quinta-feira, março 31, 2005

Aproximações

Façam os leitores o exercício de ler com olhos de ler os dois poemas que seguem.
São as almas que se tocam, ou é Deus que a todos fala em cada ausência?

«Senhor!
Por que é que a tua mão me mutilou,
Se não sei quem tu és nem quem eu sou?
Se não sei como obrigar
A minha carne, empréstimo de um deus,
A ajoelhar-se a teus pés e a confessar
Dramas que não são meus?
Se me assombra
A noite, que é uma esfinge preta e nua,
E vejo na minha sombra
Outra esfinge que recua?

Se tenho medo
De passar os umbrais do meu passado,
De prostituir o segredo
Desse palácio queimado?

Se é em vão
Que eu me congelo o sangue em cada veia,
Só para ouvir o coração
Parar na revelação
Da irrevelada Ideia?

Se em minha vida dormem tantas vidas?
Se eu sou o coveiro das minhas esperanças?
Se a minha alma é um cemitério de crianças
Com as cruzes caídas?

Se o coração em dobres augurais,
Anda a chamar por mais?

Se o barco em que subíamos o rio
Se abismou de vazio?

Se não te dói saber que na minha alma aflita
Há uma raíz que grita?

Se este rugido — Mais! — sempre mais forte,
Te cospe infâmias por teres feito a morte?

Se olhando os palcos que o teu nome inspira,
Mordo nos lábios esta voz — Mentira! —?

Se para ver o que não mais desvendo,
Peço ao louco a razão e não entendo?

Se sei a dor que só na dor se acalma,
Que sei de ti, de mim, que sei eu da alma?

Se não sei quem eu sou nem quem tu és,
Como cair-te aos pés? Como cair-te aos pés?

Senhor que eu vi em sonho e em pequenino!
Se enfim no mapa-mundi do destino
por onde, exausto, eu cego a procurar-te
(Anjo ou cordeiro ou pomba ou corpo teu),
Um dia abrir os olhos e encontrar-te,
— Senhor, diz-me: «Sou Eu!»


Os versos que antecedem são de Carlos Cunha, poeta a quem o destino nunca sorriu e que repousa já na sua aldeia sobre o Vez.
Os que se seguem são de Goulart Nogueira, para quem a sorte também sempre foi madrasta, e são assim:

«Meu Deus! Só quando renunciar ao mundo
Abarcarei o mundo.
Sei isto e muitas coisas mais
Que me dizem dos sítios onde vais,
Sei isto e os compêndios de escolar
Que ensinam os caminhos para Te achar.
Sei isto; e inteligência mostra que é.
Só não sei o gosto ao amor. Só não sei a força à fé.

Meu Deus Senhor! Renunciar ao mundo,
Nada querer por Te querer a Ti.
Nessa empresa me gasto e me confundo,
Mas moras muito alto ou muito fundo,
Que sinto o mundo e nunca Te senti.

Ó dono dos exércitos — vencido!,
Inerte, quando a terra me conquista!
Só me chamas nas coisas escondido.
E eu nas coisas me perco, ó som perdido,
Ó eco enganador, ó falsa pista!

Meu Senhor, que encontrei na inteligência
E explicando o insucesso dos meus passos;
Que conheci — de nome — nos regaços
De Mãe, Tias e Avó – com negligência.
Senhor intemporal que não tens pressa,
Que envenenas os sítios onde beijo,
Que me afogas de dor no que desejo,
Meu Deus Senhor! Por onde se começa?»

Évora Forum

Através do Mais Évora, regressado em boa forma, tomei conhecimento da criação do Évora Forum, "movimento cívico eborense para uma cidadania responsável e efectiva".
Afinal, algo se passa em Évora!

terça-feira, março 29, 2005

ELEGIA PARA RODRIGO EMÍLIO

Hasteou, em farrapos, a bandeira
De uma pátria vazia
E obrigou-a a ondear, livre e inteira,
Aos ventos que dão glória à valentia.

A sua alma, firme e verdadeira,
Moldou-se em revoltada rebeldia,
Para ler, página a página, a Odisseia,
Cada dia.

Não conheceu fronteiras
Para a sua ousadia,
Castigando, no fogo da fogueira
Dos seus versos, traição e cobardia.

Recusou a coleira
De toda a hipocrisia
E teve, por esperança derradeira,
A poesia, a poesia, a poesia.


(29.03.04)
António Manuel Couto Viana

Avestruzes no montado

Uma aventura no Portugal desconhecido: visitem Alqueva, vejam o grande lago, regalem-se com um bife de avestruz no restaurante do Baronigg e passeiem calmamente pelo campo, por entre as avestruzes.
Sabiam que havia criação de avestruzes no montado?

segunda-feira, março 28, 2005

A Direita tem futuro?

Na falta de certezas é indispensável ler este ensaio blogosférico sobre o tema.
E cada um que diga de sua justiça.

Tradição e Revolução

Na próxima quinta-feira, dia 31 de Março, pelas 19 horas, na Biblioteca Municipal do Palácio Galveias, no Campo Pequeno, será lançado o segundo volume do livro "Tradição e Revolução - Uma biografia do Portugal Político do século XIX ao XXI", de José Adelino Maltez, abrangendo o período que vai de 1910 a 2005.
A apresentação do texto caberá ao Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
Uma boa oportunidade para conhecer o livro, o autor, o Palácio Galveias - e também o Marcelo. Passem por lá.

Alentejo em partilhas

Sobre tentativas de divisão do Alentejo é importante ler o artigo publicado no "Ideias Soltas" sob o título "O descaramento de Raul dos Santos e Pita Ameixa".
Infelizmente este folhetim parece estar para continuar.
Não haverá ninguém nas direcções políticas do PS e do PSD que se aperceba da necessidade de assentar ideias sobre o futuro administrativo do Alentejo, e dos danos que resultam da falta de uma definição clara?

domingo, março 27, 2005

Alentejo Metablogue

Apareceu por iniciativa dos compadres do Alandroal e já está em linha: é o Alentejo Metablogue, que pretende vir a ser um ponto de referência dos blogues alentejanos.
Fica agora nas mãos de todos os outros bloguistas alentejanos a possibilidade de lhe conferirem a dimensão e a visibilidade que o projecto necessita.
Parece-me que se trata de um instrumento que a todos pode ser útil, e que bem merece o apoio que lhe possamos dar.

sábado, março 26, 2005

Páscoa no Minho

Privilégio de quem atingiu a idade das memórias é poder repetir-se, sem que ninguém leve a mal.
Torno portanto a um postal já antigo, movido pela quadra pascal e por um gosto especial pelo poema que dou de presente aos leitores.
Associando-me à edição pela INCM dos dois volumes da obra poética de Couto Viana, passo a transcrever alguns dos seus versos, dos que pessoalmente me tocam mais. O poema que segue sempre o vi como um dos mais belos e perfeitos que conheço. Curiosamente, o autor nunca o incluiu nas suas antologias. Chamo a atenção do leitor para a alegre melodia da sua sonoridade, e para o colorido ingénuo da aguarela. Música e pintura, num todo harmonioso e único.
Os mais atentos hão-de lembrar-se de um quadro famoso de Sarah Afonso, “A Procissão”, e também dos versos célebres que António Lopes Ribeiro lhe dedicou (ao quadro, geralmente passa despercebido esse pormenor de os versos serem dedicados ao quadro, chamam-se mesmo “A procissão de Sarah Afonso”, e não a uma cena da vida a que António Lopes Ribeiro tenha assistido - este era aliás um citadino sem vivências rurais). Ninguém há que não tenha no ouvido a voz de João Villaret declamando “A procissão”...
A coincidência das imagens não representa um acaso: Sarah Afonso era conterrânea de Couto Viana, e inclusivamente amiga de infância e companheira de colégio da mãe do poeta. Tinham nos olhos as mesmas imagens. Eis a Páscoa no Minho, segundo Couto Viana.

Páscoa

É tempo de Páscoa no Minho florido.
Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros
Na igreja vestida de branco vestido,
Entre o verde manso dos altos pinheiros.

Caminhos de aldeia, que o funcho recobre,
Esperam, cheirosos, que passe o compasso
À casa do rico, cabana do pobre...
Já voam foguetes e pombas no espaço.

Lá vêm dois meninos, com opas vermelhas,
Tocando a sineta. Logo atrás, o abade
Já trôpego e lento. (As pernas são velhas?
Mas no seu sorriso tudo é mocidade.)

Com que unção o moço sacristão, nos braços,
Traz a cruz de prata que Jesus cativa,
Para ser beijada! Enfeitam-na laços
De fitas de seda e uma rosa viva.

Um outro, ajoujado ao peso das prendas
(Não há quem não tenha seu pouco pra dar...)
Traz, num largo cesto de nevadas rendas,
Os ovos, o açúcar e os pães do folar.

Mais um outro, ainda, de hissope e caldeira
Cheia de água benta, abre um guarda-sol.
Seguem-nos, e alegram céus e terra inteira,
Estrondos de bombos e gaitas de fol.

Haverá visita mais honrosa e bela?
Famílias ajoelham. A cruz é beijada.
(Pratos de arroz-doce, com flores de canela,
Aguardam gulosos na mesa enfeitada.)

Santa Aleluia! Oh, festa maior!
Haverá mais bela e honrosa visita?
É tempo de Páscoa. O Minho está em flor.
Em cada alma pura Jesus ressuscita!

António Manuel Couto Viana

Blogues na planície

Há mais blogues alentejanos; mais do que tenho conseguido assinalar.
Para hoje, e depois do Alentejano_SA, o destaque vai para um de Vendas Novas e outro de Mora.
Novas provas de que há vida na blogosfera, e muito especialmente na blogosfera alentejana.
Curiosamente os dois dedicados a dois concelhos que marcam os limites: onde o Alentejo vai deixando de ser a realidade que é, sem que mesmo aí deixe de ostentar a sua identidade clara e vigorosa.
E mais do que isto, só no TUDOBEN...

Vila Viçosa cidade?

Constitui facto notório que nestes últimos anos nasceram muito mais cidades no Alentejo do que nos oitocentos anos anteriores.
Deve ser sinal de progresso e desenvolvimento.
A última a surgir foi Reguengos de Monsaraz, para gáudio de Vítor Martelo e gozo dos demais reguenguenses.
E há outras na calha: os calipolenses não se conformam com o esquecimento. Podem ler o argumentário preparado pelo Alentejano-SA e verificar as razões da terra que é Solar da Padroeira.
Depois de ler a exposição de motivos não haverá quem não grite: Vila Viçosa a cidade já!
(O nome será para manter, ou muda para cidade viçosa?)

Amesendamento alentejano na Linha

Quem frequentava Estremoz aqui há uns anos e por lá tinha que abancar está decerto recordado do Zé Varunca. O restaurante era bom, ao menos para os comensais. O negócio não correu assim tão bem. Digamos que a casa ganhou em campo mas perdeu na secretaria.
Passado este tempo todo eis que ressurge em força o Restaurante Zé Varunca, agora não um mas dois, e plantados em Oeiras e Parede.
Estão de parabéns os alentejanos da Linha, e mais todos os que tiverem o bom gosto de apreciar a boa mesa alentejana.
Se os leitores são bons garfos e bons copos (hoje é sábado de Aleluia!) podem marcar no vosso "carnet", e passar por lá um dia destes.

sexta-feira, março 25, 2005

Novidades das editoras

Quero crer que nas nossas Faculdades de Direito ainda haja quem tenha presente a ideia que um legista não é o mesmo que um jurista, que o simples técnico de Leis não faz o homem do Direito.
Se assim for, e apesar das reformas, uma a cortar no Latim, porque é língua morta, outra a cortar na História, porque trata do passado, outra poupando na Filosofia, porque não serve para nada, ainda haverá por lá quem tenha o gosto do saber, culto que em tempos atingiu alta expressão nessas Escolas.
Se estou enganado, certo será que se acelerou o caminho para a transformação desses estabelecimentos em escolas de formação profissional, onde se aprende eficiência no preenchimento de formulários e respectiva introdução em redes de dados.
Para os que mantêm a aspiração de chegar mais longe e mais fundo, tenho o gosto de informar que estão publicadas na Imprensa Nacional duas obras que há décadas (muitas) faziam sentir a sua falta: são os "Estudos de Filosofia Jurídica e de História das Doutrinas Políticas" de Paulo Merêa, e os "Estudos de Filosofia do Direito e do Estado", de Luís Cabral de Moncada (estes enriquecidos com a apresentação do mais ilustre dos discípulos de Moncada, António José de Brito).
Todos os estudantes de História ou de Filosofia, nomeadamente no âmbito das Faculdades de Direito, sabem da dificuldade que havia em aceder aos estudos dos dois grandes Mestres, e muitos têm a noção da importância dessa lacuna, que se lamentava, como disse, há décadas.
E então aí têm: estão disponíveis nas edições da INCM os estudos de Paulo Merêa e Cabral de Moncada, trazendo ao público do nosso tempo dois extraordinários vultos da cultura portuguesa.

