quarta-feira, dezembro 31, 2008

Blogosfera

sexta-feira, dezembro 26, 2008

No dia seguinte

(por Nuno Rogeiro)

No dia seguinte ao Natal, cai-nos a realidade em cima. O país real definha, o país irreal prospera. Até amanhã, mas não depois. A Banca arruinada pede dinheiro ao povo. O povo arruinado pede dinheiro ao Estado. O Estado arruinado pede dinheiro à Banca arruinada que pede dinheiro ao povo. E aí por diante, até Bruxelas, onde a Europa em crise parece próspera, face ao resto do mundo, pendurado no cadafalso.
Encontro NB, numa fila de compras, que faz lembrar as intermináveis linhas humanas de Moscovo, mas agora com bens nas vitrinas. É a vantagem do não-comunismo. Apresento o meu A ao NB: aquele é guitarrista a sério, a começar, este fez de guitarrista no cinema, no intervalo de mais um admirável retrato de polícia reformado, mas com dedo para analisar a alma do homem.
Falamos de tudo. Do facto de Portugal não ter chama, apesar de ter muitos fogos. Das dívidas do Estado e das dívidas ao Estado. Da parede que nos parece separar do futuro.
Pelas frestas da conversa, vem o Pessoa e a Mensagem, e o nevoeiro nacional.
Tudo parece provisório e ilusório. Tudo é partido, nada é inteiro. E etc..
Claro que lá fora é tão mau, ou pior. Nas igrejas, lembra-se, com propriedade, que o espírito sobrevive à crise dos agiotas, e que será o espírito, a reflexão, a introspecção, o exame de consciência, e a invenção intelectual, que nos forçarão a retornar à humanidade.
Em Wall Street, o GM, que me convida para a posse de Barack Obama, diz que a América - dos automóveis aos filmes, dos bancos aos restaurantes de comida rápida - há-de produzir milhões de desempregados, que irão mudar de pele, mudar de vida, e recomeçar com outro nome.
Já vimos isto. Aquilo que existe nos EUA, seja social-democracia, seja capitalismo, seja república social, seja outra coisa, já morreu e já renasceu várias vezes: demasiadas para nos podermos lembrar.
DL fala de Bruxelas. Feliz Natal por lá, horas antes de o Menino ter olhado para as estrelas, percebendo pela primeira vez o mistério da carne finita, habitada pela inteligência eterna. Na Bélgica, compra-se em massa, e ninguém verdadeiramente pensa no que vai suceder em 2009. Pode ser o Dilúvio, pode ser a salvação.
Com o A, ladeados pelo J e pelo PC (que discorrem, parece, sobre o amor da África), falamos sobre a Hungria, e os outros grandes países da Europa, que vivem com milhões fora das suas fronteiras: Alemanha, Polónia, Alemanha.
O que seria, se o compromisso da EU se dissolvesse, e regressassem todos às querelas antigas? A Croácia e a Eslovénia pela Baía de Piran, a Hungria e a Eslováquia pelas minorias sem direito à língua, a Turquia e a Grécia pelo Chipre, Espanha e o Reino Unido por Gibraltar, a Alemanha e a Polónia pelo "espaço vital" de Hitler, feito espaço vital de outros, a Rússia e os restos do império por colinas, e rios e fronteiras, os reinos de todos contra todos e as legiões que chegam aos abismos.
Como seria? Povos refilando com povos, tribos lembradas de ofensas lendárias, mitos servidos quentes ao pequeno-almoço.
Passo em revista, com a B, o eterno Médio Oriente. Israel e Palestina sabem que, de Washington, não virá mais nem o Messias, nem um bode expiatório. O novo realismo americano terá consequências.
E a Guiné Conakry? Foi descolonizada a tempo e horas, com civilidade, segundo os ventos da história. Não tem tido conserto, e a culpa não é dos antigos patrões.
No dia seguinte, o mundo é o mesmo. E quanto mais muda, mais parecido fica.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Feliz Natal e Bom Ano Novo


Para todos os que nos lerem, Feliz Natal e Bom Ano Novo.

terça-feira, dezembro 23, 2008

O impasse da partidocracia

"Todos os partidos estão em crise. Todos! (...) E há um número muito elevado de pessoas que não se reconhecem em nenhum partido e há uma descrença na vida política enorme. Se houvesse possibilidade de candidaturas independentes nas legislativas, os resultados eleitorais seriam muito diferentes. O PS e o PSD estão profundamente misturados com interesses, pequenos, médios e grandes (...). Temos hoje um grave problema de corrupção no sistema político. As estruturas partidárias estão muito envolvidas em mecanismos de interesses, pequenos interesses ao nível local, de lugares, de benesses. E dentro dos partidos não há forças poderosas para darem a volta (...)."

