aplicar-se a alguém? Ao longo dos próximos quatro anos não surgirá nada que a revogue, derrogue, substitua, ou seja lá como for garanta a final que ninguém venha a ser prejudicado? Eu apostaria na resposta afirmativa a esta última pergunta.

"Opiniões cada um tem a sua"

Não resisto a copiar um excerto de Olavo de Carvalho, que encontrei ao ler o "Orgulhosamente Só".
É magistral, e lembrou-me inevitavelmente o magnífico artigo de Gustavo Corção intitulado "Antigamente calavam-se..."
Agora zurram sem inibições, em cacofonia ensurdecedora...

"O idiota presunçoso, isto é, o tipo mais representativo de qualquer profissão hoje em dia, incluindo as letras, o ensino e o jornalismo, forma opinião de maneira imediata e espontânea, com base numa quantidade ínfima ou nula de conhecimentos, e se apega a seu julgamento com a tenacidade de quem defende um tesouro maior que a vida. A rigor, não tem propriamente opiniões. Tem apenas impressões difusas que não podendo, é claro, encontrar expressão adequada, se acomodam mecanicamente a qualquer fórmula de sentido análogo, colhida do ambiente, e então lhe parecem opiniões pessoais, como se a conquista de uma autêntica opinião pessoal prescindisse de esforço. (...)Não espanta que, diante de uma opinião que lhe desagrade, ele creia instantaneamente que ela se formou como as suas: da preferência emocional para o julgamento dos fatos, nunca ao contrário. E quando lhe mostramos algo dos dados e comparações que fomos trabalhosamente juntando para pensar como pensamos, ele imagina que estamos apenas inventando pretextos a esmo, na hora, para vencê-lo e humilhá-lo, para lhe impor nossas escolhas subjetivas, nossas crenças cegas, nossos “dogmas” como ele tão facilmente os rotula sem notar que inverte o sentido da palavra. Incapaz de recordar seu próprio trajeto interior, como poderia ele revivenciar imaginativamente o nosso? Quanto mais fundamentadas as razões que apresentamos, mais ele as entende como exteriorizações de uma vontade irracional. E, evidentemente, se acontece de nossas opiniões serem minoritárias e inusitadas, e as suas respaldadas na crença comum de um grupo social, aí sua incompreensão radical dos nossos argumentos se vê fortalecida pelo sentimento de ser a voz da razão em luta contra o fanatismo cego e a loucura."(...)
(ver artigo completo: A origem das opiniões dominantes)

The Pocket Book of Patriots

Para ler mesmo com um sorriso amarelo: a crónica de Eurico de Barros sobre The Pocket Book of Patriots.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Sombras chinesas

Divertido, observo o alarido que por aí vai com as "revelações" sobre o caso da demissão de Alberto Costa quando chefe do gabinete do Secretário para a Justiça de Macau, em 1988.
O assunto tinha sido amplamente noticiado logo na altura, e resume-se em poucas palavras: o Dr. Alberto Costa, então no exercício dessas funções públicas, tinha tentado "sensibilizar" o juiz de instrução criminal de serviço em Macau para o "exagero" da medida de prisão preventiva aplicada por este a dois indivíduos (António Ribeiro e Leonel Miranda) arguidos no caso da Televisão de Macau (TDM), e ambos pertencentes ao círculo soarista de negócios e influências (famoso por outros negócios ainda há pouco muito badalados).
Por acaso, quem acompanhou Costa nessas diligências foi António Lamego, que acabo de ver no telejornal como advogado de José Braga Gonçalves, e que nessa época estava em Macau numa comissão de serviço que toda a gente sabia dever-se às suas amizades com Soares filho e Soares pai, e não propriamente por ser irmão de José Lamego, que também é.
O juiz em causa, José Manuel Celeiro do Patrocínio, participou a situação referida (as interferências e pressões exercidas por Alberto Costa) e o escândalo foi tal que José António Barreiros demitiu das respectivas funções o futuro Ministro da Justiça.
Agora, em entrevista a "O Independente", o advogado José António Barreiros veio recordar o episódio.
E os factos de há 17 anos, que constam de todos os jornais de então, são agora apresentados como grande novidade!
Não haverá nada de realmente novo para descobrir sobre as andanças socialistas por terras do Extremo Oriente?

Ou vai ou racha

O Tribunal Constitucional anunciou publicamente o acórdão que reprovou a tentativa socialista de apresentar a referendo a sua obsessão com o aborto. Não era possível outra decisão, tal a clareza do texto constitucional que impede a repetição da mesma iniciativa na mesma sessão legislativa e define a actual sessão legislativa como a que começou com a tomada de posse dos actuais deputados e termina quando estes iniciarem as próximas férias de Verão.
Pensam que os derrotados vieram envergonhadamente declarar que sendo assim iriam esperar por Setembro de 2006, quando se inicia a sessão que se segue, e fazer então nova tentativa para submeter a consulta popular, com integral respeito pelos imperativos constitucionais, a sua proposta sobre o assunto - tal como haviam prometido solenemente ainda não há muito?
Pois desenganem-se. As reacções conhecidas de imediato são no sentido de proclamar que perante a decisão do Tribunal irão tentar forçar a aprovação no Parlamento da mesma proposta que tinham jurado submeter à aprovação popular.
Por outras palavras: se não vai a bem vai a mal.
No momento em que escrevo ainda não se ouviu a voz de Sócrates, que tanto se tinha ouvido a prometer a consulta pública.
Aguarda-se para as próximas horas, com justificada curiosidade.

Uma revista e uma webpage

Saiu um novo número da revista de ideias e debate "Atlântico", efectivamente bem recheada de leituras interessantes e pouco alinhadas com as vulgaridades em uso nas repetitivas publicações que enchem as bancas.
Juntamente com ela, e num estilo completamente diferente, queria realçar a página do professor Paulo Geraldo, a Aldeia, sempre repleta de textos, pensamentos e citações oportunos e densos de conteúdo.
Deixo uma e outra à apreciação dos leitores.

Música Portuguesa

Reabriu as suas portas o Museu da Música Portuguesa, após algumas obras de reabilitação.
O Museu da Música Portuguesa está instalado na Casa Verdades de Faria, no Estoril.
Para além da visita ao Museu, os interessados têm nos dias 29 e 30 de Outubro um programa especial que inclui a presença de grupos como os Zés Pereiras de Sanfins do Douro, os Pauliteiros de Miranda do Douro, e os Galandum Galundaina.
Para mais informação sobre as novidades da cena musical tradicional aconselha-se o excelente site da Associação Gaita de Foles.
Entretanto, para os eborenses e visitantes que por esta cidade andarem nos próximos dias, realizam-se as VIII Jornadas Internacionais "Escola de Musica da Sé de Évora", acontecimento da maior relevância cultural, que além das diversas conferências e ateliers, no Convento dos Remédios, inclui também dois concertos abertos ao público, ambos na Sé de Évora.
A responsabilidade pertence como habitualmente ao Eborae Musica.

"Celui qui croyait au ciel et celui qui n'y croyait pas"

Na aproximação das presidenciais, o candidato Luís Botelho Pereira multiplica-se em iniciativas e entusiasmo. Propõe-se "convocar a sociedade portuguesa, todos e cada um dos cidadãos, para um fórum participativo de definição de um novo rumo para o nosso país e apelar à mobilização geral para uma atitude nova de cidadania, de responsabilidade, de democratização da inovação, da cultura e do empreendedorismo".
Diferentemente, outros persistem firmes no desencanto: o Ruvasa pelo voto nulo, o Dantas pelo voto em branco.

Lembranças macaenses

Na edição de hoje de "O Independente" o conhecido advogado José António Barreiros, que também exerceu funções governativas em Macau juntamente com Alberto Costa, recorda como há 17 anos demitiu o actual Ministro da Justiça por causa do escândalo das pressões deste sobre o então juiz de instrução criminal em Macau, relacionadas com a investigação de um caso que envolvia os soaristas e a televisão de Macau.
Como a memória em Portugal é sempre demasiado curta, sublinho a importância de relembrar estes episódios - até para que se perceba que na raiz dos desentendimentos entre os actuais responsáveis políticos e as magistraturas não estão propriamente as discussões sobre o regime de assistência na doença.
Nem seria precisa muita atenção para reparar que nos últimos dias o Ministro Alberto Costa já se foi descaindo a falar em revisão constitucional e em alterações ao direito de greve. As questões relativas à segurança social dos magistrados e mesmo ao respectivo estatuto remuneratório pouco espaço ocupam na cabeça do Ministro, e de outros responsáveis políticos. O que está em causa, permanente e obsessivamente, é o enquadramento constitucional e legal que define o estatuto das magistraturas. Não tenhamos medo das palavras, o que se pretende é realmente a subversão do sistema existente, consagrando uma efectiva submissão das magistraturas ao controle do poder político.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Os professores

