o sexo dos anjos
Um blogue às direitas em tempos sinistros
sexta-feira, março 31, 2006
quinta-feira, março 30, 2006
Le plus beau de tous les tangos du monde
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Hoje não há meio de conseguir vencer a minha batalha com a máquina. As viroses são mais fortes. Resta-me despedir, e dar-vos música (para dançar). Escolho o tango, especialmente para as leitoras que tenham a bondade de me ler, e sem esquecer os cavalheiros que porventura as acompanhem (para dançar um tango são precisos dois).
"Le plus beau de tous les tangos du monde" - uma gravação de 1935, por Alibert (um marselhês que nessa altura cantava em Paris - mais ou menos o mesmo que um alentejano em Lisboa).
quarta-feira, março 29, 2006
Battaglioni M
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battaglioni del lavoro,
battaglioni della fede,
vince sempre chi più crede,
chi più a lungo sa patir
Vinde todos e cantai também
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Vem connosco e semeia cantando
A beleza dos dias a vir
Jardins de mil fontes triunfando
Do deserto de Alcácer Quibir
terça-feira, março 28, 2006
Porque sim
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2 anos são passados
Ilusionismos, ou o desmantelamento do país restante
Por aqui se explica o êxito momentâneo da representação do actual Primeiro-Ministro, que, à míngua de qualquer projecto nacional mobilizador ou de qualquer projecto de construção, se vai notabilizando pelos anúncios dos encerramentos.
Fecham os centros de saúde e as maternidades, fecham as escolas e os postos policiais, fecham as repartições de finanças e os notários, fecham os quartéis e as fábricas, fecham as comarcas, as freguesias e os concelhos. E o pessoal embasbacado a ver, na expectativa do que irá sair da cartola.
Se persistisse o uso de cognome em quem nos rege, não seria descabido crismar o Príncipe de Sócrates, o Extintor.
segunda-feira, março 27, 2006
Colonizações
Como os leitores compreenderão, ao menos os que conhecem a Bíblia, a questão apresenta-se de modo muito simples de esquematizar. Em primeiro lugar, o próprio Deus é um deus exclusivo; quando este atribui aos seus filhos a terra que lhes destinou é realmente só a eles, Povo Eleito, que lhes está a dar o presente. Por conseguinte, se existem lá outros habitantes ou não trata-se de um pormenor irrelevante. O que Deus concedeu foi a terra, e aos Seus compete tomar conta dela e nela cumprir os desígnios da Providência.
Os que lerem o Livro de Josué não podem deixar de se arrepiar com a crueza das consequências: o que o Povo de Deus tinha que fazer era, portanto, instalar-se na Terra Prometida e exterminar os seus ocupantes. O programa era arrasar as suas cidades sem deixar pedra sobre pedra, passar a fio de espada os autóctones, incluindo as suas mulheres e os seus filhos e não deixar ser vivo - nem os animais domésticos.
Este era o espírito do Velho Testamento. E não parece de todo descabido lembrar que a Reforma trouxe uma valorização tal das Escrituras, muitas vezes entendidas na sua literalidade, que determinou o aparecimento de múltiplas seitas e fanatismos que ainda encontramos a bater-nos à porta com frequência.
Ora certos fenómenos de expansão sobretudo anglo-saxónica para fora da Europa estiveram em grande medida animados pelos movimentos espirituais emanados da Reforma protestante (é por demais conhecida a relação entre os pioneiros americanos e essas correntes religiosas).
Daí a lógica de certos processos históricos; na Tasmânia não sobrou um só indígena, nos Estados Unidos e na Austrália os que restaram sobreviveram acantonados em reservas para animar o turismo. O que os povoadores europeus dessas vastas regiões queriam era só e apenas a terra, que entendiam como destinada para eles por uma Providência superior, e nesses planos não entravam para nada outros eventuais habitantes. A doutrina praticada durante séculos, na caçada desportiva aos aborígenes ou na doutrina do índio bom equivaler a índio morto, foi a aplicação dessas premissas.
Evidentemente que os pressupostos do Velho Testamento não se estendem ao Novo Testamento. Jesus Cristo veio para anunciar a Boa Nova a todos os homens, a todos os povos. Todos são filhos de Deus. E a missão da Igreja é evangelizar a todos.
Em consequência, as experiências colonizadoras de portugueses e espanhóis tiveram desde o princípio cacterísticas diferentes: procuravam-se outros povos para deles fazer Cristandade, era finalidade matricial da expansão esse alargamento da Fé e do Império.
Daí a presença marcante da Igreja, dos missionários, em todas as empresas dos descobrimentos e da colonização.
O que singulariza, pois, a acção colonizadora nos casos em apreço não são os episódios em que parece haver identidade de atitudes com as outras experiências, mas sim aquelas marcas que as distinguem. Os massacres de aztecas ou de incas não são a expressão própria do espírito a que nos referimos; o que permite caracterizar este, por só nele estar presente, é a outra atitude. Massacres houve muitos em todo o lado. Mas António Vieira, Bartolomeu de Las Casas, Francisco Xavier, José de Anchieta e tantos outros, eclesiásticos ou civis - não houve nenhum para falar aos índios da Norte-América, ou aos aborígenes da Austrália ou da Tasmânia, ou para falar por eles.
Quero eu dizer que as sociedades construídas no Brasil, em Goa, no Peru, ou no México, eram por força daquele pensamento que estava subjacente à colonização, e necessariamente, sociedades mestiças.
E já agora queria também acrescentar que na presença de Portugal em Angola, em Moçambique, em Timor ou na Guiné não se consegue certamente vislumbrar em momento histórico algum o impulso de extermínio dos naturais - coisa que nem o mais acérrimo dos críticos dessa presença alguma vez alegou.
A tese do papel decisivo do espírito do Velho ou do Novo Testamento nas várias colonizações europeias, com todas as imperfeições que essas abstracções explicativas sempre transportam, apresenta-se bem vistas as coisas com mais poder explicativo do que alguns gostariam - e não me parece merecedora de rejeição liminar.
Um encontro imediato de primeiro grau
É já no dia 31 de Março, em Lisboa: o Jantar da Primavera dos Antigos Alunos do Liceu Nacional de Évora. Inscrevam-se, enquanto houver bilhetes!
domingo, março 26, 2006
sábado, março 25, 2006
Poster grátis
Com a edição de hoje, "O Sexo dos Anjos" oferece um poster do autor quando jovem.
