A crença que esteve na origem da invenção da Jugoslávia é essencialmente a convicção ingénua de que a identidade genética basta para cimentar uma comunidade política.
Acreditava-se nesse tempo do final da Primeira Guerra Mundial, em que desabavam impérios, que a melhor forma de reorganizar a vasta região dos Balcãs em que desde há muitos séculos estavam estabelecidos diversos povos pertencentes à grande família eslava seria reconhecer a sua unidade fundamental e traduzir esse facto numa unidade política.
Para quem acredita que a nação não é uma criação humana, nem uma realidade histórica, mas
um dado da natureza, a conclusão parecia perfeita.
Com efeito, sérvios, croatas, eslovenos, macedónios, bósnios, montenegrinos, todos são da mesma raça, e do mesmo ramo (os eslavos meridionais). Só a história, a religião, a cultura, as fronteiras, as diversas influências exteriores, tinham ao longo do tempo separado esses povos.
Para o materialismo rácico, a consanguinidade bastaria para assegurar a manifestação da tal unidade fundamental. Concretizada a unificação política logo o facto natural se imporia, contra todos os artificialismos divisores.
E no caso até a língua contribuía para unir esses grupos humanos, visto que o servo-croata lhes era comum (o esloveno em pouco se diferencia, e era residual no conjunto).
A primeira tentativa de unificação política dá-se então em 1918, quando o consenso internacional fez nascer o “Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos”, em torno da monarquia sérvia.
A partir de 1929 passou a denominar-se “Reino da Jugoslávia” (“Jugoslavija” é precisamente a palavra que nas línguas eslavas meridionais significa “terra dos eslavos do sul”).
A precária unidade durou pouco mais de vinte anos: por volta de 1941 tudo rebentou na explosão de guerras civis de extrema violência e crueldade (sérvios contra croatas, comunistas contra anticomunistas).
Porém, finda a Segunda Guerra Mundial o novo poder emergente era o comunismo triunfante.
E para o marxismo, como decorre da visão do materialismo dialéctico, a divisão daqueles povos situa-se apenas num plano que se reduz à “super-estrutura”. Mude-se a “infra-estrutura” económica e o problema estará resolvido por si.
Nasceu então a Jugoslávia comunista, que a partir de 1945 se foi chamando sucessivamente Jugoslávia Democrática Federal, República Popular Federal da Jugoslávia, República Socialista Federal da Jugoslávia.
Durante as décadas seguintes nenhum método foi esquecido para assegurar a unificação dos espíritos. Tudo se fez para apagar dos homens os laços que os faziam identificar-se com outras comunidades de origem; as religiões, já que uns eram católicos, outros ortodoxos, outros muçulmanos, as tradições próprias, que faziam de uns eslovenos e de outros croatas, sérvios, bósnios, macedónios ou montenegrinos, as diferenças culturais resultantes das experiências históricas, uns mais ligados ao mundo austro-húngaro, ou à Itália, outros mais afectos aos irmãos eslavos mais a Norte ou Oriente, outros ainda decisivamente marcados pela ocupação turca.
O que é certo é que o final da experiência veio a ocorrer já nos nossos dias e é lembrado por todos: o edifício político laboriosamente construído e teimosamente mantido de pé, à custa de repressão impiedosa, ruiu fragorosamente.
De novo guerras civis sangrentas assolaram a terra dos eslavos do sul. A consanguinidade não fez com que se sentissem irmãos, e nem a unidade política os fez sentir-se integrados numa unidade de destino.
A Eslovénia, a Croácia, a Macedónia, a Bósnia-Herzegovina, a Sérvia, o Montenegro, seguiram os seus destinos próprios, que cada um reclamou ferozmente para si.
O que falhou? Não foi certamente a falta de “identidade étnica”. Dentro das fronteiras políticas do estado que se chamou Jugoslávia só tinham ficado umas franjas de albaneses e de húngaros, e marginalmente de ciganos, que não faziam parte da família eslava, concretamente do ramo designado por “eslavos do sul”.
Pelo que se viu isso não chegou. Nunca chegou a existir uma “nação jugoslava”, apesar dos elementos reunidos para isso (um poder político unificador, um território próprio, uma população notavelmente homogénea do ponto de vista genético).
Devia falar-se mais nisto, e estudar-se mais esta experiência. Não falta quem observe que a ilusão da “Nação-Europa” não passa duma reedição em ponto grande do que foi o equívoco da “Nação Jugoslava”.