(para o
Movimento Mobilização e Unidade dos Professores)
Gerou-se discussão generalizada a propósito do vídeo sobre a trágica vida das escolas que ontem foi divulgado. Não é verdade que da discussão nasça luz, e muitas vezes dela só sai algazarra, mas talvez os factos e o impacto emocional obriguem a uma reflexão mais aprofundada sobre os problemas que as nossas gerações enfrentam.
Estes em concreto poderiam ser grandemente evitados com recurso apenas a uma dose normal de bom senso, ou simplesmente de senso comum, que nem sempre é a mesma coisa mas aqui também serve.
Para já, o que vou ouvindo não é muito animador. Ainda agora estava ali na televisão a declamar vacuidades um conhecido passarão que se atirava aos pais, que o drama estava todo nos pais e nas famílias que não dão educação aos filhos, coitadinha da rapariga e das criancinhas todas em geral… Ora aqui está, pensei, uma boa forma de usar uma realidade para esconder outra…. E lá sai ilibada a pequena energúmena!
É verdade que hoje em dia os pais e as famílias se demitem do seu dever de educar os filhos, por variada ordem de razões. Desde logo pelas habitualmente apontadas, que se relacionam com as dificuldades objectivas das suas vidas, e sobretudo pela mais óbvia e por isso menos referida, que é a hostilidade radical da mentalidade actual a qualquer princípio de autoridade e a qualquer ideia de responsabilidade.
Com efeito, o que acontece não se deve a qualquer desinteresse ou afastamento da parte dos progenitores. Ao contrário, os pais de agora procuram dar aos filhos o que a eles nunca foi dado. E não me refiro só a telemóveis… Todos sabemos até que ponto chegam os sacrifícios das famílias para que os seus rebentos tenham tudo, tanto o que precisam como o que não precisam. O que mais se vê são os casos de endividamento absurdo e de sacrifício extremo dos progenitores, só para que aos filhos não falte nada. Pode dizer-se sem receio de errar que desse ponto de vista a geração dos pais actuais vai muito mais longe dos que as que a antecederam, e que os filhos de agora beneficiam de um tratamento privilegiado como nunca se viu, até idades inimagináveis ainda há poucos anos.
O que não recebem é educação… mas como poderiam receber se as ideias dominantes, mais imperativas do que as sagradas escrituras, condenam a autoridade paternal, fonte e matriz de todos os autoritarismos, e estatuem como dogma que as crianças não podem ser contrariadas e devem desenvolver-se e crescer sem coacções estranhas, ao sabor de não se sabe que impulsos naturais?
A súbita condenação sumária das famílias tem como consequência imediata a desresponsabilização individual dos prevaricadores, esta e quaisquer outros. Afinal, e como sempre, eles não são mais do que aquilo que fizeram deles…
Importa dizer frontalmente que isto está errado, e tão perniciosa será a mania de atirar as culpas todas para os pais como a de ignorar as suas responsabilidades.
As famílias são responsáveis, evidentemente, e devem assumir plenamente as suas funções educativas. E ao mesmo tempo é preciso aceitar que por cada acto individual há um responsável individual, e o único princípio saudável de educação é colocá-lo perante a sua própria responsabilidade. Se explicarmos agora à adolescente do vídeo que afinal a culpa é dos pais, e da sociedade (que ainda é um culpado melhor porque até é anónimo e impessoal) ela certamente vai agarrar-se à explicação que tanto jeito lhe fará à consciência. O que não acontecerá de certeza é ela arrepiar caminho e endireitar o que possa ainda endireitar-se.
No fundo, a explicação última disto tudo é a mentalidade absurda que leva a que pacificamente se proclame que uma jovem de 16 anos deve ter plena liberdade para tomar a pílula, para abortar, para casar, para negociar e contratar, até para votar (há propostas nesse sentido de blocos representados no parlamento) – mas quando se porta mal a culpa é sempre dos outros, ela é apenas uma criança, uma personalidade em formação.
Esta sociologia tem tanto sucesso que até encheu as faculdades de Direito, e até se implantou nas cadeias: não há delinquente que ao ser ouvido não aproveite para recordar que se ele é aquilo que é e fez aquilo que fez foi porque a sociedade o fez assim…
É preciso rejeitar esta diluição do conceito de responsabilidade individual, sem o que não será possível fundamentar qualquer ética de responsabilidade.
Toda a gente conhece péssimos pais que vieram a dar ao mundo filhos exemplares a muitos títulos, e pais excelentes, e infelizes, que apesar de todos os esforços vieram a criar execráveis patifes.
Em resumo, não deixemos de acentuar as responsabilidades que cabem às famílias, mas não usemos isso para excluir a responsabilidade de cada um naquilo que faz. A cada qual a sua responsabilidade. Só deste modo é possível erguer efectivamente famílias, escolas e indivíduos capazes de ocupar dignamente o seu lugar na sociedade.