Aqui fica a foto do Manuel Azinhal, tirada há uns anos em Montemor-o-Novo numa ida à Feira da Luz.
sexta-feira, março 24, 2006
Do aquém Tejo
Aventuras da nossa diplomacia cultural
Sábado 25: por uma nova Constituição
Os oradores serão Pedro Ferraz da Costa, ex-Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, João Pacheco de Amorim, Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, e José Matos Correia, Deputado do PSD e ex-Presidente da Comissão de Revisão Constitucional.
Efemérides
Passam hoje 101 anos sobre a morte do escritor mais traduzido no mundo: Jules Verne. Foi a 24 de Março de 1905.
Se forem a Nantes ou a Amiens não esqueçam a visita às casas e museus que o evocam (Júlio Verne era bretão de Nantes, e viveu a derradeira fase da sua vida em Amiens, na Picardia). Um provinciano, evidentemente.
PS (nada de confusões...): descobri agora que em Amiens decorre também uma exposição sobre "Simenon au cinéma". Uma viagem só e encontram-se dois gigantes da escrita: Júlio Verne e Georges Simenon.
Adenda sobre os alentejanos do outro planeta
Os que chamei trepadores não se podem confundir com o que habitualmente se chama de self-made-men, com o sentido rigoroso que se atribui a essa expressão.
Na verdade eles subiram imenso, desde a origem de pé descalço até ao Olimpo que alcançaram. Todavia, não foi por um esforço isolado e continuado, à custa do suor e do engenho individuais. Em geral, e sem desmerecer dos méritos que nisso pode haver, tratou-se mais de apanhar os elevadores certos nas horas certas.
Na primeira divisão dos ricos portugueses só detecto um a quem o essencial do conceito de self-made-man se ajusta: é o Sr. Nabeiro. Mas este, curiosamente, permaneceu sempre desconfiado e distante perante as solicitações e as miragens do circo lisboeta. Preferiu manter-se longe, tratando apenas do que é dele, no entendimento prudente, e bem alentejano, este sim, que mais vale ser rei em Campo Maior do que barão de fancaria na praça de Lisboa. Nisto se distingue singularmente Rui Nabeiro: parece nunca ter sentido atracção pela hipótese de administrar o que é dos outros, bem ao contrário da vertigem generalizada nas hostes do esfuziante capitalismo doméstico.
Alentejanos em Marte
Costumando olhá-los com interesse, e com simpatia de conterrâneo humilde para quem o bom sucesso dos rapazes aqui das brenhas também ajuda a aquecer a alma e alimenta o amor próprio (assim como as vitórias do Paulo Guerra ou os versos de Florbela Espanca) apercebi-me há muito que podem catalogar-se essencialmente em dois grupos, muito distintos entre eles.
Um é constituído pelos herdeiros (v. g. António Mexia, António Borges), o outro é constituído pelos trepadores (v. g. Henrique Granadeiro, Murteira Nabo). Entre uns e outros há pouco em comum, para além do aludido acidente geográfico. Nos modos, no pedigree e no percurso de vida tudo os distingue, numa demonstração exuberante de que ainda existem classe sociais.
Para além dessa diferença, porém, parece-me a mim que em todos eles se detecta um fenómeno semelhante: é que já têm muito pouco de alentejanos. E afigura-se até que quanto mais sobem menos alentejanos parecem (por isso é que nos ricos antigos, como Mexia e Borges, a distância ainda se apresenta muito maior).
A questão dava pano para muitas mangas: repare-se como só por si destrói as crenças deterministas do materialismo biológico corrente. Apesar da pureza do sangue (que julgo que subsistirá, salvo alguma eventual transfusão) não se nota nos personagens nenhuma especial ligação à terra e à gente das suas origens.
Tout va très bien, madame la banquise!
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Num país pobre, em que a economia real "cresce" 0,5%, quando os bancos anunciam lucros anuais de 40%, 50% ou 60% será exagerado pensar em vampirismo?
A imagem das humildes sanguessugas, chupando às escondidas o sangue das vítimas em que se instalam, parece frouxa para representar o caso...
O certo é que, contrariamente ao que cheguei a pensar e a dizer, decorrido um ano de governo socrático a estrela deste e da sua vedeta maior parecem brilhar mais firmes e resplandecentes do que nunca.
E a bancocracia também, não podendo desligar-se uma e outra dessas realidades.
Eles são mesmo socialistas; mas com o tempo assentaram em que do marxismo era para guardar tão só a "lei da acumulação do capital", em adaptação livre, e o resto era para realizar na "agenda social". Por seu lado, a burguesia urbana que se concentra em Lisboa e tem umas ramificações esporádicas aqui ou ali, e que sempre foi profundamente de esquerda mesmo quando se acha de direita e mesmo quando por vezes tomou posições à direita, respirou de alívio e grata surpresa: afinal eles não queriam os anéis, nem sequer os dedos.
Tudo vai bem, portanto. Uns podem realizar-se na "agenda social", em que todos mais ou menos estão de acordo; e todos podem fraternalmente conviver naquilo que interessa, em que descobriram que afinal têm tudo em comum.
Um deslumbramento.
Muitos dias muitas noites
quinta-feira, março 23, 2006
Ich hatt' einen Kameraden
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Já que o Engenheiro falou nela, eis a canção: Ich hatt'einen Kameraden!
Fica aqui consignado que se trata de um trabalho de 1809, da autoria de Ludwig Uhland, e que desde essa época se canta nas ocasiões próprias - fúnebres, como os tempos que ora correm. Afixa-se essa informação para que não salte já algum zelador de dedo em riste a denunciar-me como nazista (eventualidade que me apavora a alma, como é de lei).
Confesso todavia que os rapazes que estão a cantar são os do Leibstandarte SS Adolf Hitler, que como se pode ver eram (também) afinados no cante. Do heroísmo no campo de batalha rezam as lendas que sim; dos dotes vocais podeis apreciar.
A sombra do guerreiro
Acompanho o confrade do Combustões na sua admiração por Akira Kurosawa. Nunca vi nada do Mestre em que não me parecesse sentir o sopro do génio.
Kagemusha um épico maior - onde foi que vi beleza assim? O filme, creio que foi no Londres, a vez primeira...