José Pacheco Pereira, entrevista ao Público, 21.12.08.

Salazar e a psicologia nacional portuguesa

"Excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção. A própria facilidade de compreensão, diminuindo-lhe a necessidade de esforço, leva-o a estudar todos os assuntos pela rama, a confiar demasiado na espontaneidade e brilho da sua inteligência. Mas quando enquadrado, convenientemente dirigido, o português dá tudo quanto se quer...
O nosso grande problema é o da formação das elites que eduquem e dirijam a Nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional. Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes - governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes do trabalho, operários especializados - indispensáveis à nossa completa renovação. Considero até mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.
"

António de Oliveira Salazar, in "Homens e Multidões", de António Ferro.

"Para o bom português, meus Senhores, a carreira verdadeiramente ideal é aquela que não exija preparação e em que se não faça nada sob a aparência de que se faz alguma coisa. (Porque em suma ele envergonha-se de o chamarem preguiçoso). Ora desde os tempos em que Spencer, um pouco irreverentemente, é verdade, vinha declarar que, «exigindo-se uma longa aprendizagem para se fazerem sapatos, não era precisa nem pequena nem grande para se fazerem leis», o caminho, hão-de concordar, estava naturalmente traçado. Demais aquele velho Aristóteles, que foi filósofo na antiga Grécia, escreveu ingenuamente um dia que a política era a dificílima arte de os indivíduos governarem os povos. Já lá vão séculos porém. O tempo tudo altera; alterou também a ideia: hoje é a mais fácil arte de os povos governarem os indivíduos."

António de Oliveira Salazar, in "Inéditos e Dispersos Políticos".

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Quadratura do Círculo

Falando no programa de televisão em que tem assento, António Lobo Xavier desabafou que já duvida se ainda "faz parte" do CDS. Eu não tenho dúvida nenhuma: ele "faz parte" quando lhe convém, e "não faz parte" quando as suas conveniências assim o aconselham. Foi sempre assim.

José Campos e Sousa, em primeira Pessoa

Para conhecer José Campos e Sousa, temos este Acto de Confissão.
Um Bom Natal.

domingo, dezembro 21, 2008

Esmeralda Sim

"Alimentada pelo populismo mais vulgar foi-se criando uma distinção que, a estabelecer-se no domínio público sem reservas, pode ter um papel sinistro na vida das famílias, entre “pai biológico”, uma espécie menor, e o “pai afectivo” ou do “coração”, o do verdadeiro pai."
A acompanhar: Esmeralda Sim.

sexta-feira, dezembro 19, 2008

"O coma da alegada Direita"

"Só uma coisa está ainda em estado mais comatoso do que o país: a alegada direita partidária, a direita geométrica, a que por mero acaso das cadeiras que não das ideias se senta à direita do PS no hemiciclo parlamentar, vulgo PSD e CDS."
(A ler, no Tomar Partido).

quinta-feira, dezembro 18, 2008

José Campos e Sousa

A propósito do recente lançamento de um novo CD de José Campos e Sousa, sobre os versos de Pessoa, lembrei-me de ver o que teria guardado no computador com a voz do nosso amigo. Encontrei apenas estes quatro exemplos, aliás de desigual qualidade. Na última, gravada ao vivo certa noite no Saldanha, destaca-se também outra voz amiga: o VL, agora também blogador por aqui. Alguém que seja capaz de fazer uns videos para o Youtube!...


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quarta-feira, dezembro 17, 2008