Antigamente e durante muito tempo, um professor era uma personalidade local em qualquer das nossas vilas e aldeias. Em muitos sítios, não era possível encontrar mais ninguém com instrução, a não ser o padre. Por conseguinte, o professor, a par do padre e eventualmente do médico, eram influentes e venerados, ouvidos muito para além do âmbito estrito das respectivas esferas de actividade.
Esse estatuto diferente das pessoas comuns da terra tinha consequências ao nível da sua expressão exterior (nas suas vidas, no seu vestuário, na sua casa), e naturalmente existia também na sua situação económica.
Um professor nunca ganhou fortunas, mas o seu vencimento modesto colocava-o ainda assim notoriamente num patamar superior ao do operário ou do trabalhador rural cujos filhos educava.
Quando alguém ia falar com o professor do filho fazia-o respeitosamente, com a reverência devida a quem tinha a missão de dar aos rebentos o que os progenitores não podiam dar-lhes - e que todos sabiam ser importante.
Dizem-me que este Portugal do século XIX e da maior parte do século XX já desapareceu, e em muitos aspectos devemos congratular-nos com isso.
Todavia, ainda assim quero chamar a atenção para a relevância de algumas mudanças ocorridas na posição relativa dos professores que julgo serem decisivas nos males de que de vez em quando nos queixamos quando se fala da educação.
Agora, os professores em qualquer vilória do nosso país são conhecidos pela população local como uns rapazes e raparigas que vivem nuns quartos alugados ao mês em casa da D. Balbina ou da D. Felisberta. Que são de muito longe e só vão lá estar até conseguirem colocação numa escola mais a seu jeito. Que comem habitualmente na tasca do Catita, perto da escola, onde se servem umas refeições em conta, por entre uns viajantes e uns motoristas de passagem. Há quem lhes chame os "meias-doses", porque é costume pedirem uma dose para dois de maneira a diminuir os custos. Por vezes aos fins de semana vão a casa, normalmente levando um o carro e compensando o outro na vez seguinte, porque com organização poupa-se algum.
Os pais dos respectivos alunos sabem de tudo isto. Como sabem perfeitamente que nenhum operário especializado, nenhum barbeiro ou electricista ganha menos do que o professor do filho. No parque de estacionamento, na balbúrdia em redor da escola, os veículos dos docentes distinguem-se dos outros por corresponderem notoriamente aos apertos do respectivo orçamento.
Quando os encarregados de educação vão falar com os senhores professores, é agora habitual falar-lhes de alto, quando não com agressividade e arrogância. Compreende-se, porque são uma categoria de gente caracterizada pela fungibilidade e transitoriedade, descartáveis e substituíveis a todo o tempo, e que ainda por cima não cumprem as suas obrigações e não têm onde cair mortos. As obrigações, já se sabe, subiram imenso: têm o dever de instruir devidamente todas as crias dos exigentes progenitores, sem os traumatizar com contrariedades ou esforços, e ainda ministrar-lhes educação que em casa não se pode porque nunca há tempo e aliás isso é função da escola.
Perguntarão a que vem toda esta conversa. Respondo que me ocorreu por estarmos num contexto em que o descontentamento do pessoal docente vai traduzir-se em novas manifestações efémeras de revolta, e de novo vamos assistir à argumentação dos governantes sobre os "privilégios", as "corporações", os "regimes especiais", os "interesses instalados", e outras figuras de estilo, próprias da desvergonha de quem fala.
Porém, o problema de fundo ultrapassa muito as circunstâncias de um momento. No campo da educação, como noutros domínios, a funcionalidade, o êxito do sistema, o seu prestígio, dependem muito de imagens, de representações mentais, de simbolismos. Acontece que tudo isso também passa, cruamente, pelos aspectos materiais. A degradação da classe docente para os fundos da escala, em termos económicos e sociais, nunca permitirá alcançar os níveis qualitativos que se pretendem para o sistema de ensino. E tudo indica que é essa visão, eu diria "albanesa", de nivelamento por baixo, de funcionarização e proletarização da classe docente, que está na cabeça e nos actos da casta governante.

quarta-feira, outubro 26, 2005

A República

Na "Colecção Filosofia e Ensaios", da "Guimarães Editores", surgiu uma nova tradução em português de "A República" de Platão, da responsabilidade de Elísio Gala (já autor nomeadamente de "Álvaro Ribeiro e a Filosofia Portuguesa -Bibliografia Geral" e "As linhas míticas do pensamento português").
Para além da leitura da nova versão dessa obra fundamental do pensamento filosófico e político de todos os tempos, aconselho os amigos a perderem-se na "Guimarães", ali na Rua da Misericórdia, bem perto do e da Trindade (teatro e cervejaria), rebuscando as prateleiras, os livros, os autores, explorando os recantos e o catálogo. É um dos lugares mágicos daquela zona de Lisboa (não digo do Chiado, porque o Múrias repetia sempre que o Chiado acabava na esquina do "Paris em Lisboa"), uma verdadeira perdição para quem sente o fascínio das letras e do papel impresso.

Apelo à verdade sobre a descolonização

Está em curso uma recolha de assinaturas para uma petição colectiva sobre o tema "Apelo à verdade sobre a descolonização".
Independentemente de subscrever ou não o texto em causa, ou todo ou parte do seu conteúdo, é importante a divulgação e o debate sobre os assuntos focados.
Aproveito para dizer, como contributo pessoal, que ainda mais do que a verdade sobre a "descolonização" parece-me essencial para o nosso futuro colectivo o conhecimento da verdade sobre a colonização.
Essa verdade esquecida e escondida faz parte da nossa identidade e da nossa memória genética como povo e como civilização. Como li certa vez, com um sobressalto concordante, no livro hoje desconhecido que Jacques Soustelle chamou "Carta Aberta às Vítimas da Descolonização", oxalá que os apaniguados da "descolonização" pudessem orgulhar-se desta tanto como nós podemos orgulhar-nos da colonização. Esta foi uma portentosa empresa de construção histórica, mobilizadora de heroísmos individuais e colectivos, geradora de epopeias e criadora de mundos.
Da "descolonização", o que podem dizer "descolonizadores" e "descolonizados"?

A prostituição

Tenho lido de várias origens opiniões convergentes sobre a necessidade e a conveniência de "legalizar a prostituição".
Como acontece frequentemente com as soluções que se apresentam para problemas complexos, também esta proposta enferma de simplismo e equívocos vários, que a meu ver a tornam irrelevante no debate em que pretende situar-se.
Antes do mais, o que se pretende dizer com "legalizar a prostituição"?
A pergunta é pertinente, porque ao contrário do que parece ser convicção generalizada a prostituição em Portugal nada tem de ilegal.
Existe no Código Penal a incriminação do lenocínio, configurado como um crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual. É punível por isso a actividade de quem se dedique a explorar as prostitutas, abusando destas, mas não as prostitutas nem a prostituição.
Se a ideia de quem fala em "legalizar a prostituição" consiste apenas em abolir essa incriminação, então o que desaparecia é a perseguição criminal dos chulos, não das prostitutas, que não existe.
Na verdade, a prostituição foi encarada pelo legislador como um comportamento perfeitamente lícito, se livremente assumido (invocando expressamente a orientação de demarcar o Direito Penal de qualquer conotação moralista).
Por conseguinte, não deve ser esse o cerne das posições em apreço. Confirma-se que não, ao observar que as principais preocupações a que procuram dar resposta os que falam na tal "legalização da prostituição" correspondem a finalidades de ordem sanitária (a saúde pública) ou de ordem fiscal (os impostos).
Mas sinceramente, não compreendo o que propõem que seja feito no plano legislativo. Tornar obrigatório que aquele ou aquela que queira exercer a prostituição esteja inscrito como tal e se sujeite aos cuidados médicos adequados a prevenir os riscos que tais actividades normalmente implicam?
Essas imposições legais correspondem a uma versão actualizada do regime que já vigorou em Portugal em outros tempos, quando as prostitutas estavam sujeitas a matrícula no Governo Civil e a vistoria periódica.
Porém, e como me parece claro, em primeiro lugar a legislação nesse sentido é que implicaria, diferentemente do direito actual, uma ilegalização da prostituição (só seriam lícitas as actividades de quem tivesse carteirinha profissional e cumprisse as normas, sendo por consequência ilegais todas as actividades nesse ramo de clandestinos e biscateiros, que nem os mais ingénuos podem afirmar que deixariam de existir).
Deste modo, e paradoxalmente, criava-se uma situação em que as polícias teriam que andar atrás de quem livremente praticasse prostituição sem obedecer à regulamentação obrigatória, passando autos, multas e participações - situação oposta à actual, e de resultados muito duvidosos.
E, acrescento, afigura-se que uma situação dessas seria muito pouco compatível com o enquadramento jurídico contemporâneo. Aliás, mesmo em outros tempos, em que sempre seria possível deter quem fosse encontrado em actividades sexuais (por conduta imoral ou outra qualificação qualquer) e conduzi-lo/a à esquadra para averiguar da regularidade da sua situação profissional, não me parece que essa regulamentação tivesse produzido grandes resultados no controlo efectivo dessas actividades.
A concluir: desconfio que na prática essa política iria conduzir a que apenas cumprisse realmente os cuidados sanitários definidos como obrigatórios quem agora voluntariamente já o faz. Tanto na vertente da oferta como na vertente da procura.
Quanto aos argumentos fiscalistas, que dão relevo à conveniência de arrecadar as receitas fiscais correspondentes a uma actividade económica com grande expressão: lamento desiludi-los, mas também não acho provável que os proventos tivessem qualquer significado. Actualmente, nas casas abertas ao público onde essa actividade é exercida com disfarce (sob denominações de bares, boites, salas de diversão, salões de massagens, etc) todo o pessoal está devidamente "legalizado". Ou seja, não trabalha lá ninguém que não tenha contrato de trabalho, declarado à inspecção, e que desconte os seus impostos e para a segurança social. Naturalmente que esses contratos dizem que a categoria profissional é de empregado de balcão, bailarina, recepcionista, cozinheira ou lá o que calhe, e todos referem o ordenado mínimo nacional, mas a verdade é que todos os que têm estabelecimento aberto estão defendidos contra as fiscalizações.
Se a prostituição, por força de lei, passasse a só poder ser exercida em locais licenciados e por profissionais registados como tal, acreditam os leitores que os contratos de trabalho iriam declarar rendimentos muito superiores, e o número de trabalhadores a descontar iria subir radicalmente? Eu não acredito.
Nesta altura alguns replicarão que o que não falta por aí são locais esconsos que não precisam de proteger o alvará que não têm, nem sequer como café, e gente que se dedica à prostituição sem ter qualquer cobertura contratual.
É verdade. Mas alguém acredita que essa economia paralela deixaria de proliferar caso a lei limitasse a actividade às sociedades civis ou empresários individuais devidamente autorizados, aos locais devidamente licenciados, aos profissionais devidamente habilitados?
Por favor: se nem os canalizadores ou os electricistas de ocasião podem ser eficazmente controlados pela máquina fiscal como seria detectada e controlada a prostituição espontânea e avulsa?
Iria legislar-se no sentido de tornar obrigatória a passagem de recibo ao cliente (a medida conseguiu aumentar muito as cobranças em relação aos médicos, por exemplo)? E para estimular a exigência do recibo seriam concedidos benefícios fiscais nessa matéria, em sede de IRS?
Uma vez que o escrito já vai longo, termino. A minha convicção, em síntese, baseada em algum conhecimento da realidade, é que a "regulamentação legal" aludida pouco iria modificar tanto no que respeita à saúde pública como no que toca às receitas fiscais. E continuaria a existir, como existiu sempre, a prostituição que não assumiria o nome, porque nenhum dos sujeitos envolvidos no acto está interessado nessa oficialização.
As opiniões em análise relevam muito mais de uma visão fetichista e mágica da lei, que conduz à crença de que mexendo na legislação se mudam os factos a que ela se refere, do que propriamente de um conhecimento autêntico da realidade.