Homenagem a Rodrigo Emílio

Na Sociedade Histórica da Independência de Portugal (Palácio da Independência, Largo de São Domingos, n.º 11, entre o Teatro Nacional D. Maria II e a Ordem dos Advogados, mesmo junto ao Rossio) realiza-se no próximo dia 2 de Abril, sábado, pelas 16 horas, uma homenagem ao poeta e ensaísta Rodrigo Emílio, falecido no ano passado.
A sessão, que decorrerá no Salão Nobre do Palácio da Independência, compõe-se de alocuções dos conferencistas António Manuel Couto Viana, Carlos Eduardo de Soveral, António José de Brito, João Bigotte Chorão e Pinharanda Gomes.
Em seguida serão lidos poemas do autor, por Couto Viana, Alberto Correia de Barros e Luís António Serra.
No final, José Campos e Sousa interpretará alguns dos poemas do Rodrigo Emílio que em boa hora musicou, e lançou no CD "Rodrigamente Cantando".
Uma sessão solene para evocar um poeta de excepção.

Encontro dos antigos alunos do Liceu de Évora

Os antigos alunos do Liceu Nacional de Évora, sobretudo os que residem na área da Grande Lisboa, encontram-se este ano de novo no Jantar da Primavera.
O local é o Restaurante “Espaço Tejo” (antiga FIL), e o dia é 1 de Abril de 2005 (é verdade!)
Estão (ainda) abertas as inscrições.

quinta-feira, março 24, 2005

A ESPERANÇA

Nesta quadra tão propícia a meditações sobre as condições da esperança deparei com um trecho de um escritor que hoje será certamente desconhecido para a generalidade dos leitores de língua portuguesa. O Padre Manuel Bernardes. Durante séculos aclamado como um dos máximos expoentes da nossa língua, o mestre escritor está agora arrumado no imenso rol dos esquecidos.
Ao lembrar Manuel Bernardes recordo sempre Manuel Maria Múrias, que tinha por ele quase veneração e recorria com frequência a essa fonte de inspiração e aperfeiçoamento, no apurar da pena.
Segue-se como já perceberam um excerto do Padre Manuel Bernardes sobre a virtude da Esperança, da sua "Nova Floresta" (não confundir com o blogue homónimo).


A ESPERANÇA
Sejamos alegres pela esperança, sofridos nas tribulações. Porque quem bem espera bem sofre, e quem levanta o espírito aos bens eternos sabe portar-se bem nas misérias temporais.
Sabeis que coisa é a Esperança? Uma engenhosa máquina com que o espírito se guinda desde o mundo para a eternidade; e assim não lhe carrega o peso dos males que cá embaixo leva, porque tanto furta à aflição do trabalho que padece, quanto se levanta à contemplação do descanso que espera.
Raiando o sol, absorve-se o orvalho da fria noite; e aparecendo a esperança, enxugam-se as lágrimas do ânimo desconsolado. Por isso Susana pôs no Céu os olhos, quando cheios de lágrimas, porque do Céu esperava o remédio da aflição presente e a remuneração dos seus castos procedimentos.
Da esmeralda (símbolo da Esperança) escrevem os naturais que tem virtude de desterrar os medos nocturnos e recrear o espírito. E Plínio diz que restaura a vista ofuscada com outro objecto desagradável. Esmeralda dissera eu ser aquela pedra preciosa a que Salomão comparou a Esperança; porque recreia a vista da alma, avocando-a da consideração dos presentes males para a dos bens futuros.
Do peixe asquino diz Santo Ambrósio que, sobrevindo tempestade, se pega fortemente a alguma rocha ou penedo; com que a violência das turbulentas ondas o não pode dali arrancar e envolver entre seus escarcéus altivos e furiosas ressacas. Já que as tribulações são tempestades, e a esperança do eterno é rocha imóvel, abrace-se a alma com esta rocha e vencerá estas tempestades.
A César, ao embarcar-se, resvalando-lhe o pé, caiu em terra; e, para mover o mau agouro que os seus podiam daqui formar, acudiu com presteza, dizendo:
— Teneo te: o Terra mater, teneo te; Pego de ti, ó terra minha mãe, pego de ti, e tomo posse.
Com mais razão pode, e deve-se, qualquer fiel, quando cai em algum infortúnio, levantar a esperança, dizendo:
— Pego de ti, ó Céu, pego de ti, oh Jerusalém Celestial, nossa mãe, e tomo posse.
Pegar-se à terra quando nos acontecem trabalhos, é de infiéis e gentios, que não têm que esperar fora dela; pegar-se ao Céu é de cristãos, que sabem que o padecer é sinal de salvar, e que este agouro é lícito e louvável. O apóstolo São Paulo o louva naqueles fiéis que sofreram com equanimidade a rapina de seus bens temporais, na confiança de que lhes ficavam intactos os eternos.
Certo mendigo havia que, quando já tinha a sacola cheia de esmolas, dizia:
— Agora sim, que confio.
Esta sacola estaria cheia, mas esta alma estava vazia; ajuntara pão, mas não ajuntara virtudes; enchia o ventre, mas jejuava o espírito.
O verdadeiro cristão, quando mais lhe falta, mais deve confiar; porque na falta das criaturas é certo o auxílio do Criador; e quem tem consigo a Deus, que lhe pode faltar?
Não é a esperança em Deus como a esperança no mundo: esta, por sentença divina, traz consigo maldição; aquela, pelo contrário, traz consigo benção: Beati omnes, qui expectant eum. Aquela é sonho de acordados; esta outra é realidade certíssima.
Conta-se, por apólogo, que um lavrador achou, uma manhã, os seus bois mui alegres e brincadores.
— Olá! (disse ele), que têm vocês, que estão contentes?
— Sonhamos (responderam) que esta manhã íamos a uns pastos mui pingues, onde todo o dia andávamos à vontade.
— Pois eu (tornou o lavrador) sonhei que vocês iam lavrar-me tantas geiras.
E, dizendo isto, os meteu no timão do arado.
Quem no mundo espera descanso durável, ou verdadeiro, sonha, e brevemente se acha desenganado, trocando-se-lhe os pastos pingues em duríssimo jugo, e o que imaginava gozo e repouso em dor e trabalho. Porém, quem constitui a sua esperança em bens eternos e na consolação e auxílio divino não se engana. Os seus sonhos são verdade de fé, pois as Escrituras afirmam que a tribulação bem levada gera boa prova, e a boa prova legítima esperança, com a qual ninguém fica envergonhado.
Também é eficaz lenitivo dos trabalhos e penalidades o considerar que passam brevemente. Momentaneum, et leve tribulationis nostræ, disse São Paulo, ajuntando sabiamente o leve da nossa tribulação com o momentâneo dela; porque a brevidade da duração contrapesa o grave da pena: já quando os ombros começam a afligir-se com a carga, a mudança lha tira deles, que é o que disse Cícero, e mais brevemente S. Bernardo: Transit hora, transit et pœna: passa a hora, e passa também a pena. Quem deu asas ao tempo deu também asas ao trabalho; aquelas penas, voando, levaram consigo estas outras, cessando.
Com isto consolava o capitão Eneas aos seus companheiros, aflitos com os trabalhos de navegação tão longa; e outro poeta, espanhol, disse discretamente:
Passan se rios de males
ya sin puente, ya sin barco;
Mas no ay mal en esta vida,
que no se le tope vado.
Livre-nos Deus de rios onde não há ponte, nem barco, nem vau; livre-nos Deus de males onde não há fazer pé, porque a esperança se afoga; e de trabalhos que não têm mais fim que novo princípio, quais são os de um condenado. Os outros, ainda que durem toda a vida, como a vida passa por momentos, por momentos também vão passando. Esta consideração fazia a mãe de São Gregório Nazianzeno, e ele por isso a louva: que nada reputava por grave pena, uma vez que havia de acabar com a vida.
Neste mundo faz Deus dos ímpios vara com que castiga os justos; mas depois chama os justos para o Reino, e lança a vara no fogo...

Pde. Manuel Bernardes

Jantar de bloguistas

Este vai ser em Lisboa (Moscavide) no próximo dia 2 de Abril.
O pretexto é a passagem do primeiro aniversário do blogue da Pandora (muitos parabéns!), e as inscrições podem fazer-se directamente neste blogue.
Ficam avisados, ainda a tempo: quem puder ir que se apresse a marcar lugar.

Dissidências

Como já tinha aqui assinalado, o antigo Presidente da Câmara de Alvito, Lopes Guerreiro, tem há muito um blogue: ALVITRANDO.
Acrescento agora que também o ainda Presidente da Câmara de Beja, Carreira Marques, mantém um blogue: PEDRA A PEDRA.
Carreira Marques é poeta (lançou há poucos dias o seu livro "Sol Incendiado") e o blogue opta manifestamente por centrar-se nos gostos e nas referências culturais do cidadão Carreira Marques, em detrimento do político.
Perguntam porque estou a falar deles neste momento?
Simplesmente porque me fizeram lembrar mais uma vez a atracção que a blogosfera exerce sobre os excluídos. A tendência para ser o terreno dos que não têm voz noutras sedes, ou deixaram de a ter.
Carreira Marques e Lopes Guerreiro (tal como o ainda Presidente da Câmara de Redondo, Alfredo Barroso)fazem parte daqueles que a direcção do PCP resolveu sacrificar no processo de purificação ideológica em curso. Como dizia Jerónimo Sousa, com a eloquência que se conhece, a linha oficial do partido considera preferível perder as câmaras a perder a "dignidade". Podia ter acrescentado que também considera preferível perder as pessoas, afastar os seus melhores valores, excluir os críticos e os discordantes (mesmo aqueles que ainda acreditam num caminho dentro do partido) tudo em prol da tal pureza e monolitismo ideológico que constituiria o património essencial do partido.
Como é previsível, o partido vai ficar muito puro. Cada vez mais pequenino e autista, com uns comícios que parecem recriações cinematográficas dos velhos filmes soviéticos ou chineses, mas inegavelmente puro.
Teremos uma amostra já nas autárquicas que se aproximam.

Jules Verne

Faz hoje cem anos que morreu Júlio Verne.
Um dos mais extraordinários criadores de histórias de todos os tempos, um visionário futurista, um escritor que preencheu a infância e a adolescência de milhões de pessoas em todo o mundo.
Eu confesso: fui um consumidor compulsivo da obra de Verne. Nem sei quantos livros dele terei lido. A obra é tão grande que, como Camilo, chegamos a um ponto em que os baralhamos todos - excepto alguns títulos mais marcantes.
E tenho muitas saudades do tempo em que navegava infatigavelmente por Júlio Verne - da Terra à Lua, nas profundezas submarinas ou nas entranhas da terra, nas estepes da Ásia ou na imensidão da selva, em ilhas desconhecidas ou em mundos esquecidos.

quarta-feira, março 23, 2005

Rir ajuda

Pode não resolver problema, mas ajudar ajuda.
Para descontrair das tristezas todas leiam esta sequência de frases imorredouras, compiladas Ao Sabor da Aragem.
E digam-me depois se não é uma excelente recolha, capaz de descomprimir o mais pesado dos ambientes.

LUSA VOZ

Completou um ano O Pasquim da Reacção.
Em primeiro lugar, quero agradecer-lhe comovidamente as palavras que me dirigiu. Como ele já terá entendido decerto com amargura na sua caminhada de um ano, esta tarefa confronta-se com dois poderosos inimigos: um exterior, a estupidez, solene e solerte, teimosa e arrogante de tanta gente que nem sabe ler nem quer aprender; e outro interior, a solidão permanente, própria de um combate isolado e tantas vezes inglório.
Para esta adversidade só existe o antídoto de nos descobrirmos de vez em quando compreendidos e apoiados, e afinal acompanhados por outros poucos que por entre os ruídos do tempo sentiram as mesmas intuições essenciais. Obrigado portanto ao Pasquim da Reacção, simplesmente por existir, pela sua revitalizadora presença diária, e já agora também pela lisonjeira opinião que formou de nós.
Em segundo lugar, quero deixar-lhe os parabéns e a exortação que se impõe: é preciso continuar, continuar a batalha pela inteligência e pela cultura, afrontar a Besta da ignorância cega, espetar-lhe farpas no cachaço, desafiar lugares comuns e ideias (mal) feitas, sem respeitos hipócritas nem temores reverenciais.
("É preciso ficar aqui, entre os destroços, / E cinzelar a pedra e recompôr a flor")!
O Corcunda é o mais jovem de nós todos; espero que, Deus querendo, tenha um largo e glorioso futuro.