Prenda de Natal

O regalo a que refiro é o surgimento de um novo blogue, O Cacique, que logo a abrir me saudou com palavras por demais lisonjeiras.
Feliz seria eu, se me pudesse ver como o semeador que um dia vê florir as sementes que lançou. Grato fico, porém, só com a referência generosa e amiga.
E gratificante também foi o reencontro, que me proporcionou, com José da Gama e Castro. Tenho especial gosto e apreço pelo autor do "Novo Príncipe". Lembro-me, como se fosse recente, do meu primeiro contacto com a escrita do inditoso exilado. Era eu ainda jovenzinho e passeando sob as arcadas do Terreiro do Paço, a ver os livros que por ali displicentemente se estendiam, avistei um pequeno alfarrábio com a indicação da autoria do prestigioso tratadista político, por mim já conhecido da forma que em tribunal me vedaria falar sobre ele: só o conhecia de ouvir dizer. Trouxe comigo o volumezinho, era o Diário da Emigração para Itália, e foi um deslumbramento pela descoberta, sobretudo, do estilo. E o estilo é o homem, dizia não sei quem.
O "Diário da Emigração para Itália" é uma breve descrição da passagem do autor para lugares mais seguros, desde a altura em que embarcou em Lisboa, "estando em muito boas esperanças de ser enforcado nela", até ao seu estabelecimento nos domínios pontifícios, sob os céus protectores da velha Roma. Pelo meio, uma atribulada e sofrida viagem, em que os homens e a natureza pareciam conjurar-se para perdição dos pobres viajantes. Mas ainda sorrio quando me lembro do capítulo "De como comemos o primeiro gato..." O espírito de Gama e Castro consegue tornar uma delícia, se não o azarado bichano, ao menos o que poderia ser a leitura de um opúsculo banal.
Outros gigantes da cultura e do pensamento português produziu essa desgraçada geração de vencidos: penso em Acúrsio das Neves, em Ribeiro Saraiva, no Visconde de Santarém, mesmo em José Agostinho de Macedo. Porém, a graça e a elegância da escrita de Gama e Castro são só dele, únicas e inimitáveis.
Fez bem O Cacique em recordar-nos as palavras preambulares de Gama e Castro no "Novo Príncipe", que até parecem escritas a propósito, primeiro das frequentes introspecções sobre o que me trouxe aqui, e depois de certa recorrente polémica blogosférica sobre o anonimato.
Aqui as dou a ler aos meus visitantes, e digam-me depois se a final não ficam a matar na malfadada e inútil controvérsia. Eu diria pior, mas o que eu queria dizer era isto.
"Não foi o prurido de escrever que deu origem à publicação desta pequena obra; foi o desejo sincero de fazer bem, e aquela convicção íntima de que deve estar possuído todo aquele que faz públicas, pela imprensa, as suas opiniões. Ao ver sofismadas, ou esquecidas, muitas verdades essenciais ou importantes, um sentimento de indignação me fez conceber o projecto de destruir as sugestões da Cabala, e de dar rebate aos portugueses alucinados dos perigosos desígnios da Propaganda. (...)
Por toda a parte subordinei a elegância à clareza; quando se escreve para convencer, a todo o momento é necessário sacrificar a música da linguagem, porque poucas vezes se pode conciliar o interesse da inteligência com a satisfação do ouvido. Numa coisa, porém, empenhei principalmente todo o cuidado; foi em que o livro não me saísse pejado de capítulos ociosos, donde o leitor não tirasse mais fruto do que o trabalho de os ter lido. Não há coisa de que tanto medo eu tenha, quando escrevo, como de que digam de mim o de que alguns livros do seu tempo dizia o nosso primeiro clássico: "Enquanto os eu vou lendo, bem os entendo; mas depois que os acabo de ler, não sei o que me disseram".
Não quero dizer quem sou. Os trabalhos de um homem obscuro apenas podem interessar, quando muito, aos seus amigos, e nem ao menos gozam do prívilégio de poderem servir aos outros de exemplo. Se nesta obra se encontrarem verdades dignas de adaptar-se, não perderão o que valem por ser desconhecida a pena donde saíram. E se nada se contém nela que digno seja de aproveitar-se, de que serve expor um nome desconhecido aos tiros da inveja que, quando morre, deixa sempre depois de si a calúnia que nunca morre?"


Obrigado, e um abraço a'O Cacique!

terça-feira, dezembro 16, 2008

Procura-se

"Há um povo órfão da Direita. Há um povo que é de uma Direita que se recusa a compreender-se e a compreendê-lo. Há um povo, concluiria, que aguarda uma Direita popular no discurso, conservadora e patriótica nos valores e solidária na economia..."
(No Inconformista)

segunda-feira, dezembro 15, 2008

O CDS de Portas

Menos militantes, menos votos, menos deputados, menos autarcas.

domingo, dezembro 14, 2008

Os cromos da bola

"Vivi em Évora, durante os anos lectivos 1951/52 e 1952/53, a feliz coincidência de duas épocas fascinantes do futebol local, que corresponderam à luta ombro-a-ombro entre o Lusitano e o Juventude pela subida à 1.ª Divisão e, depois de ter vencido tal confronto, à estreia do Lusitano entre os “grandes” do nosso pontapé-na-bola. O onze do Juventude, campeão nacional da 3.ª Divisão na época anterior e dotado de uma equipa fantástica, onde actuava o antigo guarda-redes do Benfica, Rogério Contreiras, mais Casimiro, Lampreia, Buccheli, Pinto de Almeida, Passos ou os fabulosos irmãos Mendonça, dera uma séria e digna réplica ao seu rival da cidade... e, em boa verdade, mereceria mais a promoção!"

sábado, dezembro 13, 2008

Lançado novo CD de José Campos e Sousa

A reportagem, por Ana Vidal:

"Numa sala gelada do belíssimo Palácio da Independência, ali ao Rossio, com cadeiras de plástico cedidas pela Câmara Municipal de Lisboa (de tal maneira velhas e em mau estado que várias se partiram, fazendo cair no chão, com estrondo, alguns dos assistentes mais volumosos), assisti ontem ao lançamento de um CD curioso: "Mensagem - À Beira-Mágoa", de José Campos e Sousa. São 18 poemas da Mensagem de Fernando Pessoa, musicados e cantados por um bardo injustamente esquecido da nossa praça, cuja voz densa, bem colocada e cheia de belas ressonâncias ombreia sem vergonha com as dos grandes cantores franceses dos anos 60, Brassens, Ferré ou Reggiani. Foi bom ouvi-lo, nestes tempos de míngua identitária, sobriamente acompanhado pelo som dolente da sua própria viola e por aquela magnífica intensidade que há nas palavras de um Pessoa messiânico e visionário, apelando ao que de mais nobre temos, como povo."

Amália, o filme


Ainda não ouvi opiniões. Alguém já viu?

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Votar até acertar

A VERGONHA DE BRUXELAS. Por Jorge Ferreira.

E, depois, logo à noite, não sai a reportagem!!!

Uma escola de governo, ou uma escola de jornalismo?

Relapsos e contumazes

Deputados voltam a faltar à sexta-feira
«A Comissão do Orçamento e Finanças, agendada para as 9h30 desta sexta-feira, não se realizou por falta de quórum. Faltaram seis deputados do Partido Socialista, três do Partido Social Democrata e um do Bloco de Esquerda. Segundo a agenda da Assembleia da República estava previsto "apreciar e votar o Requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, solicitando a audição do Governador do Banco de Portugal, a fim de prestar esclarecimentos mais aprofundados sobre a operação de apoio financeiro ao BPP".»
Quem é que julgava que eles iam ganhar vergonha?

quinta-feira, dezembro 11, 2008

A direita bem paga

Ontem à noite, na SIC notícias, entrevista de Luís Nobre Guedes. Ficamos a saber que «Sócrates é um bom primeiro-ministro», que «é bom na política» e boas «as medidas para a economia». Que é necessária a união de todos na crise e é necessária a maioria absoluta e que a melhor será uma do PS com os centristas.
Ontem à noite na SIC notícias, falava-se do anúncio da nova auto-estrada de Bragança (que tinha sido o pretexto para mais um momento Chávez do nosso primeiro). Falou Miguel Relvas, pela direita, para defender os gastos necessários, as virtudes do investimento público, a política do aprofundamento das dívidas.
Entretanto na Associação Cristão de Empresários, João Talone explicava como a actuação governamental mais recente perante a crise tem sido acertada, dando como exemplo as medidas para o sector bancário (nomeadamente no caso BPP, em que o executivo de Sócrates teve uma "abordagem correcta"), mostrando-se apoquentado por ser tão «complicado explicar essa decisão aos portugueses».
Escolhi estes exemplos para lembrar aos distraídos uma evidência: alastra o deslumbramento perante José Sócrates entre uma certa direita portuguesa. Precisamente, é a direita bem paga.