Encruzilhadas

Ontem vi nos telejornais o Primeiro-Ministro Sócrates a explicar indignado que a greve dos juízes era injusta e absurda porque baseada apenas na recusa desses "funcionários públicos" em aceitarem um regime de assistência na doença igual ao de toda a função pública, tal como ele próprio possui.
Ressalta a evidente mentira quanto à parte que lhe respeita, talvez provocada pela ignorância, já que os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros não se confundem com nenhum "regime geral", nem consta que estejam na lista dos "regimes especiais" que o governo lançado na sua empresa moralizadora decidiu unificar na ADSE.
Ese pormenor ficou porém de todo secundarizado perante outro aspecto das declarações, que nem sequer é a explicação trapalhona e batoteira quanto aos motivos da greve (assunto que mereceria ser esclarecido, em outra sede).
O mais importante em tais declarações é obviamente a referência expressa aos juízes como "funcionários públicos", coisa que nunca se tinha ouvido dizer por um Primeiro-Ministro em exercício.
A relevância de tal tratamento consiste precisamente em que não se tratou de um mero lapso de linguagem: a designação traduz rigorosamente aquilo que os responsáveis políticos, no executivo como no legislativo, pensam de há muito - e está presente em todas as atitudes deles referentes aos tribunais.
Importa sublinhar que no que lhes é essencial e próprio os conceitos de juiz e de funcionário excluem-se mutuamente (sem desprimor para nenhuma dessas categorias de servidores do Estado). Um juiz não pode ser funcionário, e um funcionário não pode ser juiz. Um funcionário é um agente da administração, central ou local, integrado numa cadeia hierárquica, vinculado a deveres de obediência, a ordens e instruções genéricas ou concretas, subordinado aos responsáveis políticos de que depende. Um juiz é um titular de um órgão de soberania independente dos restantes poderes do Estado. A Constituição e as Leis assentam na separação do Poder Judicial em relação aos Poderes Legislativo e Executivo, e os titulares dos órgãos de soberania Tribunais têm consequentemente um estatuto que lhes garanta o exercício desse poder em plena independência, com as garantias inerentes.
Tratar os juízes como funcionários públicos significa não só deitar fora alguns séculos da tradição jurídico-política do Ocidente, rejeitando a separação de poderes e a independência dos tribunais, como efectivamente subverter todo o edifício jurídico e constitucional vigente.
Se os Tribunais constituem mais uma espécie de repartição do Ministério da Justiça, e os juízes mais uma categoria de funcionários públicos, como na realidade pensam generalizadamente os responsáveis políticos, será necessário a curto prazo rever-se toda a Constituição na parte tacitamente revogada, e modificar depois em conformidade todas as leis comuns relativas ao sector.
Até lá, o simples tratamento dos juízes como "funcionários públicos", pelo próprio Primeiro-Ministro em funções, como por parte de muitos outros responsáveis políticos, representa matéria tão grave que só por si justifica todas as greves e mobilizações que se possam fazer contra o programa político subjacente a tais ideias.

Descobertas e descobridores

Tive conhecimento através do Combustões: o conhecido jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos publicou esta semana um "romance histórico", com o título "O Codex 632", cujo enredo se centra no enigma do "Colombo português".
Ainda não vi o livro, pelo que não sei quais as referências bibliográficas que este contém, mas procurei todas as notícias relacionadas com o assunto. Encontrei abundante informação, designadamente oriunda da LUSA e da RTP, mas espalhada em todos os órgãos de informação. Destaco as declarações do próprio Rodrigues dos Santos ("Colombo não podia ser outra coisa senão português"), bem como os comentários encomiásticos de João Paulo Oliveira e Costa.
E uma constatação iniludível se impõe: o nome de Mascarenhas Barreto nunca é mencionado. No contexto em que nos situamos, isto equivale a dizer que é intencionalmente omitido, por decisão tomada.
Com efeito, não sendo Mascarenhas Barreto o criador da tese do "Colombo português" (como aliás está bem documentado na bibliografia por ele indicada), o certo é que depois dele e de toda a polémica levantada com a publicação dos seus trabalhos (monumentais e amplamente difundidos) nunca mais será possível falar da identidade de Cristóvão Colóm ignorando Mascarenhas Barreto.
Veja-se a este propósito a resenha disponível no Núcleo dos Amigos da Cuba, que já aqui tenho recomendado.
A confirmar-se a ocultação deliberada (evidente nas notícias de agência divulgadas, certamente a partir de press-release da editora e de declarações do próprio autor) a atitude não é apenas desonesta: é sobretudo estúpida.
A tese defendida por Rodrigues dos Santos de que Colóm era um nacional português não nasceu da consulta pelo romancista de documentos originais, como se anuncia em alguns textos que li na imprensa; e uma mentira tão grosseira não é desculpável com alibis publicitários. Acresce que não se percebe em que é que a obra de Rodrigues dos Santos, ou ele mesmo, saem beneficiados com isto.

terça-feira, outubro 25, 2005

O inimigo que sorri

O inimigo que sorri é o mais perigoso e letal.
As sociedades ocidentais tremeram durante muito tempo ante o espectro da revolução; o revolucionário, o homem da faca nos dentes, era o pesadelo que afligia o descanso dos bons pais de família.
Passadas as décadas, é razoável concluir que a essa ameaça a nossa civilização respondeu com apreciável vitalidade. Com mais ou menos milhões de mortos, hectolitros de sangue, guerras múltiplas e convulsões avulsas por todo o espaço a considerar, o certo é que as ditas sociedades sairam-se bem, progrediram materialmente, foram universalizando o seu modo de viver e estar.
Os atacantes é que perderam; decorridos os séculos XIX e XX, as figuras do anarquista que põe bombas a eito e mata governantes e padres ou do comunista que tenta trazer a ditadura do proletariado a tiro de canhão e vai enforcando de caminho os burgueses disponíveis só são localizáveis nas páginas dos romances ou nos filmes de reconstituição histórica.
Desapareceram; hoje ninguém vislumbra o esgar ameaçador da revolução sob os sorrisos de anúncio a pasta de dentes barata reluzindo nas faces bem tratadas de Blair, Guterres, Zapatero ou Schroeder, lembrando placard de esquina de supermercado.
A esquerda zangada morreu. Agora até o camarada Jerónimo segue fielmente o mandamento primordial - sorrir, sorrir sempre, mesmo a babar-se.
E todavia, aos venenos que lentamente se vão infiltrando no nosso mundo as mesmas sociedades, adormecidas no bem estar aparente e tranquilizadas pela harmonia obrigatória e a boa disposição politicamente correcta, estão a mostrar-se muito mais incapazes de encontrar respostas e de reagir em conformidade.
A anestesia geral, a impossibilidade de identificar os inimigos e de encarar as doenças, a alergia ao combate e a paralisação das defesas generalizada por uma espécie de SIDA mental, estão a conduzir as mesmas sociedades, que reagiram com vigor aos ataques frontais, a uma situação de existência comatosa, de incapacidade de reacção, que geram a prazo um perigo real de desintegração, de submersão, de dissolução, ou qualquer outra forma de extinção.
Apesar de um mau estar profundo se ir difundindo a todos os níveis, sob as tais aparências, sem que possa diagnosticar-se o mal nem procurar-se o remédio.
O inimigo que sorri é o mais difícil de combater.

Dissertação sociológica

Um amigo, economista de formação, observava-me mordaz que não há nenhuma actividade económica conduzida em absoluto respeito pela legalidade que possa ultrapassar uma certa percentagem de lucro. Por outras palavras, variando as circunstâncias um negócio pode dar mais ou pode dar menos, pode excepcionalmente ser muito vantajoso, mas tudo está socialmente organizado para que, respeitando-se todos os condicionalismos existentes, não possa exceder as margens do possível.
Se deparamos com enriquecimentos à velocidade da luz, com situações em que o capital de partida era de cem e um ano depois reproduziu-se por mil, poderá o que se sabe ser lícito, mas seguramente que haverá algo oculto que explica a multiplicação, estranha às normas que a todos prendem.
A reflexão já tem uns anos, mas não perdeu pertinência na nossa actualidade - muito pelo contrário. Os fenómenos intrigantes de sucesso vertiginoso espalharam-se e tornaram-se mais e mais agressivos e ostentatórios. A riqueza, mesmo a que em tempos usava ser discreta e comedida, entrou num frenesim exibicionista. Enche-nos os jornais, as revistas, as televisões, as festas e as comissões de honra dos candidatos presidenciais.
É verdade que já em tempos remotos se comentava que o que valia a pena não era ser ministro, era ter sido ministro; mas nunca se tinha observado um trânsito tão rápido e tão intenso entre os corredores da governação e os gabinetes da alta finança, as centrais do poder económico, os conselhos de administração, os escritórios da advocacia de negócios.
Desconsola ler nas gazetas que comparativamente aos demais povos da Europa somos os mais pobres - e somos os mais ricos. E que essa caracterização tende a acentuar-se, tendência que empiricamente também sentimos.