O "Gramsci colectivo"

Se a História revela as leis gerais das lutas políticas, não pode fornecer receitas aplicáveis a uma situação inteiramente nova. Os militantes devem procurar eles mesmos as respostas às questões postas pela sua acção. É a partir desse estudo, individual e colectivo, que se vão acumulando sobre os que já existem os elementos necessários a uma perfeita compreensão dos mais profundos mecanismos que regem a sociedade moderna. É a partir desse entendimento que, tomando-se em conta todas as constantes e variáveis da sociedade, se delimita a estratégia a usar no ataque global ou parcial à sociedade tecnocrática e burguesa. Assim tudo o que há disperso deve ser estruturado e junto num todo coerente. A Revolução é menos a tomada de poder que a sua utilização para a construção da nova sociedade. Esta tarefa imensa não pode ser levada a cabo na desordem dos espíritos e actos. Ela necessita de um vasto trabalho de preparação. É sempre possível agir, é mais difícil triunfar. Sobretudo numa luta contra um inimigo todo-poderoso, maduro, experimentado, que é preciso combater pelas ideias e pela astúcia, que não pela força.

A LÍNGUA PORTUGUESA - essa desconhecida

A imprensa, quer falada quer escrita, tem vindo, com uma fúria ignorante e pedante, a destruir diária e sistematicamente a língua portuguesa, como se de bicho daninho se tratasse. Esta acção perniciosa a que todos nós assistimos, mais ou menos impávidos, não é nova: vem já de há longos anos, embora seja agora mais visível e atrevida e, sobretudo, ainda mais ignorante. Escritores que amaram a nossa língua, com o amor que ela devia merecer de todos nós, chamaram vezes sem conto a atenção para este facto. Para só citarmos alguns, de entre mortos e vivos, lembramos os Profs. Agostinho de Campos e Rodrigo de Sá Nogueira e os escritores Tomaz de Figueiredo, João de Araújo Correia e Domingos Monteiro. Mas muitos outros, directa ou indirectamente, lutaram com denodo por esta língua que ainda hoje também nós queremos que seja portuguesa.
É evidente que quando dizemos que a imprensa é responsável pela destruição sistemática da nossa lingua sabemos perfeitamente que não têm os jornalistas essa intenção clara e determinada. Mas há - e é necessário dizê-lo e repeti-lo até à saciedade - ignorância, muita ignorância, que faz com que esses mesmos jornalistas contribuam, de facto, para a destruição da língua portuguesa. O cuidado que seria necessário ter na redacção das notícias desapareceu; e o improviso atabalhoado, a que chamam muitas vezes à-vontade, redunda quase sempre num chorrilho de lugares-comuns ou de frases mal sonantes e de trazer por casa, no verdadeiro sentido da expressão.
Além disso, em nome de uma mal interpretada fidelidade ao pensamento do entrevistado, publicam-se respostas onde proliferam os solecismos, abundam os estrangeirismos e campeiam os neologismos desnecessários. Quanto às frases ocas e vazias de qualquer significado, que de há anos para cá toda a gente usa e ninguém sabe ao certo o que significam, é melhor nem falar, porque estão a tornar tragicamente ridículas as pessoas que as proferem. O pretensiosismo leva os que não conhecem a língua que dizem sua a começar todas as frases por "pois", a terminá-las por "e não só" ou "já" e a pôr-lhes no meio, à cautela, "salvo melhor opinião". E como o disparate se propaga assustadoramente depressa, temos qualquer dia todo este Portugal a falar por chavões, por lugares-comuns, por frases estereotipadas que ninguém sabe o que querem dizer mas toda a gente, pedantemente, finge entender.
Como se isto não bastasse para liquidar sumária e ingloriamente a língua de Camões - porque, não convém esquecê-lo, esta é a língua de Camões, autor de "Os Lusíadas", actualmente mais de fama universal que nacional -, fez-se uma reforma do ensino em que a língua, uma vez mais e ainda, foi vítima de uma falta de senso e de cuidado que, se não é criminosa, para lá caminha. A pretexto de actualizar os programas de Português do ensino secundário, ideia que já vinha pelo menos do ano lectivo de 1971-72, puseram-se de lado as breves mas tão necessárias noções da lingua latina - de onde, por espantoso que pareça, provém a língua portuguesa; deu-se demasiada importância às chamadas "noções de carácter linguístico", que os alunos dificilmente entendem porque mal preparados e os professores com dificuldade ensinam; valorizou-se de tal modo a criatividade dos alunos que estes, sem bases de qualquer espécie, tornaram-se incapazes de escrever uma simples carta à familia; e, por fim - embora seja dos pontos mais importantes - "sanearam-se", como agora se diz, os clássicos, ou seja, os que deviam ser ensinados nas classes, substituindo-os por textos de maus escritores ou de indivíduos cujo único lugar era na carteira dos alunos, presidindo a esta escolha o critério ideológico e não o cultural ou o literário. Perante isto, só por verdadeiro milagre podem os alunos das nossas escolas saber falar e escrever correctamente a língua portuguesa. E os milagres não surgem todos os dias, nem mesmo todos os anos lectivos, porque senão deixariam de ser milagres.
O povo - de quem tanto se fala agora a propósito e a despropósito - o povo simples onde foram os nossos maiores escritores buscar palavras e expressões, e que durante anos guardou, como se fora relíquia, a pureza e a graciosidade da nossa língua, também ele se deixou corromper pelos que vinham da cidade ou do estrangeiro e cuja fala viciada se difundiu com a celeridade com que o erro normalmente se propaga. Depois, foi a imprensa que chegou a toda a parte e tudo se perdeu. "Houve tempo em que o povo foi mestre da língua. Hoje, corrompido pelo mau locutor e pelo mau escritor, é um vaso de tolices", disse João de Araújo Correia no seu livro sintomaticamente chamado "Enfermaria do idioma". Um livro a ler e a reler, pelos que ainda amam esta língua.
Defender a língua portuguesa pode parecer pregar no deserto ou falar a surdos. Mas às vezes, quando não querem os homens ouvir a voz da razão, é necessário pregar no deserto ou falar a surdos. Foi por isso que Santo António foi pregar aos peixes: e só então os homens o ouviram.
É urgente defender a língua portuguesa. A língua portuguesa que se está a transformar na imagem falada de um país destruído. E se queremos realmente que os nossos filhos amanhã não se envergonhem de nós, comecemos já hoje por amar, por falar e por escrever a nossa língua como ontem a amaram, a falaram e a escreveram todos aqueles que a difundiram por todo o mundo e no-la legaram para sempre.

António Leite da Costa

terça-feira, março 22, 2005

A cultura como imperativo

A verdade é que um dos meios principais, não o mais violento mas certamente o mais hábil, de desarmamento dos povos é o apagamento da memória.
Acaba-se com o ensino da história, atira-se para um canto o ensino da língua, declara-se que não há tempo para a literatura nacional - e chega-se com rapidez estonteante a uma geração que desconhece tudo, mas tudo, sobre o seu passado colectivo, as suas raízes, mais próximas ou mais distantes.
Um povo que se desconhece não pode amar-se nem estimar-se, e está disponível para todas as abdicações.
Hoje em Portugal o primeiro obstáculo para a comunicação é logo à partida a ignorância crassa; tudo o que é nosso, mesmo o mais elementar, é encarado como extraordinária revelação pelas massas estupidificadas.
O problema com as novas gerações é sobretudo esse. Como pode ler e pensar capazmente quem não domina mais que um português rudimentar, incapaz de articular uma frase com sentido ou exprimir um pensamento?
O que podemos e devemos fazer é lutar contra o esquecimento, cultivar o gosto e o apelo da memória. É importante insistir e manter acesa a chama, para que um núcleo, ainda que pequeno, possa ir descobrindo, por vezes com maravilhamento, que há muito mais do que aquilo que lhes foi impingido como cultura oficial.
Cada um de nós deve fazer o que puder para não levar consigo aquilo que conheceu e amou, para transmitir o que recebeu.
Acredito que a paixão é contagiosa, e que a sedução opera, até por via encantatória.

A globalização

Um excelente artigo sobre a globalização, a esquerda e a direita está disponível no blogue "Batalha Final".
Façam favor de ler "O paradoxo da globalização".
Nem sempre revelo as minhas opiniões, mas desta vez confesso que o essencial daquilo que eu penso sobre o tema coincide com o que está escrito no texto indicado.
Só não tinha ainda explicado por falta de jeito para a escrita.

Freitas magoado, mas lúcido

O inefável ministro dos estrangeiros em Portugal declarou-se hoje injustiçado com a decisão do Partido Popular Europeu, que o suspendeu do agrupamento, a que pertencia, por entender que é incompatível essa filiação com a participação num governo socialista.
Respirando candura e ingenuidade, o jovem e inexperiente político disse que vai defender-se, se necessário falando pessoalmente sobre o assunto com os dirigentes do PPE.
E acrescentou: "Mas teria pena se o PPE, numa manifestação de intolerância quisesse controlar e condicionar as opções políticas de cada um".
Tem toda a razão. Pode lá admitir-se que um partido político tenha alguma coisa com as opções políticas de cada um!
Seria quase a mesma coisa que o Futebol Clube do Porto querer intrometer-se com as opções clubísticas dos seus sócios.

QUE PAÍS?

Na edição de hoje do semanário "O Diabo" saiu esta prosa crepuscular de António Marques Bessa. Não sou só eu que não consigo vislumbar radiosos amanhãs que cantam.

QUE PAÍS?
Ninguém merece mais do que aquilo que tem. Parece que um silêncio de chumbo caiu sobre a sociedade. Creio que a sociedade está doente das doenças já inventariadas e que as sucessivas revoluções foram incapazes de solucionar ao longo dos séculos. Os relatos do que é importante são falsificados. Os livros de leitura das escolas são para rir, a ética e a moral foram pela pia, as estruturas em que assentava a portugalidade erodiram se. Hoje resta um País de velhos a ver passar os comboios. Nem sequer se trata do homem que sabia demais.
Desoladamente, no areal pequeno, criaram se as condições para gramarmos ser pequenos em todos os sentidos. Resta uma sombra de grandeza no poder político que só nos faz mal. Mais valia pensarmos como os holandeses ou as gentes do Luxemburgo, onde milhares de portugueses sob a asa do Grão Duque fizeram aí uma segunda vida de oportunidades aqui perdidas.
O tempo é duro e a festa continua. Faz me lembrar os quadros de Brughel, onde cegos guiam cegos e a festança da abundância se vê nas danças de aldeia. Acontece que vivemos cada vez mais no asfalto: as florestas arderam, a chuva não cai, as pescas desaparecem, a agricultura é uma sombra, as indústrias deslocalizam se, os sindicatos fazem profissão de fé na estupidez convicta, o eleitorado entende que o «trotskismo» fictício de uma elite de ricaços e académicos é uma opção válida no século XXI...
O tempo vai tornar se mais duro seja o governo qual for. Nem os iluminados poderão resolver as coisas. Os problemas são muito antigos e têm raízes em séculos de imbecilidade militante, agravados com o golpe de Estado despesista do 25 de Abril. Pouco importam os hinos com trompas e tambores a determinadas datas e a certos homens. Os que estão ainda acordados no marasmo geral sabem isso de ciência certa. Os sons produzidos estão destinados a desafinar, os homens a irem para as tumbas e a História a ser reescrita.
Só há uma coisa que lamento. É não estar aqui para ver o aproximar do crepúsculo. Talvez ainda conseguíssemos, nesse tempo, bebendo um bom vinho tinto, ouvir uma marcha fúnebre de Mahler ou uma marcha de pompa e circunstância de Sir Edward Elgar.
Claro que todos lamentamos que isto se tenha transformado num lugar para presidentes de conselhos de administração, presidentes da república, ministros, secretários de Estado, directores gerais, deputados e quejanda gente da mesma tribo ou da mesma loja. É sobretudo muito mau que não tenham a mínima ideia do que é uma República coisa que os romanos já sabiam perfeitamente antes da Ditadura de César e do Império de Augusto, ou seja, antes de Cristo. Que pena: se a alma é pequena e continuarmos a chorar os mortos é porque os vivos nada fizeram para o merecer.
António Marques Bessa

segunda-feira, março 21, 2005

Quinto Império

Vibra, clarim, cuja voz diz
Que outrora ergueste o grito real
Por D. João, Mestre de Aviz,
E Portugal!