CIARI
Tem por tema: "A Integração Europeia está a diluir a Cooperação Europeia?" e a oradora será Ana Isabel Xavier.
A sessão realiza-se na Terça-feira, 4 de Abril, às 21h00, na FNAC do NorteShopping.
Sete anos de Gaita de Foles
Um excelente motivo para endereçar parabéns à instituição, extraordinária dinamizadora da nossa cultura musical, nomeadamente das raízes e tradições da nossa música popular.
quarta-feira, março 22, 2006
Me ne frego!
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Me ne frego non so se ben mi spiego
Me ne frego con quel che piace a me
Me ne frego non so se ben mi spiego
Me ne frego con quel che piace a me
Giovinezza, Giovinezza
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Giovinezza, Giovinezza
Primavera di belezza
Nella vita e nell'asprezza
Il tuo canto squilla e vá!
Roma tem que estar em Roma
terça-feira, março 21, 2006
A Pátria traída pela República
Neste artigo Raspail volta a pegar no tema proibido (...)
segunda-feira, março 20, 2006
La môme Piaf
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Hoje faço-vos presente da chère Edith Piaf, a divina Edith Piaf; aqui a cantar "La Vie en Rose", sem segundos nem terceiros pensamentos para a actual situação política ou para o respectivo engenheiro. É só fechar os olhos e sonhar, e tudo isto desaparece...
Serve esta iniciativa também para lavrar enérgico protesto contra o Je Maintiendrai, e resgatar a memória da diva: não se faz, colocar ali o "Ça Ira", pingando ódio e sangue, sem aviso cautelar: aquilo não é ela, foi só para um filme...
(Poderosa imagem do impulso revolucionário: celui qui s'éleve on l'abaissera...)
Mas não, não foi ela - era a personagem dela!...
Liceu Nacional de Évora
Chá pela manhã
Uma ideia interessante
domingo, março 19, 2006
Besame mucho
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Enquanto não chega a almejada Violetera, vou-me deliciando com a voz de ouro do mais famoso filho da Córsega: esse mesmo, o Constantino, conhecido pelo petit nom de Tino Rossi. Besame, besame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez...
Digam-me lá se não é um grande artista - sem desfazer nesse outro filho da Córsega que se chamou Napoleone Carlo e que também foi um grande artista no seu tempo.
Ai nostalgia... o que é que querem, os exilados são nostálgicos. E depois isto é mesmo um blogue pessoal...
Discos pedidos
Não tenho, nem encontro, e hoje acordei com este apetite: quero ouvir "La Violetera", na voz juvenil da eterna Maria Antónia Abad.
Santa Lucia
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A voz de Mário Lanza num tema para hoje: Santa Luzia! Valha-nos a santinha... e que nos ajude a manter a lucidez do olhar.
OPAs
Destaco esse tom pela sua singularidade: com efeito, a exaltação das virtudes próprias faz parte dos costumes institucionalizados mas invectivar o inimigo daquela forma, sem freios na... liberdade de expressão... é deveras fora do comum.
A crer na autenticidade da mensagem os baronatos instalados na PT estão mesmo na disposição de matar ou morrer. O panfleto está assinado por Ernâni Lopes e Miguel Horta e Costa!
Por cá, os hábitos não são esses. O nosso suave "capitalismo" nunca se distinguiu por qualquer lei da selva. A regra é antes a inversa: nunca se tira o sustento a ninguém, trocam-se apenas os lugares à manjedoura.
Poderá depreender-se daqui que neste caso é diferente, e que é genuína a disposição bélica?
A ver vamos. Já houve outros casos em que se ouviu muito barulho para nada, ou, melhor dito, para regatear o preço do negócio. A ser assim, ainda se veria que os barões não estão propriamente a lutar pela pele mas simplesmente a vender-se mais caro.
Maiores são os mistérios na outra OPA. Até agora a contenção tem imperado, se excepcionarmos umas palavras de ordem de Santos Silva. São, porém, mais as interrogações do que as certezas quanto à operação, e desde logo quanto à sua preparação. Afinal, quem terá estado por dentro da iniciativa? Desde logo, verifica-se que alguns já lograram fazer muito em poucos dias - de modo que até a autoridade resolveu investigar.
Com mais um pouco de espera talvez se possa começar vislumbrar com mais nitidez os verdadeiros contornos do acontecimento, e nomeadamente quem esteve por dentro e quem está realmente de fora - o que não se apresenta como evidente de momento.
sábado, março 18, 2006
Defendiendo la bandera de la Santa Tradicion
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Agora, para atenuar a melancolia, as vozes ardentes dos Boinas Rojas: vibremos com o Oriamendi, dedicado ao Engenheiro para lembrança dos tempos de Madrid, e a Rafael Castela Santos, porque sim - naturalmente.
Por Dios, por la Patria y el Rey!
Le temps des cerises
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A mais antiga das mais famosas: "Le temps des cerises" (1868 - Paroles de Jean-Baptiste Clément, musique d'Antoine Renard) fresquinha do século XIX aos nossos dias. Aqui numa gravação de Jean Lumière, de 1946.
Oh il est bien court le temps des cerises...
Un' altra legge è un altro Re!
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Entretanto, em 24 de Junho de 1935, no Teatro Capranica, em Roma, tinha o seu lançamento público, na voz de Carlo Buti, o que seria um grande sucesso popular: "Faccetta nera".
A canção tinha sido criada em Abril anterior, com música de Mario Ruccione e letra de Giuseppe Micheli.
Faccetta nera,/ Bell'abissina (...)noi ti daremo/ Un'altra legge è un altro Re!
Tout va très bien, Madame la Marquise
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Como dizia Charles Trenet, "il faut garder quelques sourires pour se moquer des jours sans joie".
Alors, voilá: em 1935 Ray Ventura gravou este "Tout va très bien, Madame La Marquise".
sexta-feira, março 17, 2006
Maréchal nous voilá!
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E pois que se verifica que a anterior agradou entre o escol que frequenta esta casa, nova cançoneta francesa da mesma época: em 1942 Charles Trenet gravou "Que reste-t-il de nos amours?" e no ano anterior, 1941, André Dassary tinha gravado um vibrante "Maréchal, nous voilá!".