Programa de hoje

Logo às 21 horas, na Livraria Bucholz (Rua Duque de Palmela n.º 4 em Lisboa), o CIARI - Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais, promove uma tertúlia subordinada ao tema "Exploração espacial: competição científica e política", em que será oradora a Dra. Vera Gomes.
Entretanto, ler o semanário "O Diabo", que nesta terça-feira traz entre os mais um artigo sobre o triunfo do neorealismo na política da autoria de um conhecido bloguista (com g), Bruno Oliveira Santos. Para além dos habituais apontamentos de Walter Ventura, que lá vai afinando a pontaria com mais uns tiros certeiros nos alvos da sua predilecção.

segunda-feira, outubro 24, 2005

A Idade da Inocência

De acordo com as notícias de hoje, Fátima Felgueiras está cada vez mais perto de uma vitória também na frente judicial. Ou nem chega a ser julgada, ou sairá triunfante de um julgamento patético. Não resisto neste ponto à vaidade de relembrar o que já aqui tinha exposto sobre o tema, e como houve comentadores que quase me chamaram tolinho; como se eu alguma vez os tivesse enganado...
O resultado da epopeia felgueirense não é de estranhar; afinal, como a boa senhora se tem fartado de explicar, àquém e além mar, ela é perfeitamente inocente. Aliás tal como as personalidades políticas que ela conheceu durante a sua carreira, todos de uma inocência perfeita nas mesmas práticas em que ela se viu solitariamente perseguida.
É oportuno recordar que todos os réus do caso Casa Pia são, de igual modo, inocentes. Todos eles, personalidades da nossa melhor sociedade, e os seus ilustres advogados, vedetas maiores do nosso foro, têm abundantemente exposto o facto.
De Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues ou Herman José nem se fala: são inocentíssimos, e quem disser o contrário leva processo em cima.
Tal como eles, todos os pesos-pesados da nossa casta bancária, hoje reunidos em cimeira, em manifestação de força e exibição televisiva de músculo, para país ver, protestaram contra a insólita perseguição que lhes foi movida; e protestaram orgulhosos a sua consabida e indiscutível inocência.
Já o Cristiano Ronaldo também tinha alertado as massas, como se fosse preciso, de que é um inocente; uma vítima indefesa de ciladas malévolas.
Pelo que li em todos os jornais, completou-se um ano sobre o início de um processo na Venezuela em que são arguidos vários portugueses. Como é unanimemente apontado nos relatos de toda a imprensa, há lá um piloto português que está completamente inocente. Em igualdade de circunstâncias, obviamente, com a restante tripulação. O comandante está inocente e a hospedeira também está. Acresce que as passageiras, Virgínia, Antonieta e Margarida, são inocentes também, como elas mesmas já declararam pacientemente aos órgãos de informação.
Não deveríamos parar por aqui, mas o espaço não chegaria. Por exemplo, existe por aí um maxiprocesso sobre o meio ligado aos negócios futebolístico-políticos, tornado famoso pela designação do "apito dourado", que só ele reuniu na solidariedade do papel de processado umas centenas de inocentes. Querem melhor exemplo de inocência que o Capitão Valentim?
Claro que podemos sempre trazer à memória a figura de Isaltino, um verdadeiro modelo de inocência. Mas não está sózinho, podemos recuar no tempo e encontramos autênticos monumentos à inocência, como Duarte Lima e António Saleiro (o que já foi reconhecido).
E há ainda, em pleno exercício de inocência na distrital de Lisboa do PSD, o discreto António Preto, portador de inocência às carradas (por vezes em malas).
Enfim, vivemos um tempo de inocência. A vida político-judicial da nossa época parece contagiada pela teologia moderna: assim como esta esvaziou o inferno (a que admite que ele exista) decretando o fim do pecado, também aquela aboliu a responsabilidade e a culpa, assentando na inocência geral. Não há culpados. E todos viverão felizes para sempre.

domingo, outubro 23, 2005

Convergências

Regresso para destacar mais uns excelentes textos da blogosfera.
Primeiro, o belo “Há quatro orientes”, de JSM.
Depois, a acertadíssima análise sobre as complicações iraquianas, da autoria de FGSantos, sob o título "A cruzada".
Finalmente, os escritos de PCP sobre "O valor de uma morte" e "exercícios injustificados".
Vamos lendo e aprendendo, na blogosfera como na vida.

Do Portugal profundo

Para quem queira acompanhar as novidades da nossa vida judicial é bom que leia as reflexões do Velho da Montanha sobre as peripécias do Portugal Profundo.
E quem quiser ir mais longe, tenha a paciência de ler o dossier reunido na Grande Loja do Queijo Limiano, realmente impressionante:
anatomia de um silêncio
anatomia de um silêncio (II)
Macau, e os esqueletos no armário
a insustentável leveza do silêncio
back to basics
Justiça, uma história portuguesa (V)
Portugal Confidencial Parte III – A Pista da Energia
Como se vê da numeração, há muito mais no mesmo sítio. O tempo que empregarem a lê-lo não será perdido.

Blogosfera lusa

Caríssimos leitores: eu compreendo que vos aborreça este meu blogue paroquial e narcisista, vogando entre o ego do autor e as miseráveis incursões nas intrigas da vizinhança (melgas e melgões, tronchos e raminhos, oliveiras e pinheiros, rosas e zorrinhos...).
Que isso contudo não vos tire o gosto pela blogosfera. Há sempre quem se eleve e nos eleve para o que realmente interessa.
Sobre o efémero na História, chamando-nos a pensar como as civilizações são transitórias; sobre antevisão na História, como na importante recensão sobre um novo livro do jornalista e escritor Alain Sanders onde o autor brinca a sério com uma França submetida à Sharia onde o porco é clandestino e os vinhos foram proibidos; ou sobre as lições da História, ou a falta delas, como no caso deste que nos relembra e mostra um certo Muro a dividir cidades e famílias, e que não é aquele que imediatamente se recorda.
Convido-vos portanto a viajar, ir ao mais alto e ao mais profundo, e deixar-me aqui na humildade do meu posto.
(Não perco esta oportunidade para mais um apontamento, sobre livros e História: já leram "A guerra de África em 1895", do comissário-régio António Ennes, incluindo cartas e um estudo de Paiva Couceiro, e prefaciado por Afonso Lopes Vieira? Eu tenho a edição original, mas ontem ao passar por um supermercado vi umas pilhas da excelente edição dos Livros Prefácio, a preço de saldo. Quer dizer que não se vendeu nada... e que magnífica leitura!).

sábado, outubro 22, 2005

De novo em Felgueiras

A Assembleia Municipal de Felgueiras é composta por 65 elementos, sendo 19 eleitos em listas do PS, 21 eleitos em listas do PSD, e 15 eleitos pelo movimento "Sempre Presente", de Fátima Felgueiras.
Neste quadro, e tendo Fátima Felgueiras maioria absoluta na Câmara, percebe-se a importância do controlo da Assembleia. Consequentemente, aproximando-se a eleição do presidente da Assembleia Municipal e tendo Fátima Felgueiras um candidato seu (Orlando Sousa), multiplicam-se as queixas da parte dos responsáveis locais do PSD e do PS sobre as pressões, ameaças e chantagens que se abatem sobre os eleitos desses partidos.
Será importante observar os resultados da votação, e constatar quantos cederam ao ambiente.
Se o candidato de Fátima for eleito, na sequência dos intensos "contactos" e "reuniões" denunciados nos últimos dias, para a presidência de um órgão onde à partida a sua facção parece francamente minoritária, logo se entenderá melhor o que eu aqui tentei explicar há dias sobre o decurso previsível do julgamento de Fátima Felgueiras (e reservo-me ainda quanto a outras borrascas que se anunciam).

Toponímia eborense

O título podia aludir ao livro de Afonso de Carvalho sobre "As ruas de Évora" (trabalho de grande mérito, de que se aguarda para breve a segundo volume) mas na verdade serve para referir as novas da blogosfera citadina.
Esta vai pouco a pouco reproduzindo os largos e praças, lugares de encontro e de cavaqueira. Primeiro o Largo das Alterações, logo o Praça do Sertório e o Largo da Porta Nova. Todos excessivamente concentrados nos Paços do Concelho, acabam por afunilar demasiado o público-alvo. Vamos a ver como será a sua evolução, que desejamos publicamente venha a ser repleta de êxitos.
De caminho, não podemos deixar de lamentar a estranha decisão do "Mais Évora" (estranha do nosso ponto de vista, como é óbvio). Expressamos aqui o mais vivo e sincero lamento, com o maior apreço pelo trabalho notável desenvolvido ao longo do tempo em que entendeu estar connosco neste universo dos blogues. E só não dizemos mais porque a comentar essa decisão corríamos o risco da incompreensão e da injustiça. Com efeito, não sabemos os motivos que estão na base da atitude. Julgá-la precipitadamente, no desconhecimento, e cedendo apenas a um impulso imediato de reprovação, podia conduzir-nos a um errado juízo público de que preferimos abster-nos. Consigna-se, tão só, o nosso lamento e a nossa discordância.

Os caminhos das escolas

Os jornais de hoje estão repletos de informações e comentários sobre os dados fornecidos pelo Ministério da Educação ácerca do aproveitamento dos alunos dos estabelecimentos de ensino secundário, nomeadamente os números da classificação interna de frequência e os resultados dos exames nacionais. É o impropriamente chamado "ranking das escolas".
Sempre envolta em polémica, alegadamente pelos equívocos e más interpretações que proporciona, a mim sempre me pareceu utilíssima. Basta fazer uma breve análise das informações disponibilizadas para se concluir que permitem observações interessantes e valiosas sobre o nosso ensino e as nossas escolas. Quanto a interpretações ignorantes ou superficiais, não creio que esse perigo constitua argumento contra a divulgação pública: nesse caso todos os dados estatísticos teriam que ser secretos.
Entretanto, chamo a atenção para outra notícia, esta de Inglaterra: foi anunciada a "tolerância zero" nas escolas.
Concretamente, a partir das propostas de um grupo de trabalho constituído por professores, de que Alan Steer se tornou a cara conhecida, foi legislado no sentido de atribuir aos professores e às escolas inglesas mais poderes para castigar alunos indisciplinados e pais desinteressados.
Também por lá, o mau comportamento escolar tinha sido considerado um problema nacional. O relatório da comissão Steer (obviamente tornado público) propôs dar aos professores "direitos claros e inquestionáveis" para conseguir deter os maus comportamentos dos alunos, defendendo que deviam ser claramente definidos os "direitos e responsabilidades de professores, alunos e pais." A Associação de Professores apoiou, e considera o relatório "o primeiro passo para equilibrar a equação entre os direitos individuais de cada aluno e os direitos colectivos da comunidade escolar." Um inquérito realizado entre os professores ingleses revelou que 80% consideram que os problemas disciplinares resultam da falta de controlo dos pais e quase três quartos dizem apoiar a abordagem "tolerância zero" para o mau comportamento.
Em Portugal, quem trabalhe em contacto com qualquer Direcção Regional de Ensino sabe dos números extraordinários de baixas, depressões, esgotamentos, juntas médicas...
Todavia, é de bom tom só falar nas consequências, e discretamente. As causas não podem ser referidas, para não ferir as vacas sagradas das doutrinas pedagógicas oficiais (e únicas).

sexta-feira, outubro 21, 2005

Soma e segue

Andava eu para aqui intrigado com o nervosismo que se notava entre as hostes socialistas eborenses e eis que surge a notícia: o ministro da Saúde demitiu hoje o conselho de administração do Hospital Distrital de Évora, sendo de imediato nomeado para as funções de presidente, que assume já na segunda-feira, o professor António Manuel Soares Serrano, da Universidade de Évora (Departamento de Gestão).
Quem perdeu a cadeira foi o médico Luís Guilherme Pereira, que para além de ser do Hospital há muitos anos também é do PSD.
O António Serrano não vos digo a que partido pertence, para vos deixar adivinhar.
Restam ainda uns lugares, que não sei a quem irão ser atribuídos. Esperemos que seja alguém que já tenha entrado no Hospital, para ajudar o Dr. Serrano a não se perder no edifício.
Creio porém que tudo já deve estar definido, entre a ARS e o Sr. Ministro da Saúde (provavelmente na segunda-feira já se saberá). Recorde-se que quem preside à ARS socialista é a Dra. Rosa Matos (Zorrinho), e esta conhece bem o Hospital. Não vai falhar nas indigitações. Desta vez não haverá esquecimentos, nem contemplações.
E que mais estará a perturbar os espíritos na sede do Largo de Machede Velho? Nesta alturas há sempre alguém que não fica satisfeito.