Vibra, grita aquele hausto fundo
Com que impeliste, como um remo,
Em El-Rei D. João Segundo
O Império extremo!

Vibra, sem lei ou com lei,
Como aclamaste outrora em vão
O morto que hoje é vivo — El-Rei
D. Sebastião! Vibra chamando, e aqui convoca

O inteiro exército fadado
Cuja extensão os pólos toca
Do mundo dado! Aquele exército que é feito
Do quanto em Portugal é o mundo

E enche este mundo vasto e estreito
De ser profundo. Para a obra que há que prometer
Ao nosso esforço alado em si,
Convoca todos sem saber

(É a Hora!) aqui! Os que, soldados da alta glória,
Deram batalhas com um nome,
E de cuja alma a voz da história
Tem sede e fome.

E os que, pequenos e mesquinhos,
No ver e crer da externa sorte,
Convoca todos sem saber
Com vida e morte.

Sim, estes, os plebeus do Império;
Heróis sem ter para quem o ser,
Chama-os aqui, ó som etéreo
Que vibra a arder!

E, se o futuro é já presente
Na visão de quem sabe ver,
Convoca aqui eternamente
Os que hão de ser!

Todos, todos! A hora passa,
O génio colhe-a quando vai.
Vibra! Forma outra e a mesma raça
Da que se esvai.

A todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra, clarim!

E outros, e outros, gente vária,
Oculta neste mundo misto.
Seu peito atrai, rubra e templária,
A Cruz de Cristo.

Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério —
Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto império.

Aqui! Aqui! Todos os que são
O Portugal que é tudo em si,
Venham do abismo ou da ilusão,
Todos aqui!

Armada intérmina surgindo,
Sobre ondas de uma vida estranha.
Do que por haver ou do que é vindo -
É o mesmo: venha!

Vós não soubestes o que havia
No fundo incógnito da raça,
Nem como a Mão, que tudo guia,
Seus planos traça.

Mas um instinto involuntário,
Um ímpeto de Portugal,
Encheu vosso destino vário
De um dom fatal.

De um rasgo de ir além de tudo,
De passar para além de Deus,
E, abandonando o Gládio e o escudo,

Galgar os céus. Titãs de Cristo! Cavaleiros
De uma cruzada além dos astros,
De que esses astros, aos milheiros,
São só os rastros.

Vibra, estandarte feito som,
No ar do mundo que há de ser.
Nada pequeno é justo e bom.
Vibra a vencer!

Transcende a Grécia e a sua história
Que em nosso sangue continua!
Deixa atrás Roma e a sua glória
E a Igreja sua!

Depois transcende esse furor
E a todos chama ao mundo visto.
Hereges por um Deus maior
E um novo Cristo!

Vinde aqui todos os que sois,
Sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou Santos ou Heróis
De Portugal.

Não foi para servos que nascemos
De Grécia ou Roma ou de ninguém.
Tudo negamos e esquecemos:
Fomos para além.

Vibra, clarim, mais alto! Vibra!
Grita a nossa ânsia já ciente
Que o seu inteiro vôo libra
De poente a oriente.

Vibra, clarim! A todos chama!
Vibra! E tu mesmo, voz a arder,
O Portugal de Deus proclama
Com o fazer!

O Portugal feito Universo,
Que reúne, sob amplos céus,
O corpo anónimo e disperso
De Osíris, Deus.

O Portugal que se levanta
Do fundo surdo do Destino,
E, como a Grécia, obscuro canta

Baco divino. Aquele inteiro Portugal,
Que, universal perante a Cruz,
Reza, ante à Cruz universal,
Do Deus Jesus.

Fernando Pessoa

domingo, março 20, 2005

O jogo Esquerda-Direita

Neste Domingo de Ramos, em que a presença e a actualidade de Gustavo Corção nos surge mais nítida ainda, recomendo de novo a leitura do grande escritor católico.
E uma vez que os seus livros são impossíveis de encontrar tenho que remeter os leitores para o sítio da editora "Permanência", onde ao menos estão muitos dos seus artigos.
Sobre um dos temas que aqui tem estado em foco encontra-se agora disponível um capítulo do livro "O Século do Nada", que tem por título precisamente "O Jogo Esquerda-Direita".
Vale a pena imprimir e ler com vagar.

A realidade é teimosa

Creio que era o velho Maurras que escrevia "chassez le réel, il revient au galop". Não tenho a certeza mas também não tem importância.
O que é certo é que a realidade é teimosa, e não desaparece por milagres das urnas.
Nesta manhã de domingo as notícias que marcam a actualidade são o assassínio de mais dois polícias na Amadora, na mesma noite em que uma perseguição da GNR terminou na Ponte Vasco da Gama, em contramão, e por um triz não causou o mesmo resultado.
Na véspera, soube-se que mais um comerciante português foi assassinado na África do Sul, acontecimento que parece ter-se tornado tão rotineiro que já não causa emoções, nem notícias que excedam dez linhas e passem da secção das breves.
Enfim, só banalidades.
Quanto aos costumes políticos, é significativo ler um trecho de uma notícia divulgada pelas agências, aliás com naturalidade, como não podia deixar de ser.
Diz a notícia que o Partido Socialista apresentou a primeira candidatura às eleições autárquicas no distrito de Bragança, a qual marca o regresso do ex-ministro Armando Vara à actividade política, agora como cabeça-de-lista à assembleia municipal de Vinhais.
E o candidato do PS à câmara de Vinhais, Américo Pereira, falando a esse respeito, declarou contar "com o apoio de Vara para lhe abrir as portas dos Ministérios em Lisboa", pois, segundo diz, o ex-ministro "trata o primeiro-ministro por tu e toma café com os membros do governo".
Nada de novo, portanto. Parece-me até oportuno observar a quantidade de regressos que se têm feito anunciar, uns para breve e outros já consumados. Basta estar atento: ontem o "Expresso" divulgava uma galeria que nem num museu dos horrores.
Para os que tanto falavam em mudança, volto às palavras do início: a realidade é muito teimosa.

A miragem centrista

Em contraponto aos que não acreditam na direita, temos os que não acreditam no centro (resta sempre a hipótese de não estarem a falar do mesmo, ainda que usem as mesmas palavras...).
Exemplo desta corrente é o artigo do jornalista Rui Ramos publicado há dias no "Portugal Diário".

A miragem centrista
Há semanas que os sábios oficiais ensinam ao povo que tudo em Portugal se resolverá agora ao «centro», nomeadamente as eleições presidenciais de 2006. As direitas parecem convencidas. Apedrejando embora o Dr. Freitas, todos gostariam, como ele, de deitar fora o sobretudo ideológico. Daí o afã com que os últimos cavaquistas têm andado a «recentrar-se». Há nesta religião do «centro» muita ilusão e alguma hipocrisia. Alguém acredita que um Presidente Cavaco dará ao Eng. Sócrates o mesmo conforto de um Presidente Guterres? Por isso mesmo, se o Dr. Cavaco avançar, pode muito bem acabar esta noite doutrinária em que todos os gatos são pardos. Isto, obviamente, caso o plano secreto do Eng. Sócrates não seja pôr a sua maioria à mercê de um Presidente eleito com o apoio dos esfomeados de 20 de Fevereiro.
A vantagem do Dr. Cavaco nas sondagens é, neste momento, bastante grande. A simples força curricular e verbal de candidatos como o Eng. Guterres ou o Dr. Vitorino talvez não chegue para o apanhar. O Eng. Sócrates terá de dramatizar, demonstrando que um Presidente Cavaco será necessariamente incompatível com a actual maioria parlamentar, e portanto um factor de instabilidade. Para isso, pode explorar o que se sabe da psicologia do Dr. Cavaco. O melhor, no entanto, será sujeitá-lo a um confronto esquerda-direita, a fim de derreter a benevolência de que passou a beneficiar à esquerda durante a cruzada nacional contra o Dr. Santana. Tratar o Dr. Cavaco como um cavalo-de-Tróia da instabilidade é obviamente um risco, porque ele pode ganhar. Mas conformar-se com a vitória do Dr. Cavaco, tal como este se conformou com a do Dr. Soares em 1991, pode ser um risco maior. Nem vale a pena recordar a história. Devido às prerrogativas do Presidente, um triunfo do Dr. Cavaco transformará, na prática, a maioria absoluta de 20 de Fevereiro numa maioria relativa. Tudo depende do que o Eng. Sócrates quer: estar no poder, ou estar apenas no governo, sob vigilância e ameaça presidencial. Se lhe convém estar no poder, precisa de um Presidente. E para ter hipóteses de ganhar ao Dr. Cavaco, terá provavelmente de levar o seu candidato a desempenhar o papel do Dr. Soares na segunda volta de 1986: o representante do «povo de esquerda», encarregado de revalidar a primeira maioria absoluta socialista contra a revanche das direitas.
Neste cenário, é verdade que, como notam alguns cavaquistas satisfeitos, as direitas vão ser obrigadas a votar no Dr. Cavaco. Mas é também verdade que o Dr. Cavaco há-de ver-se obrigado pelas esquerdas a ser o candidato das direitas. Como já lhe aconteceu em 1996, e antes dele ao Dr. Freitas em 1986. Em 2006, não haverá «centro», a não ser que um dos dois, o Dr. Cavaco ou o Eng. Sócrates, renuncie previamente à luta. Só neste caso será dado a um deles desfilar com o fingido manto do «centro», como o Dr. Soares em 1991. Porque fundamentalmente o «centro» é apenas isso: uma ilusão de óptica criada pela capacidade de um dos lados para retirar dividendos eleitorais da desmobilização do outro.

Rui Ramos

sábado, março 19, 2005

A "refundação" da direita

Não resisto a transcrever na íntegra o artigo que Vasco Pulido Valente publicou no "Público" sob o título A "refundação" da direita.
E desta vez adianto um pouco sobre as razões da escolha: este, no meu ver, toca em algumas questões de importância capital a que é costume fugir nos debates (compreensivelmente: são desagradáveis a várias famílias).
Aqui fica, com a vénia ao "Público", o texto de VPV.

A "refundação" da direita
A derrota de 20 de Fevereiro provocou por aí uma conversa sobre a "refundação da direita". Uma vez que foi quase integralmente demolida, é natural que a direita se queira refundar. Mas como? Em democracia, a direita portuguesa tem uma espécie de pecado original: o "salazarismo" continua a ser a sua única tradição autêntica. Antes do "salazarismo" não se reconhece verdadeiramente em nada e depois também não. O próprio Salazar se apresentou como um fenómeno sem exemplo e aboliu o século XIX da história do país. Para ele, o Portugal transviado e perdido do parlamento e dos partidos não existia e não podia, portanto, legar qualquer inspiração ou precedente ao recomeço absoluto do Estado Novo. Infelizmente a ideologia do "salazarismo", que, na essência, apresentava a ordem política como "natural", não serve de muito à direita de hoje. Só à superfície os "valores" dessa ordem - Deus, Pátria, família, trabalho, autoridade - parecem ressurgir na América de Bush e aqui e ali em pequenos recantos da "Europa". De facto, na civilização individualista, igualitária e secular do Ocidente inteiro, mudaram de sentido e perderam a força. O Papa, aliás, bem se queixa disso.
Ora, sem Salazar, a direita portuguesa fica num vácuo. Sá Carneiro não durou o bastante para lhe dar forma e a consolidar. O "cavaquismo" , sendo um governo meritório, não deixou uma doutrina ou um método. O ensaio "populista" de Santana e Portas faliu na abjecção. Sobrou o quê? Sobrou um vago liberalismo, que se imagina esperto e na prática repete as banalidades da moda. O liberalismo, de resto, não é fácil num país como Portugal. A pobreza indígena sempre viveu da protecção do Estado e sempre desesperadamente a exigiu: a nobreza e a burguesia, o povo rural e o povo urbano, a Igreja e a Universidade, a agricultura e o comércio, a indústria e os serviços, o funcionalismo e, claro está, a arte. Toda a gente em Portugal espera tudo ou quase tudo do Estado, a começar pelos "liberais" de agora, que esperam do Estado negócios, privilégios, parcialidade e favores. Uma direita liberal portuguesa é uma contradição de termos.
Mas, se a direita não for conservadora, porque Salazar morreu e não há nada a conservar, e se não for liberal, por causa da eterna indigência do país, que será ela? Boa pergunta. Uma pergunta que, ao fim de trinta anos, já merece resposta. No fundo, a direita portuguesa não precisa de se "refundar", precisa simplesmente de se fundar.