(Não me comprometam, Dassary viria a pagar bem caro... le pauvre André!).
quinta-feira, março 16, 2006
De um (outro) alentejano esquecido
Os tempos mudam ventura
bem o sei, pelo passar;
mas, por minha gram tristura,
nenhuns puderam mudar
a minha desaventura.
Não mudam tempos nem anos
ao triste a tristeza;
antes tenho por certeza
que o longo uso dos danos
se converte em natureza.
Coitado de mim, coitado,
pois meu mal não se amansa
com choro nem com cuidado!
Quem diz que o chorar descansa
é de ter pouco chorado;
que, quando as lágrimas são
por igual da causa delas,
virá descanso por elas;
mas como descansar hão,
pois que são mais as querelas?
Todos os contentamentos
da minha vida passarom,
e em fim não me ficarom
senão descontentamentos
que de mim se contentarom.
Destes, polo meu pecado,
(inda que nunca pequei
a quem amo e amarei),
nunca desacompanhado
me vejo nem me verei.
Faz-me esta desconfiança
ver meu remédio tardar,
e já agora esperar
não ousa minha esperança,
por me mais não magoar.
Se por isto desmereço,
dê-se-me a culpa assim
e seja só com a fim,
que há muito que me conheço
aborrecido de mim.
Verei a vida, que em vida
bem vista tanto aborrece,
aborrece a quem padece
tristeza mal merecida,
que minha fé mal merece.
Levarom-me toda a glória,
com quanto bem desejei,
desejei e alcancei;
ficou-me só a memória,
por dor, de quanto passei.
Vida de tam longos males,
como não cansa de ser!
que eu canso já de viver,
e o eco destes vales
cansa de me responder.
As ribeiras, em eu vê-las,
correm mais do que é seu foro,
entrando meu chorar nelas;
e pois ajudam meu choro,
quero só falar com elas.
Zé do Povo
Coluna social
Novidades
Aqui se saudam os novatos, desejando-lhes que encontrem rapidamente o passo certo e o seu próprio caminho (sinceramente fiquei com a impressão de que ainda estão na fase de procura e experimentação, pelo que é de esperar mais alguns ajustes e aperfeiçoamentos... as coisas não nascem feitas!). Mãos à obra!
quarta-feira, março 15, 2006
Prémio de consolação
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Para todos os necessitados, aqui está o Prozac que se pode arranjar: a grande voz da planície, Luís Piçarra.
A "opção de classe" da Ordem dos Advogados
Pelos vistos ninguém estranhou muito, porque na blogosfera não vi outro comentário a não ser o do Do Portugal Profundo.
Todavia, o assunto merece alguma atenção - e devia provocar alguma estranheza sobretudo em quem esteja a par das práticas habituais dos órgãos de justiça da Ordem.
Com efeito, uma pena de seis meses de suspensão efectiva de funções só tenho visto aplicar a advogados que roubam o dinheiro aos clientes e desaparecem para parte incerta (e mesmo assim só depois de serem condenados no processo criminal).
Numa situação em que a falta deontológica se traduziu em excessos verbais numa altercação entre dois membros da Ordem (José Maria Martins e António Serra Lopes confrontaram-se publicamente na sala de audiências e o primeiro chamou este por um nome feio), a norma apontaria para alguma advertência, ou censura, ou eventualmente uma pena de multa.
Para os hábitos, sinceramente, acho que a justiça da Ordem foi aqui singularmente severa, e célere.
Será possível não relacionar isso com as pessoas em questão? O José Maria Martins, que tão violentamente violou a deontologia profissional, é o advogado de Carlos Silvino; o Serra Lopes, pelos vistos vítima e só vítima, é um dos grandes da advocacia portuguesa, sócio e marido da ex-Bastonária, advogado no mesmo processo de pessoas daquelas que no sentir da classe nunca se deveriam sentar no banco dos réus...
Acontece até que já no decurso do processo em referência o Dr. Serra Lopes foi apanhado em flagrante a gravar as sessões com um gravador oculto, depois de a gravação ter sido enfaticamente proibida a toda a gente pela Juiza Presidente - falta esta que foi participada, ao que li.
Não resisto a observar que se uma conduta destas acontecesse num desses países que costumam ser objecto de admiração nos discursos da Ordem teria como consequência certa não só o afastamento imediato do prevaricador daquele processo em concreto mas seguramente a perda da carteirinha profissional.
Por cá, nunca mais se ouviu falar de procedimento algum - e o mais provável é que venha a concluir-se num prodigioso acórdão do órgão competente que o Dr. Serra Lopes actuou sempre na mais irrepreensível boa fé.
Acontece mais: o Dr. Serra Lopes é o pai da jornalista Inês Serra Lopes, directora de "O Independente", que logo na fase inicial do mesmo processo ficou famosa pelo envolvimento na efabulação do "sósia de Carlos Cruz".
Esta ligação familiar, sem mais, teria obrigado nos mesmos países usualmente elogiados nos discursos de circunstância da nossa elite forense a que o advogado em causa se afastasse imediatamente do processo em questão.
Por cá, nem em tal hipótese se falou.
Que explicação acolher, a não ser que também entre os advogados a Ordem obedece a... uma opção de classe?
terça-feira, março 14, 2006
Agora a cantar
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Os versos de António Sardinha na música e na voz de José Campos e Sousa.
(Não resisti a pilhar o blogue do Engenheiro).
INVOCAÇÃO
Comovidamente, grato ao Engenheiro que mo recordou, o poema de António Sardinha.
Para ler, e ouvir na voz de José Campos e Sousa.
Ó Terra de Antre Tejo e Guadiana,
onde há contrabandistas e malteses,
ó Terra que és fronteira à castelhana
e a tens metido em ordem tantas vezes!
Terra das claras vilas com cegonhas
no alto dos mirantes sobre o imenso!
(Paisagens religiosas e tristonhas
aonde o rosmaninho faz de incenso…)
(Ruinas penduradas no Distante
com atitudes calmas de ermitério…).
- Ó Terra, em cujo chão febricitante
palpita um formidável cemitério!
Terra das fortalezas truculentas,
minha adiantada-mor de Portugal,
- ó Terra que o abasteces, que o sustentas,
que és um celeiro enorme, sem igual!
Ó Terra que da espada aventureira
tiraste ao vir das pazes a charrua!
(O arado quando chega a sementeira,
como ele empeça em tanta ossada nua!)
Terra de coração em brasa viva,
queimando no furor canicular!