Évora ingovernável?

A crer nos responsáveis socialistas eborenses com que contactei hoje, a situação resultante das eleições locais apresenta-se com cores muito negras.
Falam em impasse, que a Câmara está ingovernável, as Juntas de maioria relativa são ingovernáveis, o caos iminente e o mundo a desabar - tudo porque existiria uma coligação negativa entre a CDU e o PSD.
Confesso que não levei muito a sério as palavras, que me parece ter já ouvido em outras ocasiões. Porém, é facto que o dito pessoal aparentava excessivo nervosismo, agitação que na minha simples maneira de ser se me afigurou exagerada e injustificada.
Não sei se os achaques se relacionam com questões presidenciais, ou com desavenças e disputas locais, ou isso tudo junto e ainda somado a mais alguma coisa.
Mas francamente, quanto à Câmara, acho precipitado o alarmismo. Tenham calma, um pouco de paciência, e tudo se vai compôr. Bem conversadinho, o problema há-de resolver-se.

Futebol português: a hora da verdade?

Foi anunciado esta tarde que os jogadores do Vitória de Setúbal decidiram recorrer à rescisão colectiva dos contratos de trabalho, invocando como causa os salários em atraso.
O que se passa com o Vitória de Setúbal devia soar como um sinal de alarme. Infelizmente, não tem merecido a devida atenção. Toda a gente prefere assobiar para o lado, e deixar que o circo continue. Desde o Estado que não cobra os impostos até aos jornais que fingem ignorar a realidade do abismo, oculto atrás dos êxitos desportivos de uns poucos.
Agora o descalabro toca à porta do Vitória de Setúbal.
Lembram-se do Farense? E do Salgueiros? E alguém ainda se lembra do Campomaiorense? Ou do Tirsense? Ou, ou, ou...
Está chegando a hora?

A mim não me levam lá

Apresentou-se finalmente o candidato que antes de ser já o era.
Sobre a apresentação, pode dizer-se o que se tem dito: que disse o menos possível fazendo que dizia alguma coisa. Ou, como outros têm dito, Cavaco foi fiel a si próprio. E será sempre fiel a si próprio. Apenas.
Sobre o candidato, o diagnóstico mais autorizado veio do seu próprio mandatário oficial. O Prof. João Lobo Antunes, que também foi mandatário oficial de Jorge Sampaio, explicou tranquilamente que não descortina grandes diferenças entre um e outro. E ele sabe, não só porque é o mandatário de ambos como por ser muito entendido em cérebros. É mesmo um grande especialista na matéria.
Eu, que sei apenas por intuição e por observação, também tenho impressão idêntica.
E digo mais: estou em crer que Sócrates está de acordo. Em quem pensam que Sócrates vai votar, lá no segredo da câmara de voto? Eu não tenho dúvidas: ele suspira por Cavaco, enquanto empurra Soares da mesma forma que empurrou Carrilho. Sonhando que a aventura do velho tenha o mesmo fim que a do filósofo.
Sócrates fez o caminho com Guterres, mas quem ele aprecia é Cavaco, não o engenheiro mole e parlapatão.
E o austero Cavaco simpatiza com Sócrates, aos seus olhos incomparávelmente superior aos desatinos mundanos de Santana Lopes e sua corte.
Em conclusão: os dois estão ansiosos por se entender, e entretanto vão-se entendendo sem palavras.
Quem quiser mesmo desestabilizar e inviabilizar a boa marcha da carruagem de Sócrates deve apostar em Soares. Com este, que nada sabe de economia ou de finanças, é que não é possível qualquer negociação razoável. Com ele, só mesmo a submissão, ou a demissão.
E nestes devaneios esqueci-me da mensagem a que vinha: a mim não me apanham lá. Para que conste.

quinta-feira, outubro 20, 2005

A substituição de Souto Moura

Ando a adiar há algum tempo umas considerações sobre a substituição de Souto Moura como Procurador-Geral da República, e resolvi que vai ser hoje.
Porque, apesar de ser constatável que o assunto desapareceu da ordem do dia, continuo convencido que não saiu da agenda. Aguardará a oportunidade, mas a hora há-de chegar.
Quando?
Se estou a ver bem, Sócrates deve ter pensado que os custos políticos eram agora muito elevados, e que não lhe convinha forçar demasiado. Por seu turno Sampaio está de saída, e já demonstrou que não lhe agrada a ideia de ser associado neste final de mandato a uma imagem de mero mandarete dos socialistas - como se viu no caso do referendo sobre o aborto, em que visivelmente decidiu empatar, para não dizer frontalmente não a algo a que até gostaria de dizer sim, mas evitou o papel de pau mandado a que o quiseram remeter, chutando o assunto para longe e para mais tarde.
Não quererá portanto fazer de Nobre Guedes assinando à pressa e no arrumar dos papéis uns despachos de favor.
Ora neste assunto da demissão do Procurador-Geral da República é indispensável um entendimento entre o Governo e o Presidente da República. Ou eu me engano muito ou Sócrates decidiu esperar porque achou mais sensato e vantajoso negociar com Cavaco.
E veremos então os termos da negociação.
Pelo que sei, estou certo que vão confrontar-se duas correntes que há muito se agitam nos meios que se têm preocupado com o assunto. Uma, mais radical, defende que não se pode perder a ocasião para assinalar claramente a supremacia do poder político, nomeando alguém estranho à magistratura. Poderá ser um advogado, um professor de Direito, um jurista conhecido - em todo o caso alguém de fora da carreira, e cuja nomeação tenha um significado iniludível quanto às mudanças que se desejam. Teríamos neste caso a nomeação de um "jurista de reconhecido mérito", como a lei permite. A outra linha entende que, embora sejam compreensíveis as razões dos teorizadores dessa ruptura, devem prosseguir-se os mesmos objectivos mas procurando minorar os custos, de preferência encontrando dentro da hierarquia alguém cuja fidelidade seja segura, e através de quem se possa gradualmente executar o programa de subordinação do Ministério Público ao poder político, sem começar pela humilhação desnecessária da instituição.
Para conhecimento dos termos da primeira proposta basta ler o que desde há bastantes anos tem vindo a escrever Proença de Carvalho, fazendo questão de dizer alto o que muitos murmuram em voz baixa. A segunda posição palpita-me que seja mais ao gosto do próprio Sócrates. Todavia, ambas terão defensores credenciados - e com grande influência tanto junto de Sócrates como no círculo de Cavaco. Ver-se-á qual das posições prevalecerá, o que depende de muitas circunstâncias dificilmente previsíveis.
Se prevalecer a via a que chamei menos radical, ou mais política, veremos a nomeação de um qualquer Procurador-Geral Adjunto da confiança e do círculo das amizades de Sócrates (há algum tempo atrás circulava entre a hierarquia do MP que estaria para ser nomeado Lopes da Mota). Se vencer a perspectiva maximalista, veremos aparecer um político de reconhecido mérito. Em qualquer dos casos, as transformações virão a seguir.

Évora: a dança das cadeiras

Falo de uma dança entre socialistas, pois claro. Aquilo pelo PS eborense continua animado. Muitos já estão arrumados, mas a parte final é sempre mais renhida. Sobe portanto o nervosismo e a emoção.
Ultimamente tenho estranhado a permanência de Henrique Troncho como Governador Civil, decorrido tanto tempo sobre o anúncio da sua ida para a cobiçada cadeira da presidência da EDIA. Podia até começar a surgir a dúvida sobre a nomeação, mas não há razão para tanto. É mesmo oficial.
Mas se é assim porque tarda a substituição? Recorde-se que logo com a notícia da indigitação de Troncho (podem chamar-lhe troncho, mas é fino como um alho) para a EDIA, surgiu o rumor de que a cadeira de Governador Civil estava reservada para Fernanda Ramos, o que se harmonizava bem com as aparências (esta tinha-se desligado da Câmara, estava aí disponível para as curvas, a função é notoriamente do seu agrado...).
Porém, parece que nesta parte houve algo que emperrou o processo. Segundo fontes habitualmente bem informadas (não é bonita, a expressão?) nem os socialistas estão pelos ajustes com a perspectiva de ver Fernanda Ramos Governadora Civil. Pelo menos uma parte substancial deles, e que também sabem mexer-se na dança. Dizem que a senhora é insuportável, demais. No Governo Civil só ia trazer sarilhos. E rumoreja-se agora que esse assento já não irá para a D. Fernanda: o eleito será Manuel Melgão (como se não nos bastassem já todas as melgas que vamos aturando...).
A solução Melgão traria várias conveniências: por um lado o homem é inofensivo, não ameaça ninguém nem faz medo a quem quer que seja, e por outro o cargo é menos exigente do que o de vereador na Câmara, leia-se que ressaltam menos as limitações pessoais. E depois, não menos importante, podia ficar a trabalhar como vereador junto do Dr. Ernesto o seu assessor Monarca Pinheiro, que por azares eleitorais ficou mesmo à porta da vereação.
Não sei se estou enganado ou não; mas contaram-me assim. E não está mal visto. Só não estou a ver qual virá a ser então a cadeira para Fernanda Ramos. Mas algo se há-de arranjar.