Vasco Pulido Valente

O umbigo da direita

Muito em especial para os que pensavam que um umbigo só pode estar rigorosamente ao centro, aqui têm um artigo de Nuno Rogeiro na revista "Sábado".

O umbigo da direita
Recordam alguns a Mão Direita de Deus. É verdade que, do Código da Estrada, nunca desapareceu a regra da prioridade geral à direita. E a relação entre "direita" (a facção) e "direito" (o que está certo) faz correr rios de tinta, mas não temos tempo nem competência para metafísica.
Também escasseia o espaço, e a paciência, para a memória de velharias e revisitações clássicas. Mas, de certa forma, continua aí a ser útil a distinção (essencialmente afrancesada) entre direitas "orleanistas" ou liberais, "bonapartistas" ou populistas-musculadas, "tradicionalistas" ou ultraconservadoras (com toda a falta de rigor do epíteto).
Se adicionarmos o caso específico da "direita" anglo-saxónica, e tomarmos a resolução corajosa de retirar os "fascismos" (que não foram "esquerda" nem "direita", mas uma forma diferente de contra-revolução, revolução ou pseudo-revolução, conforme os exegetas), encontramos pontos de contacto úteis para a experiência portuguesa. Essa aventura, com o seu cortejo de Miguelistas e Sidonistas, Cartistas e Marcelistas, Salazaristas e centristas, democratas-cristãos e sociais-democratas, pode até fazer-nos concluir que, por regra, as "direitas" portuguesas não são (todas) "de direita". Ou que não há uma "Direita" fora da história, imutável e solene, espécie de doutrina à espera de intérpretes, mas antes "formas locais" de interpretação de certos princípios, que há cerca de dois séculos nos permitem dizer que uns não estão "à esquerda".
Se calhar, utilizando uma boutade de uso corrente, são das "direitas" os que não podem ser outra coisa. Mas também esses precisam de se habituar aos dramas que já assolaram "esquerdas" de todo o mundo: as políticas públicas deixaram de ser "ideológicas", não faz grande sentido dividir a realidade cívica em hemisférios, não se pode esperar que partidos e tribos sejam doutrinalmente "puros", e ainda menos dogmáticos, quando se trata de arregaçar as mangas e "fazer o que há a fazer", na paz e na guerra.
Continuar a militar e a votar no PSD e PP (e nos restantes nomes do cardápio, do PND ao PNR), ingressar no "centro" (isto é, na "terceira via" do PS), cultivar o seu gerânio ideológico-cultural, em boa companhia, numa estufa fria, partir para a Serra da Estrela à procura de Lusitanos, convocar um seminário sobre o sexo dos anjos, ou até encontrar um sucessor (ou dois) para os drs. Lopes e Portas, são as opções que vejo mais referidas.
Mas é possível que as "direitas", quando deixarem de se agitar e lamber as feridas, descubram que as pessoas comuns podem interessar-se pela política de outros modos. O poder das ideias, mas sobretudo das soluções paraq os males do tempo presente, é algo que não morde. Nem faz mal descobrir.
Claro que os companheiros de caminho serão "mestiços". Os que procuram "pureza" que morram onde estão, no último quadrado, como o desmesurado General Custer.
Nuno Rogeiro

sexta-feira, março 18, 2005

Jantar da Primavera

Os antigos alunos do Liceu Nacional de Évora, sobretudo os que residem na área da Grande Lisboa, encontram-se este ano de novo no Jantar da Primavera.
O local é o Restaurante “Espaço Tejo” (antiga FIL), e o dia é 1 de Abril de 2005 (é verdade!)
Estão abertas as inscrições.

Sessão de homenagem a Rodrigo Emílio

Na Sociedade Histórica da Independência de Portugal realiza-se no próximo dia 2 de Abril, sábado, pelas 16 horas, uma homenagem ao poeta e ensaísta Rodrigo Emílio, falecido no ano passado.
A sessão, que decorrerá no Salão Nobre do Palácio da Independência (Largo de São Domingos, n.º 11, em Lisboa) compõe-se de alocuções dos conferencistas António Manuel Couto Viana, Carlos Eduardo de Soveral, António José de Brito, João Bigotte Chorão e Pinharanda Gomes.
Em seguida serão lidos poemas do autor, por Couto Viana, Alberto Correia de Barros e Luís António Serra.
No final, José Campos e Sousa interpretará alguns dos poemas do Rodrigo Emílio que em boa hora musicou, e lançou no CD "Rodrigamente Cantando".
Uma sessão solene para evocar um poeta de excepção.

O(s) futuro(s) da Europa

Neste 19 de Março de 2005, há tertúlia do CIARI sob o tema supra referido.
O conferencista é António Alvarenga, e o acto tem lugar na Livraria Ler Devagar, no Bairro Alto, em Lisboa.
Vai falar-se da "integração europeia como um conjunto de processos e poderes que interagem continuamente e são influenciados por forças globais", tentando "levantar algumas incertezas e estimular o debate entre os participantes".
Uma boa tarde.

quinta-feira, março 17, 2005

Apagar a História

Segundo se soube hoje, aconteceu na passada noite em Madrid: foi retirada a mando do poder socialista, envergonhadamente e pela calada, a última estátua de Francisco Franco que persistia na capital espanhola.
Imagine-se o alarido que a ocorrência irá provocar na imprensa portuguesa, agora que está fresca a doutrina afirmada a propósito do retrato de Freitas do Amaral.
Já se sente o frémito de indignação.

A Guerra como Experiência Interior

Na minha visita ao "Nova Frente" fiquei a saber que foi publicado esta semana pela editora Ulisseia a edição portuguesa do livro «A Guerra como Experiência Interior», de Ernst Jünger ("Der Kampf als inneres Erlebnis", de 1922).
A obra tem tradução de Armando Costa e Silva, e revisão de Roberto de Moraes, com base na versão original, contendo ainda um posfácio de António Carlos Carvalho.
O facto causou-me uma sensação mesclada de alegria e de amargura. Alegria por saber que deste modo o trabalho de Armando Costa em Silva não foi em vão, e que os leitores de língua portuguesa ficam a dispôr da possibilidade de ler na sua própria língua uma das obras decisivas do primeiro Jünger. Amargura evidentemente por me lembrar que Armando Costa e Silva já não poderá assistir ao reconhecimento do seu trabalho. Todos os encómios são devidos a Roberto de Moraes, para quem a amizade e a camaradagem cultivadas em Jünger continuam a ser ponto de honra.
E agora vão lá comprar o livro.

Quem nos dera!

Lendo o que se escreve por essa blogosfera fora encontramos, como é natural, posições com que nos identificamos e outras com que não concordamos de todo.
Mesmo naqueles que apreciamos genericamente tropeçamos ocasionalmente com opiniões que não são as nossas - como é normal, repetimos.
Porém, aquilo que encontrei ontem no Absonante e que me levou a escrever este postal, que é de viva discordância, não me parece sequer que seja matéria opinativa: trata-se de realidades, factos, factozinhos, mensuráveis e verificáveis - e o Absonante está muito mal informado sobre eles.
Com efeito, publicou o estimado confrade um texto chamado "O Litoral e o Interior" onde além do mais, que merecia análise mais atenta, sintetiza a convicção que está na base das suas posições aí expressas com esta frase: "Todos concordarão que o custo de vida é violentamente mais elevado no litoral."
Fiquei de boca aberta de espanto. Onde vive o Absonante?
Em Portugal todos os estudos, e existem bastantes, regulares e fundamentados, afirmam precisamente o contrário do que diz.
E trata-se de matéria amplamente divulgada: não é preciso ir ao Instituto Nacional de Estatística (que possui no entanto abundante informação a esse respeito), basta prestar atenção aos resultados que com certa frequência são divulgados pela grande imprensa.
Estou a lembrar-me de inquéritos comparativos que tiveram grande destaque no "Expresso" em que se fizeram análises dos índices de preços em duas cidades do Interior (Viseu e Évora) e duas do Litoral (Lisboa e Porto). A ideia era ter uma visão representativa do Interior Norte, Interior Sul, Litoral Norte e Litoral Sul.
Os resultados, sem surpresa, foram sempre nítidos e constantes: o custo de vida é sempre mais elevado no Interior, e neste o Interior Sul é mais caro.
Ou seja, em todos os indicadores surgia Évora como a cidade mais cara, depois Viseu, depois Lisboa, depois o Porto.
Estes resultados são habituais, e geralmente conhecidos e reconhecidos, sem contestação. As causas também são conhecidas, e diagnosticadas. A terapêutica é que é menos consensual.
Diga-se aliás que essses resultados coincidem com a percepção que empiricamente qualquer cidadão tem no seu dia a dia: tente o Absonante comprar um andar de iguais características em Évora ou no Porto, ou arrendá-lo, ou tente entrar numa loja de vestuário para comprar as mesmas peças em Évora ou em Lisboa, ou simplesmente procure um restaurante para almoçar numa dessas cidades...
Tudo é mais caro no interior! Nem um molho de espinafres consegue comprar mais barato numa vilória da Beira ou de Trás-os-Montes, se era neste tipo de coisas que estava a pensar.
Podem objectar-me que sou parte interessada na discussão, uma vez que vivo em Évora; mas tenho que responder que pelo menos tenho conhecimento de causa, pois já vivi alguns anos em Lisboa e outros no Porto, para além de outras quatro ou cinco localidades espalhadas pelo país. Sei do que falo.
E aquela afirmação, francamente, não lembraria a ninguém.

A vanguarda revolucionária

Leia-se esta pérola de cultura publicada num conhecido blogue de altos responsáveis socialistas, apropriadamente chamado Causa Nossa:

"1. Os referendos nunca serviram para coisa alguma a não ser para exprimir os sentimentos conservadores e imobilistas do povo profundo. Não seria necessário um grande esforço de memória para nos darmos conta de que nenhum salto no caminho do progresso foi alguma vez conseguido por via referendária. Todavia, os tempos são o que são, pretensamente abertos e participativos, pelo que só nos resta aceitar o consenso reinante nas esferas partidárias quanto à necessidade de auscultar a população portuguesa sobre matérias que lhe são reconhecidamente tão caras quanto a constituição europeia, o aborto ou a regionalização. Seja. Mas poupem-se os cidadãos a incómodos múltiplos e a frente política aos imponderáveis da meteorologia (como no último referendo sobre o aborto, onde venceu o sol e a praia), concentrando os inquéritos num só momento - as próximas eleições autárquicas. A Constituição que se habitue."

A brincar a brincar... e lá se vai dizendo o que realmente se pensa.
Uma chatice, isto de não se poder dispensar o povinho...

quarta-feira, março 16, 2005

Novatos

Serve este postal para dar as boas vindas a dois recém-chegados: um Ao Sabor da Aragem, e o outro de Abafos & Desabafos.
O primeiro é um novo empreendimento de alguém que já conheci de outros, o segundo é obra de uma desconhecida, mas cá das berças: tem capital na Vila de Terena, vizinha portanto do Alandroal, do Reticências, do Alentejano SA, do Ao Fresco nos Degraus do Papança...
Enfim, o Alentejo profundo, como dizia o Prof. Cavaco depois de conhecer o Pulo do Lobo.

terça-feira, março 15, 2005

A DIREITA NUNCA EXISTIU?

Vai para um quarto de século, o saudoso Eduardo Freitas da Costa publicou no semanário "A Rua" um artigo que reproduzo a seguir.