Genialidades neo-direitistas

Hoje parece ter ficado definitivamente arrumada a velha discussão sobre a esquerda e a direita: Pedro Lomba escreveu sobre isso.
Ficou assente que "as convicções políticas de quase todos nós dependem de sermos bem ou mal pagos". A explicação para a dicotomia era afinal bem simples: quem é mal pago é da esquerda e quem é bem pago é da direita.
Mal me atrevendo a beliscar tão geniais locubrações, encontro-lhes desde logo uma notória falta de originalidade: embora envolta em melhores roupagens, sempre foi essa a tese defendida pela esquerda. O que não afecta a sua bondade, obviamente: ao contrário, a convergência entre o pensamento de Lomba, autosituado à direita, com a ortodoxia esquerdista só pode significar a aceitação universal do axioma.
Embora aturdido e humilhado (as grandes ideias são assim, acontecem sempre aos outros, e desta nunca me tinha surgido nem faísca), mantenho todavia algumas perplexidades. Por exemplo, se o Pedro Lomba, que é de direita, ao que tem dito, partilha essa visão com a esquerda, teremos que concluir que aquilo que os distingue é apenas o facto de ele ser bem pago e os que são de esquerda serem mal pagos? Apetece perguntar, neste ponto, a partir de quanto ($$$) é que alguém é de direita... Ou se intervêm outros factores na distinção, além dos quantitativos - por exemplo se se disser que alguém é de direita a partir do momento em que se sente bem pago já estamos a afastar-nos perigosamente da tese de Lomba, interpretada no sentido objectivista que parece ser o seu.
Mas ocorre-me também que além de Pedro Lomba o único português que se tem declarado bem pago (não me lembro de mais nenhum caso) é o Dr. Vítor Constâncio. E este disse sempre que era de esquerda. A tese de Lomba, quer se interprete com um sentido objectivo ou subjectivo, implica então que o Dr. Constâncio não tenha razão, e seja, afinal, de direita, sem saber? Ou existe algum outro critério, que não o ser bem pago, para distinguir a posição política de Lomba e de Constâncio?
Fiquei também intrigado com outros pormenores (que não podem ofuscar certamente o brilho do pensamento lombar, nem por sombras). Por exemplo, quando Lomba, compreensivelmente preocupado com o crescimento do esquerdismo em Portugal, e nomeadamente com a ameaça eleitoral do Bloco de Esquerda, avança com a solução que decorre logicamente da sua fulgurante doutrina: se querem acabar com o Bloco, aumentem os salários. Ele não diz expressamente, mas temos que depreender, a partir dos pressupostos teóricos da proposta, que se trata de aumentar os salários de todos os que se propõem votar no Bloco de Esquerda. Só para esses é que se justifica o programa, os que já são de direita é porque são bem pagos. Por acaso nunca tinha notado, nas minhas observações do universo social português, que os simpatizantes do Bloco de Esquerda pertencessem a grupos particularmente mal pagos da nossa população, mas quem sou eu para duvidar das genialidades de Lomba. Só gostava que ele concretizasse, visto que adianta essa tão generosa como revolucionária proposta política, esse verdadeiro ovo de Colombo, de quanto deveria ser o aumento para todos os potenciais votantes do Bloco de Esquerda, a fim de os afastar de tão nefasta tentação, e se esse aumento devia ser igual para todos ou diferenciado conforme os graus de adesão (menos para os simples votantes, um pouco mais para os simpatizantes, mais ainda para os militantes, e substancialmente mais para os dirigentes, que custam evidentemente mais ($$$) a libertar-se do esquerdismo em que estão, dado o seu grau de envolvimento na esquerdice - o que deve significar um nível ainda mais dramático de carências, como é evidente quando se olha para o ar famélico de Louçã ou de Fazenda).
Estas fantásticas teorizações lombares convergem também com a mundivisão dos redactores dos nossos jornais e telejornais, como é bem notório nos relatos das recentes turbulências na Grécia (ou noutros acontecimentos semelhantes, desde o Maio de 68 às crises universitárias um pouco por todo o lado). Tudo radica, adiantam-nos eles sem pestanejar, no acentuar do fosso entre ricos e pobres, que despoleta o mau estar e a revolta que se evidenciam nessas desordens. A um olhar realista ressalta que se há ricos e pobres nessas histórias eles em geral estão nas posições contrárias ao que seria de esperar nesse esquema. Como dizia o outro, filhos do povo são os polícias, não são os universitários. Estes tumultos parecem muito mais bravatas de filhos-família do que propriamente revoltas de desfavorecidos da sociedade. Mas quem somos nós para perturbar os esquemas mentais de quem tão poderosamente faz a chuva e o bom tempo, e dita as regras do pronto-a-pensar....
O que nos espanta, sinceramente, é que haja quem pague por isto.

José Campos e Sousa

O longo itinerário de um cantautor, desde os tempos da "Banda do Casaco" até aos recentes trabalhos sobre a melhor poesia portuguesa, passando pelo empenhamento político: José Campos e Sousa n'A Voz Portalegrense.

Clint Eastwood

Na Cinemateca, começa o ciclo Clint Eastwood.
Eu concordo com Eurico de Barros: "Clint Eastwood é um dos mais sólidos, imponentes e duradouros ícones do cinema".
Uma boa razão para ir à Barata Salgueiro.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Na sexta-feira: José Campos e Sousa canta Fernando Pessoa


O lançamento do cd "Mensagem À Beira-Mágoa" de José Campos e Sousa terá lugar no Auditório da SHIP, no Palácio da Independência, sito no Largo de São Domingos, na próxima sexta-feira, dia 12, às 21 horas, onde o autor apresentará a sua última produção.
A obra visa celebrar o 120.º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa.
O preço do cd é de 17€ e pode ser comprado no Antiquário Câmara dos Pares, na Rua de S. Bento, em Lisboa, ou pedido para largodocarmo@gmail.com.

Nos cem anos de Olivier Messiaen

Nasceu a 10 de Dezembro de 1908, e é um dos prodígios musicais do século XX. Olivier Messiaen.
O centenário tem sido assinalado em Portugal: concertos no CCB, na Sé de Lisboa, na Casa da Música no Porto. E também em Évora, no Convento dos Remédios.

A Real Ópera do Tejo


Visitando um espaço mítico da Lisboa de antes do terramoto: a Real Ópera do Tejo, ou a mais bela casa da música da Europa... que viveu apenas sete meses.
Leia ainda: A Ópera e o Palácio do Tejo.