Terra de quem a gente se cativa,
se a água das nascentes lhe provar!
Terra de natural dormente e langue,
onde padecem lobis-homens, bruxas…
- (Voz do Longínquo, ó tentação do Sangue,
não sei em que ânsias doidas me estrebuchas!)
Ó Terra estranha que a perder nos deitas
com endemoninhada beberagem!
Ó Terra da lavoira, das colheitas,
das feiras e arraiais, - da ciganagem!
Terra de San-João de Deus, ó Terra
onde a Rainha-Santa quis morrer!
- (À flor dos horizontes paira e erra
uma saudade líquida a escorrer…)
Terra de meus Avós, dos bons Maiores,
aonde a minha Árvore descansa!
Terra regada com os seus suores,
aonde eu vejo a sua semelhança!
A sua semelhança está comigo,
em mim a cada hora se renova,
ó Terra que me foste berço amigo,
ó Terra que serás a minha cova!
Postas as mãos, em oração ardente,
ó Terra de Crisfal e Bernardim,
Peço-te a bênção comovidamente
- que a tua bênção desça sobre mim.
A Crise da Justiça e a Crise da Legislação
segunda-feira, março 13, 2006
Crimes de gabinete
Derrotas consensuais
Ninguém estranhará a notícia: como salienta o estudo, mesmo as locomotivas europeias, a Alemanha e a França, estão a arrastar o conjunto para a derrota.
A nós, que vamos empiricamente tomando conhecimento do que é o ensino, muito menos a conclusão irá provocar estranheza.
Quando por aqui se fala dos métodos e das regras vigentes nas escolas do Japão ou de Singapura, a reacção observável de imediato é de horror. Se as mimosas criancinhas das nossas fofas sociedades ocidentais fossem tratadas assim rebentava por aí um clamor a falar de tortura.
Ora a competitividade não se atinge sem esforço, sem sacrifício, sem dedicação e trabalho.
Conceitos evidentemente incompatíveis com as doutrinas vigentes entre nós: o esforço e a competitividade são causas eventuais de graves traumas e prejudicam o sadio desenvolvimento da personalidade dos infantes. O que se pretende é que a escola seja um local de experiências, de prazer e de fruição.
Aliás, nem sequer é aceitável defender que as crianças vão para a escola para aprender, ou os professores para ensinar; do que se trata é antes de um processo complexo, de um intercâmbio, em que o que se procura é a assimilação natural.
Tentar agora valorizar o mérito, introduzir critérios de exigência, reivindicar a qualidade, são obviamente tendências absurdas do ponto de vista em que assenta este sistema.
E será assim que qualquer proposta nesse sentido será sentida por todos. Os alunos não querem ouvir falar em exigência e rigor; os professores fogem disso, porque a exigência e o rigor para os alunos implica evidentemente exigência e rigor acrescidos para os docentes; e os pais ainda menos querem tal coisa, que problemas já têm muitos e o que interessa é que a rapaziada vá passando.
Bem se compreende, no quadro descrito, que a derrota seja inelutável. É uma inevitabilidade consensual.
Procriação medicamente assistida
Um excelente site e uma valiosa iniciativa: para quem pretenda saber mais sobre PMA, e as suas implicações.
Um debate fundamental, a marcar o nosso tempo e a determinar o futuro.
Fica o convite a uma visita ao sítio: Procriação Medicamente Assistida.
domingo, março 12, 2006
Três Procuradores
Um, o primeiro, parece estar esquecido de toda a gente. O que me parece compreensível. Foi ele o Dr. Arala Chaves, e chefiou o Ministério Público durante anos cruciais da nossa história recente. Tratava-se de um senhor de fino trato, a que juntava, por educação, uma característica que se encontrava bastante vulgar em homens da sua geração: uma extraordinária reverência perante o poder, aquela convicção profunda de que o respeitinho é muito bonito. Telefonava um ministro ou um presidente e sentia-se que toda a procuradoria se desbarretava, veneradora e obrigada.
Não era por mal; mas a verdade é que com Arala Chaves, apesar do edifício constitucional e o estatuto legal do Ministério Público serem já os actuais, nunca no MP se interiorizou a noção de que aquilo era uma magistratura, e independente, e não devia obediência nem servilismo ao poder político - creio mesmo que não chegou a interiorizar-se a ideia de que o MP também fosse poder.
Vem a propósito recordar que o Ministério Público como existe é uma invenção recente: desde tempos imemoriais o MP era simplesmente um cargo vestibular, um passo necessário para quem visava ingressar na carreira da magistratura. Não era por si uma magistratura, muito menos uma instituição, muito menos um "órgão do Estado". Daqui resulta a sua extrema fragilidade, o permanente risco em que se encontra - sobretudo nos tempos que correm.
Se internamente a nova realidade do MP demorou a ser entendida e assumida, o mesmo aconteceu do lado exterior.
Lembrar alguns factos correntes nos anos de Arala Chaves, entretanto apagados das memórias pela veloz sucessão dos acontecimentos, causa uma sensação mista de incredulidade e estranheza.
Foi uma época, por exemplo, em que o Presidente Eanes levava a peito a ofensa que para ele representavam as caricaturas de Augusto Cid. Consequentemente, andava a PGR numa roda viva a instaurar processos crime em barda contra o cartoonista por causa das caricaturas, e até a apreender os livros.
Foi um período em que alguns jornais, de que bem conheci os casos de "A Rua" e de "O Diabo", eram objecto do especial melindre do poder político. Em resultado, mal as edições dos jornais saíam, nas manhãs das terças e quintas-feiras, já eram anunciados novos processos pela atentíssima PGR - assim que surgiam na rua eram lidos à lupa à procura de qualquer pretexto para perseguição criminal.
Os dois jornais que citei, e que não foram os únicos objecto de tão especiais atenções, chegaram a contar em simultâneo com um número de processos pendentes que hoje parece difícil de acreditar. As consequências são fáceis de calcular: em redacções já de si muito reduzidas, e estruturas empresariais rudimentares, não é possível aguentar uma situação em que a maior parte do tempo é perdido nos tribunais. E assim era: quando se tem praticamente duzentos processos, os que não são réus são testemunhas e a certa altura já não há mais nada para fazer senão responder em inquéritos, instruções e julgamentos, acorrer a tribunais e escritórios de advogados. Com mais algum tempo, e sejam quais forem as absolvições, uma publicação com um cerco destes não resiste. Estiola e morre.