A DIREITA NUNCA EXISTIU
Desde sempre - e mais agudamente, como é natural, nas épocas de crise - é costume observar-se que a “direita” não se sabe organizar, não tem capacidade para se defender, nem mostra a menor habilidade para assaltar o poder; que a “direita” não aparece, não vai votar quando é preciso, nunca promove esmagadoras mobilizações de massas; que a “direita” é apática, passiva, não se mexe, não se agita nem agita quem quer que seja. Quem não ouviu já estas ou parecidas acusações, repetidas - com desencantada tristeza por uns, com feroz alegria por outros – não apenas em Portugal, é claro, mas em Espanha, em França, na Itália... por toda a parte?
E atrás das criticas, a grande interrogação: Porquê? Porque se passa tudo isso com a “direita”? Porquê essa inoperância, essa falta de organização e actividade da “direita”? A resposta é provavelmente muito simples. A resposta, provavelmente, é que a chamada “direita", como entidade política, não existe e nunca existiu.
A que é uso, com efeito, chamar em política “a direita”? Sabe-se por demais como tudo começou: com o famoso acidente geográfico de se sentarem uns senhores à direita e outros à esquerda da sala nos Estados Gerais de que nasceu a Revolução francesa. Não tinha, então, o termo qualquer espécie de conteúdo ideológico e menos ainda qualquer tipo de consistência estrutural. Mas os que pretendiam subverter os esquemas da sociedade tal como ela se encontrava naturalmente organizada viram aí, na etiqueta simplificadora, um excelente instrumento de combate que souberam imediatamente aproveitar com astuta eficácia: a “direita” passaria a ser o nome que se havia de dar a tudo quanto se pretendia, justa ou injustamente, desmantelar e destruir: privilégios supostos ou reais, discriminações razoáveis ou irracionais, imobilismos estioladores ou tradições estimulantes.
Porque, realmente, naquilo a que é costume chamar “a direita” o que fundamentalmente se encontra condensado é, pura e simplesmente, a vida natural - tal como ela é na realidade e merece a pena ser vivida: o trabalho em paz, a propriedade honradamente ganha, a preparação cultural suficiente para o acesso decente às fontes de receita necessárias, a família sem abortos nem divórcios, os ócios gozados sem agressões interruptoras; tudo isto, é claro, com as também naturais injustiças, abusos, erros, desvios, - para os quais a indispensável estrutura jurídica, mais a dimensão e a maturidade da sociedade a que se aplica, terá de estabelecer os não menos indispensáveis mecanismos correctores. A “direita” é a naturalidade, a normalidade, o livre e espontâneo desenvolvimento das potencialidades orgânicas do Homem integral - alma e corpo. E por isso nunca pensou em criar nem organizações, nem defesas, nem mobilizações - como ninguém se lembra de estabelecer as normas e os exames que levem um pai a tratar
de dar de comer aos filhos ou uma dona de casa a lavar as camisas com que o marido há-de ir para o trabalho.
A “direita”, aquilo a que se convencionou chamar “a direita", nunca sentiu a necessidade de se estruturar em termos de combate, porque a única reivindicação que tem a apresentar é a de que se permita a todos uma vida “normal”, a de que se respeitem os valores “naturais” do Homem.
E “a esquerda”? As “esquerdas”? Essas, sim. Como do que tratam é de submeter a sociedade a esquemas construí-dos abstractamente, a formulações jurídicas aprioristicas (de onde acaba sempre por nascer o famoso divórcio entre "país legal" e "país real", de que sempre acabam por se queixar os povos dominados por elas), que não são naturais - têm fatalmente de montar máquinas destinadas a impor (à força: militar, económica, psicológica...) as ditas estruturas artificiais a situações naturais que elas contrariam por definição. Por isso as “esquerdas” se organizam, se defendem, se mobilizam, se infïltram, procuram assaltar o poder, procuram fazer tábua rasa do que encontram de normal e natural pela frente. E precisam de ter um “inimigo”, que mantenha tudo isso permanentemente em tensão, em alerta, precavido contra a famosa verificação de que “chassez le naturel, il revient au galop”; e o inimigo precisa de ser reconhecível com etiquetas simples, que evitem análises e reflexões (posto que estas imediatamente revelariam o truque), como podem ser - por ordem cronológica de invenção... - a “direita”, o “capitalismo monopolista e latifundiário”, o “fascismo”, o “imperialismo”...
A “direita política” é, efectivamente e assim, apenas uma grosseira embora eficaz inovação da esquerda. A “direita política” nunca existiu e só cristaliza como reacção, também natural, a quanto pretende destruir pela força tudo quanto é natural no Homem.
E se procurássemos institucionalizar a normalidade? Se organizássemos a naturalidade, para vivermos e sermos governados em termos naturais?
EDUARDO FREITAS DA COSTA


Na edição de hoje do "Diário de Notícias", saiu um artigo de opinião de Miguel Freitas da Costa, que me fez lembrar o outro. Segue-se já, duas linhas abaixo.
Não há dúvida: quem sai aos seus...

A DIREITA NUNCA EXISTIU
Na pré-história daquilo a que se chamou "revolução conservadora", nos Estados Unidos, o senador Barry Goldwater, candidato do Partido Republicano à Presidência, contra o democrata Lyndon Johnson (estamos em 1964), tinha um slogan "In your heart you know he's right". A campanha do Partido Democrático fez colar em cima dos cartazes e outdoors do candidato republicano uma faixa que dizia, simplesmente, "Yes, extreme right". Não se sabe em que medida esta brilhante ideia contribuiu para o resultado, mas o senador do Arizona sofreu uma das maiores derrotas de todos os tempos na história das presidenciais americanas. Na América - como neste mundo que os americanos em grande parte criaram - há uma geral e quase invencível repugnância pelas ideias políticas definidas e a etiqueta "direita", em particular, não dá muitos votos. O labéu "extrema direita", já se sabe, é puro veneno eleitoral.
Parece um contra-senso. A linguagem comum parece desmentir esta evidência política. Nunca se ouviu que Deus escrevesse torto por linhas direitas. Ou que os justos se sentassem à mão esquerda de Deus Pai. Um homem bom ou sério é recto ou direito. Há homens e mulheres às direitas - felizmente. Quem é que se lembraria de os gabar dizendo que são "às esquerdas"? Quando queremos honrar ou distinguir alguém não o sentamos do nosso lado esquerdo. A mão direita é a mão da justiça - ter muita mano izquierda, em espanhol, é ser habilidoso de uma maneira vagamente pejorativa. O que é turvo, ameaçador, sombrio, perverso, demoníaco - é "sinistro". Mesmo a esquerda quer "cortar a direito".
O problema é que a "direita" em política é uma invenção da esquerda. Antes da Revolução Francesa não existia essa divisão do espectro político entre esquerda e direita, que hoje achamos tão natural. Tem o significado que a esquerda desde o princípio lhe deu de um lado - à esquerda, claro - os amigos da Humanidade, do progresso e do futuro; do outro, os últimos redutos de um passado tremendo, os defensores dos privilégios de uns poucos contra os direitos e as legítimas aspirações dos muitos, a última linha de resistência de uma situação iníqua por definição que se recusa a morrer - e para o caso tanto faz que esteja morta e enterrada, como hoje está, há muito, o Antigo Regime. A doutrina estava na própria definição dos termos - e por isso Joseph de Maistre dava superficialmente razão aos revolucionários quando escrevia: "A contra-revolução não é uma revolução ao contrário, é o contrário de uma revolução". 200 anos de propaganda fizeram o resto: para a opinião que em geral se publica, nada do que acontece de politicamente mau deixa de ser imputado à "direita", incluindo os desmandos de toda a espécie de socialismo, no presente e sobretudo no século passado, incluindo o nacional-socialismo, ou a defesa da ortodoxia comunista. É uma coisa que toda a gente sabe. Não é preciso explicar isto nem ao mais ignorante dos cidadãos. No nosso coração - que ao contrário do que pensava Goldwater - está à esquerda e não pode deixar de ser de esquerda - sabemos quem é que tem razão.
O "caldo de cultura" em que vivemos - e que é comum ao que alguns chamávamos, no nosso santo fervor juvenil, "materialismo prático" e ao "materialismo dialéctico" - continua a fervilhar na panela. Enquanto for assim e persistir aquilo que o politólogo Jacques Ellul designava num livro dos anos 70 por "imagem motriz global" do nosso tempo, os "mitos modernos" da "luta de classes, a felicidade, o progresso, a juventude, a técnica e o trabalho", Adriano Moreira e outros poderão continuar a explicar sem escandalizar ninguém que "esquerda" e a "direita" são, muito simplesmente, os nomes que em política se dá aos pobres e aos ricos e que hoje ganhariam novo sentido - como explicou o ilustre professor na televisão - na guerra civil global do Norte contra o Sul, uma velhíssima ideia marxista e leninista agora rejuvenescida.
A "direita" foi e será sempre o que a esquerda quiser designar como tal. Só por desafio alguém se intitula "de direita". A "direita" não existe e nunca existiu como entidade filosófica ou política autónoma. O que existe é o Bem e o Mal, as verdades e as mentiras. O resto são arranjos partidários. Podem fazer muita falta. Mas são apenas arranjos partidários.
MIGUEL FREITAS DA COSTA

Para o "Dextera Vox"

Não costumo responder a comentários dos leitores, sobretudo para não interferir com a plena liberdade deles (a possibilidade de exercer o contraditório na posição privilegiada de dono da casa pareceu-me sempre um tanto desleal).
Mas desta vez a estranheza do Dextera Vox quanto à minha suspeita, que apresenta como abusiva e quase ofensiva, sobre a intenção de Manuel Monteiro de fazer-se às presidenciais, leva-me a procurar esclarecer melhor os fundamentos das minhas razões.
Eis o que saiu no "Diário Digital":
"O presidente do Partido da Nova Democracia (PND), Manuel Monteiro, pôs neste sábado o seu lugar à disposição e propôs ao Conselho Geral a convocação de uma Convenção Nacional Extraordinária, revelou à Lusa fonte do PND.
A decisão foi tomada na sede do PND, no Porto, numa reunião da direcção do partido em que vários militantes «desafiaram Manuel Monteiro a candidatar-se a Presidente da República», acrescentou a fonte.
«Manuel Monteiro afirmou que não seria presidente do partido se fosse candidato a Presidente da República, mas não revelou ainda a sua decisão», referiu a fonte.
O ex-líder do CDS-PP tem defendido a candidatura de Cavaco Silva às eleições presidenciais de Janeiro de 2006, mas vários militantes do PND defendem que Manuel Monteiro deve anunciar a sua candidatura a Belém, mesmo antes de uma decisão do ex-primeiro- ministro, disse a fonte.
"
Ora aí tem. Julga que sou eu que invento? Pensa que estas notícias surgem por acaso? Acredita que estas "fontes" dão ponto sem nó?
Amigo "Dextera", o que me parece que lhe falta é experiência da vida. Vá observando e aprendendo. Quando chegar à minha idade certamente já saberá mais do que eu.
Até lá, acredite nisto que lhe digo: o Dr. Manuel Monteiro efectivamente não vai candidatar-se às presidenciais. Não vai porque para isso é preciso recolher uns milhares de assinaturas, além do mais, e ele já não tem gente nem apoios para isso. Mas entretanto ainda anda a tactear o terreno.
Não é vontade o que lhe falta.

O ópio dos intelectuais

Passaram cinquenta anos desde que Raymond Aron escreveu e publicou "O ópio dos intelectuais", em 1955.
Só reparei no facto por José Adelino Maltez ter assinalado a passagem do centenário do Mestre.
Raymond Aron completaria agora cem anos.
E o livro, datado da França de 1955, onde o marxismo, ortodoxo ou sartreano, constituía então uma religião laica de tal modo sacralizada que a menor dissidência era motivo de escândalo, que sentido faz hoje em dia?
Passados cinquenta anos, depois de tantas voltas que o mundo deu, o que resta do ópio dos intelectuais?

O primeiro passo para aceitar a eutanásia?

Sob este título publicou o Prof. António Gentil Martins um recente artigo no Expresso, que reproduzo dada a indiscutida e indiscutível autoridade do seu autor e a actualidade do tema - que faz parte da agenda próxima e presente dos centros de poder que fazem a chuva e o bom tempo nas sociedades ocidentais.