Pandemia

O Governo afirmou hoje estar "atento", "preocupado" e "preparado" para responder a uma eventual propagação da gripe das aves, mas recusou qualquer tipo de alarmismo face à probabilidade da doença poder atingir o território português.
Eu por mim não sei.
Depois de ter lido o alerta de Pacheco Pereira, segundo o qual a gripe constitui um "teste poderoso" para "a democracia" e "a nossa civilização", fiquei muito apreensivo.
Embora ele ainda escreva, traquilizador, que "depois passará", já não me tirou do sobressalto.
Estou mesmo aflito com a democracia e a nossa civilização. Se lhes dá a gripe, o que será de nós?

quarta-feira, outubro 19, 2005

Ao contrário

Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Paulo e Virgínia, Simão e Teresa...
Quereis ouvir, senhores, histórias de amor e morte?
Sorri ao ler o mais recente escrito do BOS.
Lança-se em divagações sobre a paixão e o amor, o amor e a paixão - pela segunda vez em poucos dias, o que é uma reincidência intrigante.
Não vou desiludi-lo; mas lembrou-me irresistivelmente Denis de Rougemont (L’Amour et l’Occident, Les mythes de l'amour).
Se aprofundar, é capaz de acabar como o pensador suíço. O que é difícil é o casamento. O que é importante é o casamento.

Postal desabrido sobre Almeida Santos, as culpas e as desculpas

Falando de uma entrevista de Almeida Santos ao "Diário de Notícias" em que este mais uma vez procura fugir às responsabilidades na tragédia criminosa do abandono do Ultramar, o Paulo Cunha Porto chama-lhe o troca-tintas.
Não creio que o epíteto seja o apropriado. Troca-tintas era o sujeito que chamou Cesário Azul ao Cesário Verde. Este sujeito que anda há anos a defender que as culpas são só dos outros (de todos menos dele) num processo em que foi agente activo e entusiasta, e dos principais, não merece adjectivação tão benevolente.
Atente-se na evolução: numa primeira fase, a "descolonização" era exemplar, e o papel de herói era dele (nisto competindo com Soares e Antunes); numa segunda fase a "descolonização" foi a possível, e o mérito ainda lhe cabia (nisto continuando à compita com os outros citados); numa terceira fase, quando já era impossível esconder o desastre com as habituais cortinas de palavras, o que se passou teve aspectos trágicos, como os furacões, mas por um lado era inevitável e por outro as culpas que houve foram dos outros. De todos menos dele - e nesta derradeira tese também se encontrando de novo com o anafado Marocas e o sofrível Major.
Parece-se nisto o Almeida Tantos com o numeroso ajuntamento de pequenos e médios intelectuais e artistas que constituem o séquito do desertor Alegre: todos sempre em uníssono contra os "poderes instalados" e o "clientelismo", e todos há décadas que não vivem de outra coisa senão da mama dos tachos e dos subsídios, chupando nas tetas do Estado sempre à boleia de qualquer estrela da hora - frequentemente mudando de posição conforme a inclinação da gamela. São coelhos para qualquer prado.
E não se fala mais em porcarias. Se o "democrata de Moçambique" A. Tantos quer um certificado de inimputabilidade, deixem-no a falar sozinho. Há crimes que não prescrevem, mas com a idade que tem já não é de esperar que venha a responder por eles.

Paris é sempre Paris

Recomenda-se a leitura das "impressões de Paris", as notas de viagem do nosso amigo Giuseppe Sarto recentemente chegado da cidade-luz. Um roteiro para católicos, aberto a todos.

As prioridades

Outro jornal desta manhã realça os rigores do orçamento socratista (um outro goza com as trapalhadas do filósofo sobre gripes e vacinas, mas agora deixo este de lado).
O que me prendeu foram as questões dos cortes e apertos, em palavras simples a falta de massa.
De acordo com a notícia, não há dinheiro para os projectos (há muito anunciados e calendarizados) de expansão das linhas de Metro de Lisboa e periferia. Concretamente, o orçamento não prevê nada para as linhas que iriam unir Algés e Loures e restantes pontos da rede do Metro lisboeta. De igual forma não há dinheiro para os hospitais prometidos (tanto pelos anteriores governos como por este, mesmo antes de o ser). Especificamente, os hospitais previstos para as zonas de Loures e de Vila Franca vão ter que esperar não se sabe até quando. Pelo menos, até que haja dinheiro, o que não se prevê quando possa acontecer.
Todavia, como explicam os governantes a outra importante voz da comunicação social, o aperto orçamental é compatível com a Ota e o TGV. Para estes empreendimentos o orçamento vai conter a indispensável provisão.
Compreendo perfeitamente: as centenas de milhares de pessoas que se aglomeram nas zonas suburbanas da periferia de Lisboa e que seriam servidas pelas adiadas extensões das linhas de Metro para Algés e Loures provavelmente não são potenciais clientes do TGV, e nunca andarão de avião. E as centenas de milhares de cidadãos das áreas de Loures e Vila Franca que em aflições de saúde têm que recorrer aos congestionados serviços do velho Hospital de Santa Maria e do velhíssimo Hospital de Vila Franca também não se incluem no mercado potencial dos tais megaprojectos: quase certamente não são candidatos a andar de avião, nem viajarão no TGV.
Os responsáveis políticos que decidem e a respectiva clientela é que por seu lado também não têm nenhuma intenção de andar de Metro, e se tiverem problemas de saúde não irão para as filas de espera em Santa Maria ou em Vila Franca.
Temos portanto que haverá dinheiro para um grande aeroporto internacional na OTA, como houve para dez magníficos estádios de futebol. Mas ainda nunca houve dinheiro para acabar com os tristes abarracamentos situados mesmo junto ao actual aeroporto, ou para instalar energia eléctrica para os moradores dos arredores de alguns dos reluzentes novos estádios.

Um assombro

Leio as notícias da manhã. Destaque no matutino: Intelectuais apoiam Alegre "contra interesses instalados". Depois a notícia desenvolve-se, explicando que "mais de meia centena de personalidades dos meios artístico, literário e universitário apoiam Manuel Alegre nas próximas eleições presidenciais. Porque o poeta, dirigente histórico dos socialistas portugueses, é "a voz clara e rigorosa de que o País precisa contra os interesses instalados e os clientelismos".
Segue-se a lista dos ilustres apoiantes: começa com Eduardo Prado Coelho...
Não fui capaz de ler muito mais, mas ainda li mais uns quantos nomes da formosa troupe.
Contra os "interesses instalados"? Contra o "clientelismo"?
Umas vezes m'espanto... outras vezes nem m'acredito...

terça-feira, outubro 18, 2005

Um Olhar sobre o Mundo

Ao vosso dispor novas actualizações no CIARI (Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais).
Brevemente, o próximo evento: vai ser a 46ª Tertúlia do CIARI, a realizar no dia 25 de Outubro a partir das 21 horas, subordinada ao tema "Exploração Espacial: competição científica e política", e será oradora Vera Gomes.

Frédéric Le Play

Continuando a afirmar-se com um blogue de referência, o Euro-ultramarino, escrevendo das terras de Borges e de Gardel, recorda-nos hoje Frédéric Le Play.
Sobre este, recomenda-se uma visita a esta notícia biográfica, a estes textes choisis, e também a esta informação complementar.
E por hoje chega, que já tendes leitura demais para um dia só.

Escolhas do dia

Sobre a poesia e o amor: "Amar-te é destruir-te, meu amor". Belíssimo!
Sobre a falta de procriação entre os alemães e a falta de banhos entre os franceses: estes dois apontamentos.
Sobre o grupismo enquanto instituição nacional: este notável ensaio de sociologia empírica (desta vez até assinava sem reticências).
Sobre a política nacional: sociedade civil e Estado não têm que ter interesses opostos.
Tudo lido com muito gosto.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Definição

Um skinhead é um sujeito que se autodefine não pelo que tem na cabeça mas pelo que não tem na cabeça.

Modelares

Modelos de produtividade, sempre aliada ao requinte do pensamento e à qualidade da escrita: são o Aliança Nacional, o Combustões e o Misantropo Enjaulado.
Todos diferentes, todos de elevadíssima qualidade e exigência. E um desafio permanente a quem se sente com vocação para estas lides.

As eleições autárquicas em Évora (continuação)

Prosseguindo, vou alinhavar mais alguns pensamentos que me ocorreram relacionados com os resultados das eleições autárquicas em Évora.
Na ordem segue-se o PSD.
O que se me afigura sensato consignar à partida quantos aos resultados deste é que os mesmos, sendo suficientes para enfileirar o partido entre os vencedores, não devem ser hipervalorizados, da mesma forma que não devem ser desvalorizados.
Quero eu dizer que reconquistar o vereador perdido, depois de oito anos sem representação na Câmara, é em si mesmo um bom resultado. Tanto mais quanto o vereador alcançado ficou na posição de fiel da balança, sendo crucial para o funcionamento do executivo municipal e conferindo um peso acrescido ao partido no concelho. Soma-se ainda o facto de entre as eleições de 2001 e estas de 2005 o PSD ter sido, de longe, a força que mais progrediu em número de votos e em percentagem.
Trata-se portanto de uma vitória real, e nela devem ser reconhecidos os méritos pessoais de António Dieb e Palma Rita, que acreditaram e trabalharam para ela.
É uma vitória verdadeira, e não um triunfo semântico, uma vitória retórica, uma fraca consolação como teve o PCP ao voltar para a presidência da Junta de Freguesia da Malagueira pondo a Margarida Fernandes onde estava a Luísa Baião, por um punhado de votos a mais na lotaria eleitoral.
Contudo, se a vitória é verdadeira não se pode dizer que seja uma grande vitória. O PSD subiu, mas em sintonia com o que aconteceu em quase todo o país. Foi um movimento geral que foi acompanhado a nível local. E com ele conjugaram-se as causas específicas que já apontámos no escrito anterior: o eleitorado que voltou a votar no PSD não representa algo de novo em relação ao seu espaço natural, significa apenas que o eleitorado naturalmente PSD que se tinha transviado em 2001 e em 1997 (por factores diversos, desde as trapalhadas com Carmelo Aires até aos episódios pitorescos de Óscar Almeida e outros, que desgastaram o partido junto dos seus, e culminando na vontade de pôr fim ao reinado comunista que convergiu a favor de José Ernesto em 2001).
Os resultados de 2005, para concluir, não devem ser desvalorizados - porque em política nunca é fácil restaurar o perdido; e não devem ser motivo de euforia, porque bem vistos os números não há ali nenhuma ultrapassagem, nenhuma superação do tecto que já era conhecido - e que não é satisfatório para um partido que a nível nacional é o primeiro.
Resta mencionar os restantes sujeitos em liça. E nestes ressalta de imediato o CDS.
O que há a dizer resume-se facilmente: a cada nova eleição a lista apresentada tem metade da votação da anterior. Atingiu agora uma expressão eleitoral ao nível da insignificância. Para um partido que pretende ter uma dimensão e uma influência que no plano governamental o coloquem no "arco governamental", os números verificados em Évora são trágicos. E o pior é que nem são de estranhar: a candidatura não existiu, a campanha não se viu, toda a gente sentiu que se tratava apenas de marcar presença. Na última dúzia de anos o partido primeiro estagnou e depois retrocedeu; fechou-se e enclausurou-se, desistindo de ser o partido popular que em tempos remotos procurou ser.
Em Évora, ao apresentar para a Câmara uma lista encabeçada por Mariana Torres Cascais e para a Assembleia Municipal uma chefiada por António Pestana de Vasconcelos o partido confundiu as eleições com um jantar de família. Tios e primos reunidos em Vale de Moura não chegam para constituir uma força política credível, e aliás nem os próprios acreditaram nisso. Não teve nem os votos correspondentes aos sócios do Círculo Eborense.
Finalmente, tivemos candidaturas do Bloco de Esquerda e do PPM.
Confirmou-se o que era visível já nas listas: o Bloco limita-se a umas raparigas e uns rapazes de aspecto exótico, que em geral se ocupam ou no teatro ou em artes circenses, e que para além do forte pendor artístico e intelectual se distinguem pelas roupas coloridas, uns piercings em sítios esquisitos e um intenso cheiro a erva. Nem o Frederico Mira apareceu desta vez; julga-se que procura credibilidade. Quanto ao PPM, era só o Vasco Câmara Pereira, que a pedido do Nuno e do Gonçalo fez à pressa uma lista onde estavam mais dois irmãos, a mulher, o filho, a sogra, mais não sei quantos familiares e afins e ainda uns poucos amigos que acederam a dar o nome. Tudo visto, não se pode conceder a estes exercícios uma natureza propriamente política.