Terra Portuguesa

Destaque para hoje: TERRA PORTUGUESA.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Humor parlamentar

«Plenário só às terças, quartas e quintas-feiras para evitar as faltas dos deputados». A ideia é de Guilherme Silva, ex-líder parlamentar do PSD, que esta terça-feira comentou a polémica da passada semana.
Guilherme Silva explica que os deputados estão deslocados de casa e que as faltas à sexta-feira indicam que os parlamentares regressam às suas famílias mais cedo, o que poderia ser evitado com outra agenda na Assembleia da República. «É preciso não esquecer esta componente humana, uma vez que o Parlamento tem deputados de todo o país».
Nós aplaudimos a ideia de Guilherme Silva.
Desde logo, acabavam de todo as faltas às sextas-feiras e às segundas-feiras, cessando o escusado falatório que daí tem resultado. Quanto às faltas que ocorressem às terças, quartas e quintas, é natural que continuassem - mas sempre se arranjaria uma solução. Além de que, como concordarão todos os portugueses pensando um pouco no problema, os deputados são muito mais prejudiciais quando estão presentes do que quando estão ausentes. Portanto, tudo o que seja feito para os manter em casa é de indiscutível interesse para o país. E louve-se a criatividade e a originalidade da proposta: a semana de três dias, o fim de semana de quatro dias... Isto é já século XXII.

"Extinguir a universidade", por Orlando Vitorino

Primeiro, extinguir a Universidade, depois restaurar o ensino
Leonardo, revista de filosofia portuguesa - Tuesday, 09 de December de 2008

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Deputados "da Nação" ?

Novamente, um apontamento certeiro de Manuel António Pina:

Não sei qual foi a surpresa da dra. Manuela Ferreira Leite por 30 dos "seus" deputados (pois é das direcções partidárias que os deputados são, não "da Nação") terem faltado a uma votação. Pelos vistos, a líder do PSD não faz a mínima ideia daquilo em que se tornou a AR.
Não faltaram só os 30 do PSD; faltaram ainda 13 do PS, 3 do CDS, 1 do PCP e 1 de "Os Verdes". Numa sexta-feira véspera de fim-de-semana prolongado, até foram poucos. Se aos deputados (gente, essa sim, com privilégios) se aplicasse o modelo de avaliação dos professores, e também eles tivessem que definir objectivos individuais, ter intervenções assistidas e ser julgados pelos "resultados", quantos aprovariam? Dir-se-á que são julgados de 4 em 4 anos. Não são. No meio das listas partidárias todos os gatos (mais rigorosamente, todos os ratos) são pardos, e sabem lá os eleitores em quem votam. O único critério de avaliação a que um deputado está hoje sujeito é o da obediência acrítica. Um acto de honestidade intelectual e política como o dos 6 do PS que pensaram pela própria cabeça pode custar-lhes o lugar. Se não, veremos.

Livros "Serra d'Ossa Edições"

Neste Natal, ofereça os livros da Serra d’Ossa Edições. São oferecidos os portes de correio, e há 10% de desconto sobre o preço de capa.

- “O CANTO DOS SERES: Saudade da Natureza”, de Pedro Sinde
Preço promocional: € 10,80
- “O CÉU E O QUADRANTE: Desocultação de Álvaro Ribeiro”, de Pedro Martins
Preço promocional: € 14,40
- “FILOSOFIA DO RITMO PORTUGUESA”, de Rodrigo Sobral Cunha
Preço promocional: € 9,00

Podem encomendar-se pelo endereço electrónico: serradossa@aeiou.pt

Questões de estilo

"Vale mais uma página de qualquer discurso de Salazar do que toda a obra de Saramago. Estilisticamente. O autor de cabeceira do Salazar era o Padre António Vieira. Se ler qualquer dos discursos de Salazar lê português. Que é uma coisa que já raramente se encontra. É um clássico."
António Barahona, Revista Ler, Dezembro de 2008, p. 34.

8 de Dezembro

Hoje comemora-se o Dia da Mãe.

domingo, dezembro 07, 2008

Pois é

.... "o mais grave é mesmo o conformismo com que as nossas anestesiadas gentes aceitam este seu medíocre destino.

Dies Irae

Salve Regina

sábado, dezembro 06, 2008

"Toda a Verdade Sobre o Clube Bilderberg"?

O livro "Toda a Verdade Sobre o Clube Bilderberg" de Daniel Estulin foi no passado dia 27 de Novembro publicado pela Europa-América, numa edição actualizada e muito diferente da edição anterior.