Foi com surpresa que tomei conhecimento do parecer do CNECV sobre «Estado Vegetativo Persistente», do qual discordo claramente, pois o considero o primeiro passo para a aceitação da eutanásia, dita por caridade (princípio da beneficência...??).
Afirmar, no ponto 6, que «não poderão ser aplicadas soluções uniformes... impondo-se uma avaliação criteriosa em cada situação» é um, totalmente inaceitável, início de rampa deslizante.
Também não será nunca aceitável condicionar a posição ética a argumentos de natureza económica ou de inconveniência familiar ou hospitalar, mesmo sob a capa da «justiça distributiva».
O parecer afigura-se até contraditório pois não deixa de afirmar que a pessoa em estado vegetativo persistente guarda, em qualquer circunstância, a dignidade intrínseca do ser humano que é (alínea g) do parecer dado CNECV ). E afirma ainda, no ponto 2 do parecer, que «a pessoa em estado vegetativo persistente terá direito a cuidados básicos, que incluem alimentação e hidratação artificiais».
Porém, não se inibe de afirmar no ponto 5 (!) do parecer «o processo decisório... deverá envolver toda a equipa médica assim como a família mais próxima... tendo em conta a proporcionalidade dos meios que melhor se adequem ao caso concreto».
Que direito têm então os médicos ou os familiares a dispor da vida e a decidir da morte do doente? Quando, até pela própria Constituição Portuguesa, «a vida é um bem indisponível».
Considero eticamente inaceitável, em qualquer circunstância, a interrupção de tratamentos e cuidados básicos (neles se incluindo, seguramente, a alimentação, sólida e líquida - alínea d) e ponto 2 do parecer do CNECV), a qualquer ser humano que não esteja em morte cerebral.
Isto tudo lembra-me o chamado método de Lorber (pediatra de Sheffield) que sempre combatemos, e que, há 4o anos, ordenava às enfermeiras que só alimentassem os recém-nascidos mal-formados caso chorassem... com o resultado previsível!
O princípio da autonomia não pode autorizar, em nenhuma circunstância, a deixar morrer (ver alínea c) e ponto 4 do parecer do CNECV), apenas por indicação presumida ou manifestada por pessoa de confiança, mas sim e apenas por expressa decisão prévia do próprio poderá cessar a alimentação (paralelamente ao que pode suceder nos casos de greve da fome).
Embora o parecer do CNECV não seja vinculativo não deixa de ser, quando a nós, um claro e lamen­tável atentado à Ética Médica que, já no juramento Hipocrático (de­pois transcrito para a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial), impõe um «respeito absoluto da vida humana desde a concepção». Constitui assim um er­ro grave e um mau serviço prestado à pessoa humana, do qual aberta­mente discordamos.

António Gentil Martins
(ex‑Bastonário da Ordem dos Médicos e ex‑presidente da Associação Médica Mundial e da sua Comissão de Ética)

O tratado da perfídia

Alguns dedicam-se a debater a questão da Constituição Europeia.
Leia-se no Unica Semper Avis.
A maioria, porém, resigna-se à inevitabilidade.
Serão irresistíveis os ventos da História?
Ou "o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos"?

segunda-feira, março 14, 2005

Lopes & Monteiro

Santana Lopes regressou à Câmara de Lisboa, contra todas as opiniões conhecidas.
Coerentemente, estará disponível para em Outubro concorrer à sua própria sucessão.
E em Janeiro, não haverá presidenciais? E ele resiste a ir?
Manuel Monteiro preside à desagregação do PND, põe o lugar à disposição (de quem?) e emite sinais da sua vontade de não faltar na corrida que há muito sonha ser a sua.
Curiosamente também já tinha referido a sua disponibilidade para ser candidato à Câmara de Lisboa.
Será que os vamos ter aos dois na próxima campanha autárquica em Lisboa?
E vamos vê-los a disputar a campanha para as presidenciais, poucos meses depois?
Vão os dois a todas, perante a estupefacção geral?
Tem sido muito comentada a dificuldade de levar gente para a política; mas parece-me imperioso debater antes a extrema resistência que muitos dos seus agentes opõem a qualquer ideia de saída.

A (re)fundação da direita

Russel Kirk dizia que «as ideias têm consequên­cias»... Olhando os resultados do «centro-direita», eu di­ria que a sua falta (das ideias) também!
Esta é a primeira lição a tirar da «hecatombe»: mais que uma «direitização» - como sustenta Pacheco Pereira, que seria a «corrupção» de uma linha geral social-democrata que iria de Sá Carneiro a Durão Barroso -, mais que a aliança com o PP, penso que o problema do PSD, além da divisão à volta da figura do líder, foi a ausência de ideias.
E que ideias tinha este PSD que fossem diferentes das do anterior? E que ideias em geral? Na doutrina «pêessedista», o que se diz da Nação, do Estado, das questões culturais fractu­rantes, da Europa, da proprieda­de, que seja diferente do ideá­rio do PS?
Porque o partido social-de­mocrata em Portugal é o PS; foi assim desde que o dr. Soares afastou ou integrou os esquerdistas do MES e arrumou na ga­veta o socialismo; e passou para a beatitude comemorativa, com direito a cravo na lapela e lugar em S. Bento no 25 de Abril, os MFA e conselheiros da revolução. E fê-lo a partir de 1976, quando lhe deram votos e sossego para o fazer; e para fi­car na NATO e ir para a Euro­pa do capitalismo.

UMA (PESADA) HERAN­ÇA - A política partidária portuguesa reflecte ainda as suas condições genéticas: a legitimidade «antifascista» do 25 de Abril de todos; o peso envergo­nhado da «descolonização» de ninguém; o medo da burguesia do perigo vermelho; o pacto MFA-partidos como alvará polí­tico; e a personalidade dos fun­dadores desses partidos.
No fundo, eliminado o regi­me autoritário e abandonado o Império - dois temas em que a nova classe política era unâni­me -, enfrentaram-se dois mo­delos de sociedade. Um, revolucionário, totalitário e democraticamente minoritário - o de Cunhal e do PCP, com parte do MFA. Outro, comum ao PS, ao PSD, ao CDS e ao resto dos militares, que era de democra­cia política e economia de mer­cado. Socialismo, social-demo­cracia e democracia social foram só etiquetas de recurso ou conveniência.
A direita ideológica foi bani­da e a direita sociológica passou a votar nas etiquetas permitidas; depois de 48 anos sem liberda­des políticas, não era muito es­quisito. Mas o nó do problema nasceu aqui mesmo, desta regra, que a esquerda, em parte por má-fé em parte por estupidez convicta, impôs e explorou com sucesso: Salazar defendera, autoritariamente, um ideário espiritualista, nacionalista, conservador, que proclamava Deus, Pátria, Família. E propriedade! Logo estes princípios - todos - eram antidemocráticos, fascistas e maus. E deviam ser banidos dos projectos políticos democráticos. Mesmo que fossem o apanágio dos partidos conservadores, democratas-cristãos e republicanos da Europa e dos Estados Unidos.
Por isso os partidos baniram-nos e ficaram com valores de esquerda, linguagem de esquerda, «tiques» de esquerda. Pensando que a direita não tem outra hipótese senão votá-los, como mal menor. Um mal menor que foi sendo cada vez maior e pior!
No 20 de Fevereiro, o PCP subiu com o «rosto humano» de Jerónimo de Sousa; o BE, menos «humano», foi o único a falar de política, «reabilitando» o utopismo trotskysta. O PS incorporou uma votação díspar dos seus eleitores, mas também do anti-Santana Lopes e da vontade de um governo de maioria que lhe permitisse governar sem o BE e o PCP. O PSD vai reflectir os traumas da saída de Barroso e do legado de Santana Lopes: a divisão fratricida de uns «barões»; cólera de outros; alheamento da maior parte; e a indignação das famosas «bases». E, à falta de uma identidade de ideias e projectos, a dificuldade de encontrar, fora do poder e sem um chefe, a coesão. O PP esteve unido mas não lhe adiantou muito: a falta de definição quanto à questão nacional - referendo europeu - e a dificuldade de uma credibilidade circunstancial vencer um itinerário que nem sempre a teve, explicam que não subisse, senão em Lisboa, com a transferência dos votos de classe média-alta e alta do PSD.

IDEIAS EM PRIMEIRO LUGAR - Por tudo isto não sairá daqui uma alternativa, porque esta tem de ser por definição («alter», outro) diferente do que está.
Em 1976, depois do Thermidor de 25 de Novembro, a direita - a pensante, a activista, a que tinha ideias e que saía da prisão ou voltava do exilo - encontrou as suas «tropas» da classe média católica e do «campo» do Norte a votar «útil» nos partidos do «sistema».
As alternativas eram o exílio interior, como tinham feito os miguelistas no Constitucionalismo ou os católicos italianos no Risorgimento; ou o entrismo dos franquistas espanhóis na UCD e no PP. Aconteceu o compromisso e distribuiu-se, grosso modo, em três linhas: para o PSD, individualmente; para o CDS com Lucas Pires, organicamente; e para o combate cultural, nas revistas de intervenção e nas universidades.
Hoje talvez seja a altura de começar pelo princípio: pelas ideias.
Que são sempre as mesmas - como as de esquerda -, embora mudem as fórmulas e símbolos: uma concepção idealista do mundo e do homem; uma consciência crítica de realismo antropológico e social, que valora as comunidades e instituições, como a nação, a família, a propriedade; e que combate a tábua rasa que desconstrói e destrói tudo isto na planificação da utopia. Este é um «corpus» de ideias, uma filosofia política alternativa que deve ser traduzida politicamente nas ideias e na ideologia; e, finalmente, escorar as políticas sectoriais.
Não sei se estes valores são património exclusivo da direita. Por mim, penso que a defesa dos princípios cristãos, do valor da nação como comunidade solidária dos cidadãos e da família e da propriedade, como realização do homem nos afectos e nas coisas e garantia da sua liberdade; esta é a direita com que me identifico - patriótica; realista, solidária, livre, mas consciente de que o bem comum existe e é superior à soma e à subtracção dos bens e interesses individuais.
Neste sentido sou de direita; talvez parte destes valores tivessem sido sustentados pelo Estado Novo; como outros foram pela Primeira República. Mas hoje, trinta anos depois do fim do «fascismo», da descolonização irresponsável, das socializações arbitrárias, das violências do PREC; hoje, num país atrasado, cheio de carências, na cauda da Europa - e tão na cauda pelo menos como estava no «fascismo» - é tempo para pensar e criar, sem medo de fantasmas nem tabus.

Jaime Nogueira Pinto
(in "EXPRESSO")

domingo, março 13, 2005

As tradições académicas em Évora

As tradições da academia eborense (as autênticas, não as alarvidades imbecis que é agora hábito designar como tal) continuam bem vivas: surgiu agora em linha uma excelente página sobre a Briosa Tuna Académica do Liceu de Évora, instituição que com os seus cento e dois anos é certamente a mais antiga do seu género.
E continua activa a página dos Antigos Alunos, ocupados a organizar o habitual Jantar da Primavera, tal como nos outros anos a efectuar na região de Lisboa.
Apela-se a propósito aos interessados para não deixarem tudo para a última hora: inscrevam-se já, e compareçam no Espaço Tejo (antiga FIL) no próximo dia 1 de Abril, sexta-feira, à noitinha.

Interrogações

O que é a "Fundação Catalunha-Portugal"?
Quem são os senhores Maria do Carmo de Dalmau, Luís Mesquita Dias, Filipe Constant, José Manuel Faria, José Rocha dos Santos, Nuno Costa Martins e Vasco de Barros?
O que querem, uma e outros?
Estive a ler as palavras que assinaram, e não percebi. Não fiquei a saber nada do que perguntei nos parágrafos anteriores.
E pior do que isso, pareceu-me que aquilo não era para perceber. Deve ser linguagem cifrada, mensagem só para alguns.
Fala-se muito em desenhar, ou em redesenhar, e também na "nova península", no "modelo de convivência entre as diferentes nacionalidades", e outras fórmulas iniciáticas.
Mas convinha que nos mostrassem ao menos um esboço do que estão realmente a pensar, já que não querem mostrar o desenho completo.
Para a gente poder ficar com uma fotografia.

Publicidade gratuita

Confirmando a vocação de serviço público que é a deste blogue, recomendo hoje a todos os leitores que aproveitem a oferta da revista "Sábado", a qual com o seu último número apresenta um excelente livro/álbum de quase 400 páginas sobre o Museu Nacional de Arte Antiga.
Trata-se de uma oferta luxuosa: por uns míseros 2,75 euros é possível comprar a revista e levar de borla o álbum sobre o espólio do Museu Nacional de Arte Antiga.
Inclui capítulos sobre Pintura Portuguesa do Século XV, Pintura Portuguesa do Século XVI, Pintura Portuguesa dos Séculos XVII-XIX, Pintura Europeia, com reproduções de Nuno Gonçalves, Francisco Henriques, Diogo de Contreiras, Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo, Frei Carlos, Cristóvão de Morais, Francisco Henriques, Francisco Vieira, etc.
Uma bela prenda para quem se interessa pela cultura portuguesa.
(E já agora aproveito para recomendar também a visita ao próprio Museu das Janelas Verdes, uma vez na posse do álbum; quem é que conhece o Museu?).