O papel da PGR na estabilização do actual quadro de publicações da imprensa escrita não é nada dispiciendo.
Para não tornar o escrito muito extenso não adianto muito mais - nem será preciso dar o exemplo da apreensão de uma edição de "A Rua", num momento em que essas edições atingiam 100.000 exemplares, por instigação directa de um Secretário de Estado da Comunicação Social de nome Manuel Alegre, nem as condenações a prisão efectiva do director, Manuel Maria Múrias, por causa de um artiguelho em que se dizia do Primeiro-Ministro Mários Soares que era "um mentiroso relapso e contumaz" (afirmação anódina, que julgo já ter sido constatada e partilhada por todos os portugueses).
Serve este discurso para sustentar uma observação minha: nesta altura em que se aproxima o momento da designação do sucessor de Souto Moura, o modelo de relacionamento entre a PGR e a classe política visto por esta como ideal tem um exemplo de notável claridade no período Arala Chaves.
A seguir apareceu Cunha Rodrigues. Cabe referir que este foi de certo modo imposto a Eanes, por sugestão de Mário Soares que o Presidente em funções, embora contrariado (queria a continuação de Arala Chaves) não conseguiu evitar assinar: dadas as tensões existentes não queria ser acusado de abrir mais um conflito institucional.
O nome tinha sido adiantado a Soares por Almeida Santos, que o conhecia bem por o nomeado ter trabalhado com ele no ministério.
Obviamente que no espírito de Soares e de Almeida Santos não estavam apenas nem sobretudo as qualidades, de trabalho e de inteligência, que se reconheciam a Cunha Rodrigues. Para além de afrontar Eanes, teriam certamente algumas razões para pensar ir colocar um incondicional.
Importa dizer, para além de muito mais que seria oportuno dizer de Cunha Rodrigues, que essas expectativas foram frustradas.
Cunha Rodrigues veio a ser o homem que fez do Ministério Público uma verdadeira magistratura, que o institucionalizou e personalizou, que lhe deu a feição de um verdadeiro órgão do Estado, de acordo com o figurino constitucional e legal.
Com um estilo discreto e sóbrio, mas firme e rigoroso, Cunha Rodrigues fez com que desaparecesse de todo do panorama das práticas correntes aquilo que estive a relatar atrás. Ao fim de poucos anos de Cunha Rodrigues tornou-se impensável que algum titular de um cargo político levantasse o telefone para dar conta à PGR das suas mágoas com este ou aquele artigo de jornal. E tornou-se mesmo impensável que algum Procurador devesse sujeitar-se a isso.
Quanto mais não fosse por essa transformação, os actuais magistrados do MP deviam estar gratos a Cunha Rodrigues. O que têm, uma magistratura dignificada que ainda que não seja estimada é certamente temida e respeitada, devem-no a ele (às vezes tenho a impressão de que alguns não se apercebem disso).
Não é o caso de Souto Moura. Este, tendo feito a sua aprendizagem no terreno nos anos de Cunha Rodrigues, e sabendo o que sabe, tem bem presente a importância do antecessor na conquista do estatuto que o MP alcançou.
Também por isso não foi possível ao poder político, apesar das ilusões criadas pelo estilo afável e bem humorado do novo PGR, conseguir o regresso a uma normalidade moldada pelos cânones dos anos de Arala Chaves. O PGR Souto Moura, consequentemente, desiludiu muito, e muitos.
O que reforça a importância fundamental da escolha do sucessor, batalha em que estão concentradas tantas energias nos bastidores do regime.
António Manuel Pinto Barbosa
O responsável pelas Finanças Públicas entre 1955 e 1965. Professor e economista distinto, governador do Banco de Portugal.
Durante mais de três décadas cruciais da vida do País, António Manuel Pinto Barbosa foi uma figura incontornável da vida económica portuguesa (João César das Neves e Francisco Azevedo e Silva, na biografia editada pela VERBO).
Foi a enterrar há uma semana.
Segunda chamada
A todos os antigos alunos do Liceu Nacional de Évora, para que se apressem a fazer as inscrições para o Jantar da Primavera. É já a 31 de Março, em Lisboa.
Na gravura, a capa de "O Corvo" de 1965 (com reprodução do desenho de Dordio Gomes feito para a edição do centenário, em 1941).
Este exemplar pertencia a José Saragoça, infelizmente já desaparecido dos convívios terrenos.
sábado, março 11, 2006
Jornal de Olivença
Destaque hoje para o Alentejo esquecido. Já agora somos todos de Olivença.
Conheçam o Jornal de Olivença e toda a rede de blogues e sítios afins.
É um sonho alentejano, com que Portugal resiste.
Filhos de Saturno
Quando a setecentos oitocentos sucedia
Este verso espantoso escreveu-o Bocage num soneto de homenagem a José Agostinho de Macedo. Creio que não será possível encontrar semelhante brado de admiração em toda a poesia portuguesa.
E todavia Bocage escreveu-o:
Não fosse a pungente necessidade de ganhar para as sopas e eu mesmo me atreveria a entrar nos meandros desta geração e deste tempo que assistiu à irrupção da modernidade entre nós. Época fascinante, cheia de inquietações, entrecruzada de caminhos e de dramas individuais e colectivos – e tão mal conhecida e mal tratada.
A complexidade das relações entre o Elmano Sadino, que veio a ganhar a celebridade pelas pobres razões que continuam a ocultar a sua obra, e o Elmiro Tagídeo, esquecido e maldito pelas escolhas políticas em que mergulhou com toda a força do seu temperamento exaltado, mereciam só por si muitos tratados.
O homem de quem Bocage assim falava tinha sido seu amigo, tinha depois e durante anos sido alvo dos seus sarcasmos, para voltar de novo ao número dos amigos. Pode acrescentar-se que para além das peripécias do relacionamento pessoal, explicáveis até pela agitada vida e pelo feitio turbulento de ambos, tinha sido o seu mais severo e certeiro crítico. Censurou-lhe “a aspereza e pedantesca cerzidura de palavras antigas” que lhe afectavam alguns versos, e lamentou “quantos danos produz esta perniciosa mania!".