Obras públicas

Segundo a auditoria do Tribunal de Contas à obra da Casa da Música, agora divulgada, o projecto emblemático da Porto 2001 custou mais 230 por cento do que o inicialmente previsto. O orçamento começou por ser de um pouco menos de 34 milhões de euros, e os custos finais foram de um pouco mais de 111 milhões. Além disso, a inauguração do edifício sofreu um atraso de quatro anos e meio. Em Julho de 1999, quando arrancaram os trabalhos preparatórios, o objectivo oficial era o de que a Casa da Música abrisse as portas em Dezembro de 2001, a tempo de coincidir com o final da Capital Europeia da Cultura. Acabou por ser inaugurada em Abril de 2005, ainda em obras, e os trabalhos só foram formalmente encerrados em Maio do ano seguinte (2006).
O que espanta (os poucos que ainda se espantam) não é a notícia, mas a banalidade da noticia. E a indiferença, e a habituação. O país passou a aceitar isto, com mais conformação do que encara a seca ou as enxurradas. Como se fosse uma inevitabilidade, uma fatalidade, uma lei da vida.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

A universidade, a filosofia, e Portugal

O drama do universitário, de Afonso Botelho
Leonardo, revista de filosofia portuguesa - Friday, 05 de December de 2008

A angústia do nosso tempo e a crise da universidade, de António Quadros
Leonardo, revista de filosofia portuguesa - Friday, 05 de December de 2008

Um livro que se recomenda


"O complexo de culpa do Ocidente", de Pascal Bruckner

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Le populisme : une solution pour l'Europe en crise ?

Foi este o tema genérico da "XXIVe université annuelle du Club de l'Horloge".
Leia-se a comunicação de Jean Yves Le Gallou:
Le populisme: une solution pour l'Europe en crise

Caso BPP: o socialismo é só para os espertos?

A crónica de Manuel António Pina no Jornal de Notícias com o título Socialismo de casino fez-me lembrar uma outra crónica, essa de minha autoria, que aqui publiquei nos primórdios do "Sexo dos Anjos". Leiam-na e digam-me se não lhes faz pensar no caso Banco Privado Português, e se não explica cabalmente por que os nossos ricos gostam tanto do socialismo. Pode chamar-se agora, actualizadamente, "o socialismo afinal é também (sobretudo) para os espertos".
Primeiro, o artigo de MAP:
"Noticia a AFP que, para poder obter do Estado americano um crédito salvador, a Ford vai reduzir o salário do seu presidente executivo para 1 dólar… por ano. Henry Ford tinha dito em 1934, em plena Grande Depressão: "Deixem-nos falir a todos. Se eu ficar sem nada com o colapso do sistema financeiro, recomeçarei do princípio e construirei tudo de novo".
75 anos depois, num país distante (não, não é de África), não só os gestores de bancos falidos continuam a ganhar milhões, como um governo socialista entrega o dinheiro dos contribuintes como garantia para salvar as fortunas de meia dúzia de milionários que fizeram um banco para especular na Bolsa e investir em aplicações de alto risco que deram para o torto. "Servir a nossa economia e as famílias", foi o motivo com que Sócrates justificou os apoios do Estado à banca. O BPP não tem balcões nem dá crédito a particulares ou empresas, apenas gere fortunas de uma elite financeira com nomes como Rendeiro, Ferreira dos Santos, Saviotti, Balsemão, Vaz Guedes, Júdice, etc.. São as fortunas de tais "famílias" que os nossos impostos vão agora garantir.
"
E em segundo lugar a minha historieta, que deixo à boa compreensão dos leitores:
"Havia lá em cima dois pobres lavradores, desde sempre vizinhos e amigos.
Um tinha duas vacas, e o outro tinha dois burros.
Um dia, veio a revolução quebrar o ritmo inalterável daquela existência sempre igual.
Aquele que tinha duas vacas, mas não tinha nenhum burro, ouviu a pregação socialista, e ficou sensibilizado pelas doutrinas sobre a propriedade, a igualdade, a justa repartição da riqueza, etc. - e tirou as suas ilacções.
Dirigiu-se então ao amigo que tinha dois burros, e expôs o problema: agora vinha aí o socialismo, a igualdade, quem tinha mais devia repartir por quem não tinha – em suma, em adesão às novas ideias impunha-se que o amigo, que tinha dois burros, lhe desse um deles, que bastante jeito lhe fazia, e assim ficariam conformes com a doutrina consagrada na constituição.
O outro ouviu, e, bem ou mal convencido, ou apenas esmagado pelo brilho da nova ideologia, acedeu – e deu-lhe um dos burros, em homenagem ao socialismo.
O pior foi depois, quando contou à patroa. Ouviu das boas, que o sentido prático feminino não permitia a esta embarcar nas mesmas cantigas. E terminou a mulher o raspanete com a saída lógica: o nosso amigo tem duas vacas, e nós não temos nenhuma; trata pois de ir falar com ele, e resolver o problema; a nós também fazia muito jeito ter uma vaquinha ...
Ao infeliz pareceu acertada a ideia, e lá foi novamente falar com o amigo. Pôs a questão como a mulher o ensinara, e apelou ao amigo: tem duas vacas, eu não tenho nenhuma, impõe-se assegurar a igualdade – se me desse uma das vaquinhas, como eu já lhe dei um dos meus burros...
Aqui chegados, o primeiro sobressaltou-se – e renegou do socialismo.
- Mas o amigo não percebeu? O socialismo é só para os burros ..."