A sorte de uns e o azar dos outros

Os nossos amigos do Alandroal, que já há muito não citamos mas que continuamos a visitar regularmente, dedicaram-se a reflectir sobre as diferenças entre a A6 e a A23.
Análise sagaz e pertinente, como constatarão os que lerem.
E se forem por esse caminho (da análise, não da auto-estrada) chegarão longe.
Não apenas à Faculdade de Medicina da Covilhã...

Alentejo tem taxa de suicídio mais alta do mundo

Eis um indicador em que continuamos à frente: o Alentejo tem a taxa de suicídio mais elevada do mundo.
Os especialistas não conseguem compreender o fenómeno, conhecido e observado desde que há registos.
Até porque ali ao lado fica a Andaluzia, com uma das mais baixas taxas de suicídio da Europa...
Leia-se a propósito este artigo do "Diário de Notícias".
Segundo Carlos Brás Saraiva, até ontem presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS), "o canto alentejano arrasta-se pela planície, numa espécie de prece melancólica, com tons escuros. Do outro lado da raia alentejana, a exuberância das sevilhanas, cheias de cor, traduzem uma invejável alegria de viver."
"Apesar de estarem tão próximos, há aqui uma clara diferença de personalidades entre alentejanos e andaluzes, que chega a ser perturbadora".
Pois é. Factos para meditar. Lembro-me do vivo interesse que me despertou há anos a leitura de Francisco Cunha Leão, tanto em "O Enigma Portugês" como no "Ensaio de Psicologia Portuguesa" (obras maiores, ainda disponíveis na Guimarães Editores) e confesso que esse mistério intrigante que é o ser português permanece em aberto.
Excepto para os tolos, que sabem sempre tudo e têm sempre a certeza de tudo.

Autárquicas à vista

Já tinha escrito aqui que nas actuais condições, com o impulso das legislativas a fazer-se sentir nas autárquicas marcadas para Outubro, o Partido Socialista está em posição de arrasar a concorrência.
No Alentejo a conjugação dos diversos factores pode significar o descalabro do Partido Comunista. Recordo que segundo os resultados das legislativas a CDU só conservaria o primeiro lugar num único município, Avis.
Será o PS capaz de aproveitar a sua oportunidade histórica? Logo à medida que começar a ser conhecida a organização das listas poderá ter-se uma ideia.
Ainda nem foram nomeados os novos governadores civis; deixem-nos começar a trabalhar...
Porém, duas notícias divulgadas nos últimos dias parecem indiciar que a direcção do PCP parece ter feito a sua escolha interna: antes não ganhar que ganhar com gente duvidosa. E esta decisão favorece naturalmente o PS, e facilita o trabalho de quem neste tiver o encargo de organizar as candidaturas nos distritos alentejanos.
As notícias a que me refiro são a exclusão das candidaturas dos presidentes de Beja, Carreira Marques, e do Redondo, Alfredo Barroso. Duas figuras consensualmente tidas por ganhadoras, dois municípios que o PCP governa há trinta anos.
O PCP, para não valorizar potenciais dissidentes, resolveu cortar essas hipóteses. Abdica assim da única capital de distrito onde ainda domina a Câmara, e de um Concelho onde sempre teve a maioria, oferecendo-os de bandeja ao PS.
E este caminhpo abre para outras portas: Vendas Novas? Montemor-o-Novo? Alvito? O que se seguirá?
Estará o PCP disposto a ficar só com Avis?

sábado, março 12, 2005

Quem governa em Portugal?

Depois de ter estado a ler o Nova Floresta, o Estrago da Nação e o Portugal Profundo fiquei seriamente perturbado.
Aconselho a que leiam tudo, e vejam as linhas com que se cosem pareceres de Freitas, sobreiros de Benavente, e governos pré-socráticos e pós-sócráticos - tudo unido na graça do Espírito Santo.
E eu a lembrar-me que ainda ontem me fartei de ouvir nos telejornais os narradores das peças dedicadas ao 11 de Março (de há trinta anos) explicarem que tinha sido a data em que as transformações operadas na economia portuguesa tinham posto fim ao domínio de não sei quantas famílias (que tudo tinham e em tudo mandavam...).
Desconfio que as famílias agora são menos e mandam mais.

Aveiro capital da gaita-de-foles

Neste mês de Março Aveiro vai receber o XV Campeonato da Liga Galega de Bandas de Gaitas, um evento que vai juntar 4.000 gaiteiros, provenientes de Portugal e Espanha.
No programa consta ainda o lançamento de um livro que homenageia os músicos de raiz popular galaico-portuguesa e a realização de uma exposição sobre este instrumento secular.
Este acontecimento inédito vai realizar-se no fim-de-semana de 19 e 20 de Março, sábado e domingo.
No sábado 19 está previsto o lançamento do livro «Cantares da Cega do Covelo», nos Paços do Concelho, pelas 15 horas, seguindo-se a inauguração da exposição «Gaita-de-foles», do Museu Internacional de Cornamusas de Ourense.
Ainda no sábado, e com partida do Rossio pelas 17.30 horas, realiza-se o desfile de cerca de uma dezena das bandas participantes.
No dia 20, domingo, às 11 horas, realiza-se o campeonato propriamente dito, na Praça da Fonte Nova.
Causas de regozijo para todos os interessados na preservação das raízes e memórias, de que saliento neste campo a meritória Associação Gaita de Foles.

Mais do "Expresso"

Nesta altura já os pacientes leitores estão aí a dizer que passei boa parte da manhã a divertir-me com o "Expresso".
E concluem muito bem, que há passagens em que nem se percebe se o jornal é humorístico de propósito ou se aquilo é inconsciente, as piadas saem-lhe sem dar por isso.
Ainda na primeira página, destaco mais um título: "Edite Estrela e Ana Gomes descontentes com Governo".
Eis um daqueles títulos que dispensa qualquer um de ler o texto da notícia... ou algum dos leitores tem dúvidas sobre as razões do descontentamento de tão excelentes senhoras?
Se não perceberam podem ir ler. Mas nesse caso sugiro que tentem contar até dez, e se não conseguirem marquem já a consulta no neurologista.

Bush sossegado

O título principal da primeira página do "Expresso" deste sábado, a letras gordas, tranquiliza o mundo: "SÓCRATES SOSSEGA BUSH".
Ao que parece, o estadista que ditosamente temos à frente dos destinos da Pátria já aliviou as aflições do presidente americano quanto à política externa portuguesa.
O pessoal da Casa Branca andava preocupado: Bush nestes últimos tempos nem dormia.
E sabe-se lá o que o homem podia fazer, assim mal dormido.

Persistir na Causa

Afastado do pesado fardo de parlamentar (facto em si mesmo rico de promessas, e que devia valorizar pelos seus aspectos positivos) o bloguista António Maria compromete-se a manter o rumo: passou daqui para ali, tal como antes tinha passado daqui para ali.
Sempre Por Causa d'Ele.
Pela nossa parte ficamos a contar com o António Maria. Agora mais do que ontem, precisamos dele.

Saraiva e a História

O editorial do "Expresso" de hoje é dedicado ainda à transcendente questão do retrato de Freitas.
Solene e pomposo, o pequeno arquitecto faz doutrina: "Sempre discordei das alterações dos nomes das ruas ou das pontes e das deposições das estátuas de figuras políticas quando os regimes mudam".
Não sabíamos, mas se o diz certamente é verdade; podia era ter desabafado há mais tempo.
Ficamos certos que o "Expresso" não voltará a chamar nomes feios à Ponte Salazar.

sexta-feira, março 11, 2005

Presença de Lima de Freitas

É tempo de lembrar Lima de Freitas, uma das mais marcantes personalidades artísticas da segunda metade do século XX português (e a meu ver o único grande discípulo de Almada, na pintura e na permanente inquietação espiritual).
Está ainda disponível ao público uma exposição de diversas obras do pintor que pode ser visitada de terça-feira a sábado, das 14.00 às 20.00 horas, até 12 de Março, na Galeria Corrente d'Arte (Av. D. Carlos I, 109, em Lisboa).
Podem portanto aproveitar este sábado para passar por lá.
E foi editado um novo livro reunindo diversos ensaios do pensador e filósofo, "Lima de Freitas - Um Caminho Secreto", publicado pela HUGIN, obra organizada e prefaciada pela crítica literária e ensaísta Maria João Fernandes e em cujo projecto colaborou o pintor e poeta Gonçalo Salvado.
A obra integra importantes ensaios de Lima de Freitas que nunca haviam sido publicados: "A Barca e o Espírito Santo", a "Iconografia do Espírito Santo e os Painéis", "O Culto do Espírito Santo e o Imaginário Lusitano", "Os Três Espelhos e a Beleza Paraclética" e o projecto para um livro subordinado ao tema "Introdução ao Hermetismo na Arte Portuguesa", que, em si mesmo, conforme acentuou Pinharanda Gomes, é o grande desafio feito por Lima de Freitas às novas gerações.
A sessão de lançamento do livro traduziu-se numa homenagem em que participaram o filho do pintor, José Hartvig de Freitas, as professoras universitárias Teresa Rita Lopes e Maria João Fernandes, o crítico Pinharanda Gomes e o editor José Manuel Ferreira.

Contra o iberismo, pela aliança peninsular

Um magnífico ensaio de Rafael Castela Santos publicado na "Casa de Sarto". Enorme, ostensivamente violentador dos limites impostos pelas regras bloguísticas - mas essencial.
Depois da colectânea reunida por Manuel Alves no Unica Semper Avis, eis outro contributo indispensável para uma compreensão actualizada da problemática da península.

A direita, as direitas e a esquerda

Como diria o Jaime Nogueira Pinto, já na sua fase reflexiva e sorumbática, a direita é o conjunto das direitas, as que lembramos e as que esquecemos.
A frase era do velho Prezzolini, e serviu de mote a pelo menos um dos números do "Futuro Presente" (em que aliás foi publicada uma entrevista do autor da "Vida de Maquiavel", concedida originalmente a "Il Borghese" e conduzida em diálogo por Cláudio Quarantotto).
E verifica-se efectivamente que isto das direitas, para além de cada um ter a sua, ainda tem o condão de aquecer um tanto os debates - pese embora a circunstância paradoxal de tais debates serem crescentes quando os votos são minguantes.
Eu não gosto de debater direitas, fico sempre com a sensação que é mais o que se esquece que o que se lembra, mas gosto de observar.
Decorrem estas considerações da leitura dos comentários, sem dúvida pertinentes e interessantes, que foram colocados a enriquecer o meu último texto, sobre a "direitização" do CDS proposta por Matos Chaves.
Significa a vivacidade dessas reacções que a direita se move? Ou que as direitas se fecham e enclausuram e autolimitam?
Eu não sei, e não sei se alguém saberá.
Para já, limito-me ao papel de observador interessado.
Dei conta da movimentação de Matos Chaves no partido mais à direita do painel parlamentar.
Sigo com atenção o que faz o partido de Manuel Monteiro, que poderá ter muito a dizer sobre esta candidatura de Matos Chaves. O PND, aliás, tem em linha um jornal digital de qualidade, o Democracia Liberal, que nos permite acompanhar o que se pensa por aqueles lados.
E acompanho também o que se passa no terceiro dos partidos presentes nos últimos actos eleitorais a disputar um eleitorado à direita: o PNR.
Este procura pouco a pouco alcançar o que lhe falta: consolidar-se e implantar-se, criar núcleos e raízes. Esta movimentação é particularmente visível na própria internet: sigam-se as ligações Santarém, Europa, Coimbra, Portimão, Lagoa, Porto, e percebe-se que há ali uma estratégia coerente, pensada e articulada.
Nada garante que haja executantes capazes (por vezes há guitarras mas faltam as unhas, e para levar este concerto a bom termo é preciso ter gente e ideias, o que nem sempre há), mas estratégia pensada, ao menos por parte de alguns, é patente que existe.
E terá futuro a direita, no seu conjunto ou através de alguma das direitas? A este respeito, que é apenas domínio da futurologia, estou em grande medida com o essencial das opiniões de Fernanda Leitão. Tudo depende muito das próprias direitas.
E não vale a desculpa das esquerdas. Se estas têm tudo, desde a procuradoria ao patriarcado, desde os jornais às universidades, desde os sindicatos aos patrões, desde o governo à oposição, é porque tudo conquistaram, numa longuíssima guerra de trincheiras. Quem quiser e for capaz, terá que fazer o mesmo percurso.