Ao ler hoje a poesia de Bocage que nos ficou entendem-se os reparos, e reconhece-se como estava certa a crítica. Onde se desviou da limpidez da frase para se embrenhar em cultismos escusados e forçados, Bocage perdeu e perdeu a poesia.
Mas anos antes, ao tempo da “guerra dos vates”, a inimizade acesa tinha atingido rara violência.
Na “Pena de Talião” invectivava Elmano (expulso da “Nova Arcádia”) o árcade:
Refalsado animal, das trevas sócio,
Depõe, não vistas de cordeiro a pele.
Da razão, da moral o tom que arrogas,
Jamais purificou teus lábios torpes,
Torpes do lodaçal, donde zunindo
(Nuvens de insectos vis) te sobem trovas
À mente erma de idéias, nua de arte.
E retorquia-lhe Elmiro no mesmo tom, mas curiosamente parecendo querer acentuado que o antagonismo era literário:
Tu és vadio, és magro, és pobre, és feio,
E nada disto em ti reprovo ou noto;
Mas posso emudecer quando contemplo
Que queres ser um déspoto em poesia?
No turbilhão que foram as vidas dessas duas formidáveis personalidades não espanta essa flutuação de sentimentos. Que está longe de ser caso raro: ainda agora deparava eu com extasiadas homenagens de Bocage à “maga lira de amor”, à “lira piedosa” de Curvo Semedo, esse “divino autor”, a quem uns anos antes cobria de ridículo.
(Outro a quem muito gostava eu de dedicar o tempo que não tenho: Curvo Semedo, o Belmiro Transtagano, gozou em outros tempos a glória das selectas literárias. O “La Fontaine português” lhe chamaram às vezes. Foi dos vates da Nova Arcádia um dos mais festejados, e um dos mais esquecidos ao depois. Não sei se por motivos só literários, se talvez pela “Ode na Feliz Exaltação ao Sólio Português do Senhor D. Miguel I”).
Estou porém a dispersar-me, embora entre arcadianos (queria eu dizer "árcades", Bocage não gostaria do francesismo). Acabo no entanto já a seguir, atestando que as vulgaridades de cartilha que encontramos nas sebentas não se quadram bem com a verdade. E as calúnias, ainda que correntes, não deixam de ser.
José Agostinho de Macedo, crítico de Bocage e seu adversário de alguns anos, era também seu amigo e seu admirador. Foi-o também na morte, retribuindo-lhe o alto apreço:
Rasa Campa te encobre entr’outros mortos,
O que bebe no Ródano espumante,
sexta-feira, março 10, 2006
Contabilidade
Na altura olhei-o com algum sobressalto de espírito, mas pensando numa broma do filósofo – apesar da gravidade da expressão.
A verdade é que, decorridos quase vinte e cinco anos, estou cada vez mais convencido da razoabilidade da estimativa.
Ora vejam: o meu blogue conta com uns trezentos e trinta e tal leitores fiéis. Pensando na gente que foi morrendo ao longo do último quarto de século, admitindo ainda que uns poucos não têm computador, e por outro lado contabilizando também uns tantos que entretanto foram aprendendo a ler, tudo parece bater rigorosamente correcto.
Eram quinhentos então, andam pelos trezentos e cinquenta agora.
Outra versão
Battez tambours, à nos amours/ Pour le pays, pour la Patrie/ Mourir au loin/ C'est nous les Africains!
C' est nous les Africains qui revenons de loin
Esta é especial para o companheiro do Combustões.
C'est nous les Africains qui revenons de loin/ nous venons des colonies pour sauver la Patrie...
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Notas e variações
Ao fim da tarde, por acidente (estava na sala de espera de um consultório), vi alguns minutos de "Morangos com Açúcar", o que basta e sobeja para me deixar mal disposto... e agoniado, descobri de repente porquê, aquilo fez-me sentir o mesmo que o livro da Mena Mónica, é a mesma coisa sem tirar nem pôr. Aqueles são os filhos, e os netos, mas é aquela gente do livro. Nunca cheguei a explicar o meu sentimento de repulsa quando confessei a leitura (foi a curiosidade levantada pelo Jansenista, mais a frustração de não ter partilhado nenhum dos prazeres gozados por ele) mas agora lembrei-me disso outra vez. Efectivamente trata-se de "Morangos com Açúcar" umas décadas atrás, uma atroz exibição de vulgaridade, de banalidade, de futilidade. Até quando querem ter ideais são pequeninos, e ditados por aquela ansiedade muito peculiar de parecer bem, de estar a la page, que domina uma certa burguesia lisboeta.
O que dói, dói mesmo, é que aquela gente ditou as leis e fez a história, dominou e domina ainda em grande parte o poder cultural e político na terra que despreza.
Não resisti a apontar a identidade entre o livro de Mónica e a abundante literatura de tias para cabeleireiras que gostavam de ser tias, as Mafaldas, Margarida, Ritas, porque me pareceu evidente a comunhão de raízes, de sentimentos, de valores (desculpem a impropriedade da expressão). Mas fiquei por aí: não cheguei a declarar o meu horror.
Todavia, tudo visto, o livro vale a pena. Está lá retratada e escarrapachada uma geração e uma classe (que até podia ser dirigente, se ao menos soubesse dirigir-se) nefasta como poucas na nossa história. Um marco do fracasso, do cabotinismo, da superficialidade de uma época que nunca soube encontrar um sentido.
quinta-feira, março 09, 2006
A ilustre casa de Ramires
O Ramires da Torre...
Uma desgraça nunca vem só
Boa pergunta
Curiosamente, na revista Sábado o conhecido José Pacheco Pereira dedica-se ao mesmo mistério.
Aponta até, com grande oportunidade, uma aparente incongruência: o mencionado homem político surge normalmente associado a grupos que, nomeadamente na blogosfera, se reclamam do mais fiel liberalismo; depois, na prática das suas políticas sempre que tem sido chamado a decidir, o mesmo Paulo Portas tem feito escolhas muito pouco compatíveis com os princípios proclamados pelos mencionados devotos (dele e do liberalismo).
Mas estranhamente nenhum deles se demarcou de um estranho silêncio quanto a essas opções políticas e as hipotéticas contradições. Problema aliás muito bem exposto no escrito de Rui Albuquerque.
Afinal, a que direita pertence Paulo Portas? E os seus admiradores liberais?
quarta-feira, março 08, 2006
Afinem a palheta!