Meditatio

When I carefully consider the curious habits of dogs
I am compelled to conclude
That man is the superior animal.

When I consider the curious habits of man
I confess, my friend, I am puzzled.


(EZRA POUND)

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Dois blogues que vos recomendo

São o Estado Sentido e o Risco Contínuo.
Duas belíssimas equipas, com alguns rapazes da minha geração. É um gosto lê-los.

Bibi no BPN?

Pelo que tenho ouvido comentar, com certa graça, parece que Oliveira Costa estará destinado a ser o Bibi do caso BPN. Não está mal visto.
Mesmo assim, desconfio que anda por aí muito boa gente em sobressalto. E se ele não se conformar com o papel?

terça-feira, dezembro 02, 2008

A ressaca?

Surripiado no INCONFORMISTA:

«Em meados dos anos 80, a desregulamentação dos mercados e as actividades
desenfreadas eram encaradas como a panaceia que curaria as maleitas das decrépitas indústrias tradicionais. A ganância era de bom-tom. Os jovens licenciados marchavam em hordas para os MBA, na esperança de saírem de lá transformados em guerreiros ninja. Foi precisamente o ímpeto empresarial de jovens e brilhantes inovadores que deu origem à magia da indústria informática.
Por sua vez, a ascensão dos computadores promoveu a ilusão de que o comércio da informação pura iria ser o substituto havia muito aguardado de todas as actividades decrépitas da economia industrial tradicional. Um país como os Estados Unidos, pensava-se então, já não necessitava de siderurgias, de fábricas de pneus, ou de outras actividades igualmente árduas, sujas e incómodas. As pobres massas da Ásia e da América do Sul que as acolhessem e se libertassem da servidão rural!"

James Howard Kunstler, in "O Fim do Petróleo - O Grande Desafio do Século XXI", Bizâncio, 2006.

Manifestações

"Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos "avançados" englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena."

Fernando Pessoa

Comunismo

"Ao contrário do catolicismo, o comunismo não tem uma doutrina. Enganam-se os que supõem que ele a tem. O catolicismo é um sistema dogmático perfeitamente definido e compreensível, quer teologicamente, quer sociologicamente. O comunismo não é um sistema: é um dogmatismo sem sistema — o dogmatismo informe da brutalidade e da dissolução. Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós.
O comunismo não é uma doutrina porque é uma antidoutrina, ou uma contradoutrina. Tudo quanto o homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental — isto é de civilização e de cultura —, tudo isso ele inverte para formar a doutrina que não tem."


Fernando Pessoa

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Pensamento

"Uma nação só vive porque pensa. Cogitat ergo est. A força e a riqueza não bastam para provar que uma nação vive duma vida que mereça ser glorificada na História - como rijos músculos num corpo e ouro farto numa bolsa não bastam para que um homem honre em si a Humanidade. Um reino de África, com guerreiros incontáveis nas suas aringas e incontáveis diamantes nas suas colinas, será sempre uma terra bravia e morta, que, para lucro da Civilização, os civilizados pisam e retalham tão desassombradamente como se sangra e se corta a rês bruta para nutrir o animal pensante. E por outro lado se o Egipto ou Tunis formassem resplandescentes centros de ciências, de literaturas e de artes, e, através de uma serena legião de homens geniais, incessantemente educassem o mundo - nenhuma nação mesmo nesta idade do ferro e de força, ousaria ocupar como um campo maninho e sem dono esses solos augustos donde se elevasse, para tornar as almas melhores, o enxame sublime das ideias e das formas."
(...)
"Se uma nação, portanto, só tem a superioridade porque tem pensamento, todo aquele que venha revelar na nossa pátria um novo homem de original pensar concorre patrioticamente para lhe aumentar a única grandeza que a tornará respeitada, a única beleza que a tornará amada; - e é como quem aos seus templos juntasse mais um sacrário ou sobre as suas muralhas erguesse mais um castelo."


Eça de Queirós, in "A Correspondência de Fradique Mendes"

Política

"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade."


Eça de Queiroz, in "Distrito de Évora" (1867)