As eleições autárquicas em Évora

Tendo deliberadamente escolhido o silêncio sobre o decurso da batalha eleitoral para a Câmara de Évora, por razões pessoais, creio que é chegado o momento de tecer alguns breves comentários sobre os resultados da disputa.
Já passou muita água debaixo das pontes, e já é possível esperar dos interessados uma leitura mais distanciada e serena.
Em primeiro lugar: quem ganhou?
A resposta é óbvia, mas a verdade é que tem passado despercebida sob o ruído de fundo. Ganhou o PS, e muito especialmente o Dr. José Ernesto. Num contexto nacional em que o PS geralmente teve um fraco desempenho, perdendo para os seus concorrentes mais directos (fossem o PSD ou a CDU, conforme as zonas) num claro movimento de penalização das políticas governamentais, o PS neste concelho aguentou o primeiro lugar. Apesar do desgaste de uma gestão de quatro anos frequentemente errática, sem norte nem bússola, em que o descontentamento do eleitorado local com o executivo camarário era uma realidade inegável. Apesar de se apresentar a concurso com uma equipa de reservistas, em que ninguém com um mínimo de peso próprio quis acompanhar o presidente cessante, e de onde nomeadamente se riscaram todos os anteriores eleitos.
Nas circunstâncias existentes, tudo o que fosse manter a presidência da Câmara era uma vitória. Ora o Dr. José Ernesto safou-se. Manteve a presidência. Foi portanto o vencedor, e calculo que deve ter suspirado de alívio porque a certa altura nem mesmo ele já contava com isso.
Como é evidente, houve perdas. O PS perdeu uns milhares de votos em relação às eleições de há quatro anos. E perdeu a maioria absoluta, cedendo um vereador, o quarto, ao PSD. Mas a isto tem que responder-se que nas outras áreas do país o PS geralmente desceu muito mais; e sobretudo que é razoável pensar que o PS aqui só perdeu o que não lhe pertencia, ou seja nas eleições de 2001 tinha beneficiado da afluência de uns bons milhares de eleitores que só queriam ver-se livres do domínio comunista na Câmara, vigente havia mais de um quarto de século. Porém, e para além dessa motivação circunstancial, nada mais tinham que os prendesse ao PS - pelo que na primeira oportunidade regressariam à origem. Anormais foram, pois, os resultados do PS nas autárquicas de 2001 e nas legislativas de Fevereiro último.
Em resumo, a meu ver o PS ganhou as eleições - e dentro do PS quem as ganhou foi o Dr. José Ernesto (certamente contra alguns votos e desejos ocultos).
Depois, a CDU.
Do meu ponto de vista, o PCP foi o grande vencido da refrega eborense. E de tal modo que os seus adeptos ainda a esta hora estão notoriamente aturdidos, acabrunhados pelo inesperado dos resultados.
Com efeito, em quase todos os lugares de forte implantação comunista a CDU teve bons resultados, permitindo-lhe sair destas eleições como uma força vencedora. Em Évora tinham-se criado grandes expectativas de recuperação da Câmara, e os militantes foram crescendo em optimismo à medida que a campanha avançava. O trabalho no terreno foi profundo e tenaz, começou com grande antecedência, e mobilizou todos os meios disponíveis. Foi grande o investimento, e apesar das cautelas chegou praticamente a dar-se como certo o regresso à Câmara de Évora como uma das grandes vitórias, até pelo valor simbólico, para a CDU.
O cálculo era simples: o generalizado criticismo na cidade contra o executivo ernestino, a revolta contra as orientações da governação PS, o retorno a casa dos votos PSD e CDS que tinham dado a vitória a José Ernesto em 2001, tudo se conjugava para antever uma descida acentuada da votação PS no concelho. E a CDU nese caso ganharia, porque nem se punha a questão sobre a (ao menos) manutenção do seu eleitorado.
Todavia, o inesperado aconteceu. O PS efectivamente perdeu alguns milhares de votos, ma a CDU perdeu mais do dobro. O PS desceu, mas a CDU desceu muito mais. O PS perdeu um vereador, mas quem o ganhou foi o PSD. O PS perdeu a maioria absoluta, mas quem ficou em posição de lhe dar essa maioria negociando caso a caso foi o vereador do PSD. A surpresa foi tanto mais dolorosa quanto o afundamento eleitoral aconteceu em contra ciclo, numas eleições em que a CDU por quase todo o lado subiu. Além disso, é visível para quem analise os números que a queda eleitoral da CDU no concelho de Évora verifica-se em todas as mais próximas eleições autárquicas, de forma constante e regular. A cada quatro anos perdem mais uns milhares de votos. Não se trata de um movimento isolado, que se afigure reversível. É mesmo declínio, quase diria biológico. Não pode por isso atribuir-se essa derrota (apenas) ao desastre que foi o cabeça de lista, sendo embora verdade que a escolha acabou por comprovar-se eleitoralmente desastrada.
Tudo somado, os resultados da CDU em Évora foram um balde de água fria, um forte choque cujas repercussões psicológicas, a nível de desilusão e desmotivação, ameaçam aumentar a desagregação do que foi o PCP no concelho.
A quem se empenhou para que acontecesse o contrário, doeu muito observar este fenómeno. Ainda por cima quando não se pode ignorar que a única grande motivação de muitos dos votantes que permaneceram em José Ernesto foi evitar o regresso ao passado comunista - não conseguindo nenhum deles alinhar nenhum outro argumento a favor dessa opção, nem vislumbrar alguma virtude própria na candidatura para que se inclinou a sua decisão de voto.

Horizontes da blogosfera

Para todos os que gostam de conhecer outros pontos de vista sobre a blogosfera, é importante encontrar tempo para ler os resumos do que foi dito no encontro nacional de weblogs na Covilhã.
Requer atenção, mas aprende-se muito sobre este novo meio de comunicação que são os blogues.

Caciquismo e poder local

Na edição de hoje do Diário de Notícias, não perder um excelente artigo de Pedro Ferraz da Costa sobre Caciquismo e poder local, para ler até ao fim.

domingo, outubro 16, 2005

Para a história da literatura

Fiquei a saber pela comunicação social que um novo livro de José Saramago terá lançamento mundial a 3 de Novembro.
E ainda que a obra se chama «As intermitências da morte» e será colocada à venda nesse dia em toda a América Latina, Espanha e Itália.
Mas ainda mais: que "as traduções em castelhano, catalão e italiano foram realizadas pela mulher do autor, Pilar del Rio".
Neste ponto a minha curiosidade foi ao rubro. A versão em português, de quem será?

A devoção a Fátima

Para o historial desse culto tão entranhado entre os socialistas vale a pena ler o apanhado de citações coligido no Último Reduto.
O mais curioso é observar que os altos responsáveis socialistas têm dela a imagem que a própria espalha, repetidamente exaltada nos seus discursos. Coincide o espelho da senhora com os óculos da nomenklatura socialista.

Mistérios de Fátima

Estou intrigado: porque será que a jornalista da RTP Sandra Felgueiras tem conta no ignoto "Valley Bank of Kalispell", com sede em Montana, USA ?
Vai dedicar-se ao esqui?
Ou a RTP processa os vencimentos por entidades bancárias tão exóticas ?

Extinguir o Tribunal Constitucional

Por vezes, les bons esprits se rencontrent. Quero dizer que é o meu caso e do Jansenista, indubitavelmente dois excelentes espíritos, não desfazendo dos leitores.
Vem a exclamação na sequência da óbvia proposta do Jansenista: o Tribunal Constitucional não tem qualquer (boa) razão de existir. As suas atribuições podem perfeitamente ser exercidas por uma secção especializada do Supremo Tribunal de Justiça, a par da Criminal, da Cível e da Social, sem necessidade sequer de grandes alterações nos procedimentos de fiscalização da constitucionalidade que actualmente estão a seu cargo. E certamente o seriam com superior independência e isenção, sem o pecado original que fere irremediavelmente tudo o que venha do TC.
Foi assim desde o princípio. A invenção do TC deveu-se ao imperativo então sentido de por um lado correr com os militares, que teimosamente se mantinham auto-investidos na missão de guardiões da constitucionalidade na sua versão caminho para o socialismo, enquistados na Comissão Constitucional, e por outro lado dar um destino ao espólio da dita Comissão Constitucional (para além de fugir aos confrontos políticos resultantes da pura e simples extinção desta).
Somou-se então, como se pode verificar pela leitura das actas da constituinte, a desconfiança contra os juízes de carreira, contra o putativo conservadorismo destes, contra o falado perigo de uma república de juízes (evidentemente dos que não tenham nenhuma ligação à classe política).
Nasceu assim uma situação de bicefalia, de dois "supremos", que não traz sobretudo sarilhos protocolares mas principalmente disfunções no sistema, como se tem visto perfeitamente nos mais badalados processos "políticos".
É verdade que o fim do Tribunal Constitucional poupava muito ao país, não só do ponto de vista orçamental. Com grandes benefícios para a harmonia e perfeição do sistema jurídico, que logo a abrir o Código Civil são presumidos como existentes.

Futurologia, China e Islão

Voando sobre a espuma dos dias, puxando-nos a olhar de mais alto e para o que importa, publicou novo artigo o Combustões. Em foco desta vez Upton Close e Spengler, o despertar da Ásia , o futuro previsível.
Brilhante, e deveras estimulante. Mesmo que hesitemos em assinar: isso já é da subjectividade (leia-se, próprio do sujeito) de quem lê.
Exemplo? O parágrafo final, onde se escreve que "no deprimente quadro histórico em que mergulhamos, marcado pela não declarada guerra de civilizações, a China não é a inimiga, mas um parceiro contra o Islão. O que nos custa é dividir o mundo com outra civilização. O que nos custa é reconhecer que se os chineses possuem capital de sacrifício - que os ocidentais já perderam - é com eles que teremos de nos entender, sem cedências, mas com leal espírito de partilha".
Não está mal visto, embora desde logo me tenha surgido a objecção de que a Ásia é algo muito mais complexo do que a China: porque no jogo da Geopolítica há que considerar os papéis de outras potências como a Índia, o Japão, o Paquistão, a Indonésia, para não falar de outros sujeitos menores mas importantes (Vietnam, Coreia, Malásia - e sem referir os jogadores como a Rússia, a América, a Áustrália-Nova Zelândia, que para o caso não são tão pouco "asiáticos" como isso).
Para se ver como estas análises deixam sempre muitas dúvidas, lanço o desafio a quem goste do exercício: tente inverter os termos da equação apresentada pelo Miguel. Ou seja: pensemos se será absurdo pensar que no deprimente quadro histórico em que mergulhamos, marcado pela não declarada guerra de civilizações, o Islão não é o inimigo, mas um parceiro contra a China. O que nos custa é dividir o mundo com outra civilização. O que nos custa é reconhecer que se os muçulmanos possuem capital de sacrifício - que os ocidentais já perderam - é com eles que teremos de nos entender, sem cedências, mas com leal espírito de partilha.
Tenho a certeza que o meu exercício não é original; em muitas oficinas de pensamento devem estar a ser estudadas as duas hipóteses (mesmo mais: porque não tornar tripartida essa lógica bipartida? Claro que ainda haveria quem se sentisse de fora, e grande demais para isso...). Entre os estrategas chineses também não são ignoradas, como é notório nas manifestações da sua política externa, que pouco a pouco procura tecer e instalar uma rede de apoios exteriores aos mundos ocidental e islâmico, simultaneamente, de modo a prevenir. O problema do cerco é a grande preocupação geostratégica da China, e está a ser levado muito a sério, com tempo - e paciência de chinês.
Quanto ao que chamei Islão, por comodidade e para continuar nos termos do Combustões, tenho as maiores dúvidas sobre se algo existe pensado e desenvolvido com rigor e coerência. Pelas razões que me levariam a expôr o meu cepticismo quanto à possibilidade de falar sem mais num "mundo islâmico", como agora se generalizou no nosso universo ocidental - mas esta já seria outra conversa, e demasiado longa.
Fica aqui apenas a chamada de atenção para o texto do Combustões, e para a problemática em que nos faz pensar.
E já agora, porque curiosamente vai desaguar em alguns dos pontos no mesmo mar de questões, recomento a leitura deste artigo do Dextera Vox, que também se propôs fazer um exercício de futurologia.

Desfazendo equívocos

Tendo eu escrito na nota do dia de ontem que a gripe aviária já tinha chegado ao Porto, vitimando um pinto da costa, logo surgiu o comentador-mor, Nelson Buíça, todo enxofrado (é bafo de dragão), fazendo uma inesperada interpretação futebolística, e contra-atacando.
Fui eu que me expliquei mal, ou o leitor que foi apressado na leitura: eu de futebol nunca falo. Estava só a analisar os resultados das eleições autárquicas no Porto.

sábado, outubro 15, 2005

Nota do dia

Não corresponde a nenhum propósito deliberado, mas constato que ultimamente as minhas preferências na blogosfera têm-me prendido a uma notória falange de contra-revolucionários.
Assim foi hoje outra vez: deliciei-me com as delicadas homenagens do Misantropo à gataria (desde Fialho que os gatos não eram modelo e inspiração, sendo que no caso presente também as gatas merecem culto); ilustrei-me com a sabedoria do Pasquim sobre Justiça social, Justiça procedimental e Simplesmente-Justiça; saboreei a prosa divertida do Interregno, expert em negócios de fancaria, sobre repúblicas de exportação. Alegrei-me de saber que o Velho da Montanha estava de volta à nossa terrinha.
E ao chegar ao fim do dia, dou-me conta de que a gripe das aves já terá chegado ao Porto. Vitimou um pinto da costa.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Em prol da Língua Portuguesa

Subscrevo também o abaixo assinado dirigido à FIFA, expondo o seguinte:
Considerando o facto de estarem apuradas para o fase final do Campeonato do Mundo de Futebol do próximo ano, na Alemanha, três selecções de futebol (Portugal, Brasil e Angola) de países cuja língua oficial é a língua Portuguesa, e, como tal, existir um universo de 200 milhões de pessoas que utilizam a dita língua como "língua materna", constituindo-se assim um vasto universo de pessoas interessadas em consultar a página oficial da FIFA, que presumo seja da vossa responsabilidade, solicito tomem as diligencias necessárias para que a referida página web seja também apresentada em Português.
Façam o favor de assinar a petição em marcha.

XV Cimeira Ibero-Americana

No momento em que se realiza a XV Cimeira Ibero-Americana, o Grupo dos Amigos de Olivença enviou aos Chefes de Estado e de Governo ali reunidos uma carta em que dá conta da situação de ilegalidade em que se encontra Olivença.
Para conhecimento e divulgação, damos conta do teor da referida missiva.

Excelentíssimos Senhores
Chefes de Estado e de Governo da
Comunidade Ibero-Americana

Na sequência de desonrosa invasão militar, há duzentos anos perpetrada por Espanha, em conluio traiçoeiro com a França napoleónica, Portugal foi compelido a aceitar o iníquo Tratado de Badajoz de 6 de Junho de 1801, pelo qual aquela se apossou «em qualidade de conquista» da Praça de Olivença.
Manifesto acto de latrocínio internacional, assim foi entendido pelas Potências de então que, reunidas no Congresso de Viena de 1815, onde Espanha também teve assento, reconheceram absolutamente a justiça das reclamações de Portugal sobre Olivença.
Por isso, como melhor saberão Vossas Excelências, ficou consignado no Art.º CV do Tratado de Viena:
«Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d'Olivenza et les autres territoires cédés à Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l'Europe a été le but constant de leurs arrangements, s'engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée; et les puissances reconnaissent, autant qu'il dépend de chacune d'elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt».
Em 7 de Maio de 1817, há 188 anos, Espanha assinou o Tratado de Viena e reconheceu plenamente e sem reservas os direitos de Portugal.
Porém, decorridos quase dois séculos, o Estado Espanhol, cujo representante se senta entre vós, jamais respeitou o compromisso assumido internacionalmente. Actuando com ostensivo desprezo pelo Direito Internacional e pela palavra dada, Espanha aceitou sobre si o labéu da vilania.
Na sua chocante simplicidade, eis a Questão de Olivença:
Entrado o Século XXI, uma parcela de Portugal - Olivença e o seu território - encontra-se usurpada por Espanha, extorsão agressiva e ilegítima face ao Direito Internacional.
Em 2005, Espanha, alheando-se dos princípios da paz e da solidariedade que conformam a Comunidade Internacional de Nações, de que faz parte, mantém sob o seu domínio um território pertencente a Portugal, país vizinho e integrante da mesma comunidade de Estados.
A ofensa que a ocupação de Olivença constitui para Portugal, apreciam-na e julgam-na os portugueses; a ofensa feita ao Direito Internacional e aos princípios que iluminam a Comunidade Internacional de Nações, compete às Instituições Internacionais e a Vossas Excelências conhecer do seu significado.
No momento em que as Nações procuram um caminho comum, num mundo em crescente aproximação, a ocupação de Olivença e a recusa da sua devolução a Portugal, configuram uma inaceitável afronta ao Direito Internacional, constituem um desafio à Comunidade Ibero-Americana e confrontam-na com a necessidade de contribuir para a resolução do litígio entre dois Estados membros e para a afirmação da Justiça.
Lisboa, 13 de Outubro de 2005.
A Direcção do Grupo dos Amigos de Olivença

quinta-feira, outubro 13, 2005

Faculdade de letras

Ezra Pound, Homero, Harold Pinter.
Nada mau, hein?!!

"Les damnés de la terre"

Francisco Louçã apresentou-se hoje como candidato à Presidência da República, dizendo que o fazia para combater "o consenso mole", "o conservadorismo" e "as elites dominantes" em Portugal.
Para combater as "elites dominantes"? Onde se incluirá Francisco Louçã? Nas "elites dominadas"?

Blogues na Covilhã

Sexta e sábado, na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, encontro nacional de weblogs.
A avaliar pelos nomes em cartaz, aquilo tem certas parecenças com a Gala da SIC; mas o melhor é esperarmos pelas reportagens, porque transmissão directa não há.

quarta-feira, outubro 12, 2005

A Comissão Nacional de Eleições não teve acesso aos resultados!

Quem procurar informações sobre os resultados eleitorais no site da Comissão Nacional de Eleições (na sua definição legal, o "órgão superior da administração eleitoral com competência para disciplinar e fiscalizar todos os actos de recenseamento e operações eleitorais para órgãos electivos de soberania, das regiões autónomas e do poder local e para o Parlamento Europeu, bem como no âmbito do instituto do referendo") depara como página inicial com o seguinte quadro:

AUTÁRQUICAS 2005 - RESULTADOS PROVISÓRIOS
Não foi facultado a esta Comissão o acesso aos resultados provisórios das eleições, pelo que não se encontram disponíveis neste sítio
.


Como se verifica, não houve só bronca com os computadores do ITIJ/STAPE.
Algo vai muito mal nos órgãos da administração pública quando os desentendimentos entre eles saltam cá para fora com esta virulência.
Aguarda-se um comunicado explicativo e mais um rigoroso inquérito por parte do Governo.