Nunca esqueçam: somos uma espécie em vias de extinção. Se não preservarmos amorosamente o que ainda resta, em pouco tempo nada do que fomos existirá.
E tudo o que é nacional é nosso!
The Right Honourable Edmund Burke
Estão disponíveis para todos vós, caros leitores: The Works of the Right Honourable Edmund Burke.
Uma prenda (um regalo!) do nosso Corcunda.
Lembram-se?
Esta vai especialmente para o Engenheiro, podendo servir também para auxiliar de memória de quantos mais a partilhem.
O nosso liceu, no nosso tempo...
Aproveito para relembrar o próximo Jantar da Primavera, de novo marcado para Lisboa no dia 31 de Março que aí vem. É preciso confirmar presenças quanto antes.
Informo também que a Briosa Tuna Académica já vai nos 104 anos (cento e quatro), e continua aí para as curvas. Já aderiu à internet.
E reparo agora que o colega António Pinto Basto também tem página própria.
Estamos todos a caminhar para novos!
Hymno da Carta
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Pequeno Presépio de Poemas de Natal
Como a resposta poderá ter interesse para mais gente, respondo-lhe publicamente: o "Pequeno Presépio de Poemas de Natal", pois que é esse o livrinho de que se trata, pode encontrar-se facilmente: ou na SHIP, ou contactando o site Rodrigo Emílio, ou em qualquer livraria Bertrand (esta distribui a Antília Editora) ou pedindo-o directamente ao editor:
Lili Marlen
E a todos os apreciadores da imortal canção de Hans Leip e Norbert Schultze recomendo ainda a visita a esta página: umas 17 versões diferentes, de Lale Andersen a Dietrich (não estão todas!).
A versão de Carla Mignone é para o BOS.
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terça-feira, março 07, 2006
Restauração
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Engenharias
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"O Diabo" estraga-me com mimos
COMÍCIO
Outro recado para o Engenheiro: se encontrares o vinil, posta também este comício. Por mim, já tens o Óscar para a melhor banda sonora.
COMÍCIO
Diz adeus à terra
Que te viu nascer:
Deixa aqui teus filhos
E tua mulher,
Vai buscar a pátria
Onde ela estiver!
Aqui tudo exige,
Ali tudo pede:
Acharás justiça
Para a tua sede
E o peixe divino
Cairá na rede.
Haverá domingos
Por toda a semana,
Ali tudo é firme,
Aqui tudo engana,
Ali a alegria
Tem a forma humana.
Diz adeus à terra
Que te viu gerar.
A palavra imunda
Tem aqui lugar:
Perversão da rosa,
Poluição do ar.
Ali tudo habita
No seu próprio chão.
A raiz só prende
Pelo coração
Aqueles que enlaçam
Pecado e perdão.
Aqui quem procura
Encontra o espelho:
Ali gira um jovem,
Aqui dorme um velho.
Ali todo o sangue
Azul é vermelho.
Diz adeus à terra
Onde o amor não basta.
Vai buscar a pátria
Primitiva e casta
Que o terror repele
E o orgulho afasta.
Aqui todo o espaço
Cabe num só medo.
Aqui há denúncia,
Ali há segredo.
Aqui já é tarde,
Ali muito cedo.
Aqui tens um signo,
Ali tens um nome,
Sem voz que divida,
Diminua ou some.
Ali tens a esperança
Para a tua fome.
Diz adeus à terra
Onde a vida passa
Como um rio de água
Morna, lenta e baça,
Onde o vento é brisa
E o clarim desgraça.
Vai buscar a pátria
De bandeiras vivas,
Busca os gestos livres,
Foge às mãos cativas,
Abandona as sombras
E as fontes esquivas.
Busca o teu futuro,
Nega o teu passado,
Vai erguer teu sonho
Solene e sagrado:
Vai morrer na pátria
Que te faz soldado!
António Manuel Couto Viana
Alegrias
São um bem escasso, aqui no exílio.
Uma que me encheu a alma: a chegada do Engenheiro à blogosfera.
Ninguém como ele para acender a chama de um esquecido vitorial; aqui lhe faço presente o poema de Couto Viana.
Se puder, faça lá a fineza de acrescentar à música do seu cancioneiro. Ainda haverá por aí algum vinil de Manuel Sobral Torres?
Vitorial
Marcham todos juntos
(Que amor os irmana?)
Destruindo muros
Libertando espaços.
Vão para o futuro
Que os seus passos traçam
Ágeis e seguros
De alcançar os altos.
Cantam porque sonham,
Contra a fome e a náusea,
Uma pátria heróica
De espigas e espadas.
E a rapariga
Que lhes ouve o canto
Atira-lhes risos
De açucena branca.
E a mulher que aperta
O filho nos braços
Atira-lhes beijos
Da rosa dos lábios.
E a velha que reza
Rosários de esperança
Atira-lhes pétalas
Molhadas de lágrimas.
E o velho que fica?
E aquela criança?
Ele olha mais firme
e ela mais claro.
Que anda um sol fecundo
Reflorindo os campos,
Nascido na luta
Dos homens que marcham.
António Manuel Couto Viana
segunda-feira, março 06, 2006
domingo, março 05, 2006
De Fernando Tavares Rodrigues
Confissão
Entre números
e cifrões transfigurado
Como se também fosse o que fingia.
E o amor por amar que me doía
Neste corpo de amor desocupado.
Assim vestia, dia a dia, o meu ofício
Dessa cor que não serve os namorados:
A gravata, o colarinho de silício
E os gestos tão iguais, tão estudados
Para ganhar um pão que nunca quis
Virei os meus sonhos do avesso
Em vez de continuar a ser feliz.
E hoje só sei que o não mereço,
Que a imagem que criei já não condiz
Com aquele que, mesmo assim, ainda pareço.
De Fernando Tavares Rodrigues
Carta de Amor
Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?
Apenas mais um corpo que marcou
a esperança disfarçada de aventura...
(Da estupidez dos dias já estou farto,
das noites repetidas já cansado.
Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto
para começar, enfim, este meu fado?)
No fim deste caminho de pecados
feito de desencontros e de encantos,
de palavras e de corpos já usados
onde ficamos sós, sempre, entre tantos...
Que fique como um dedo a nossa marca
e do que foi um beijo o nosso cheiro:
Tesouro que não somos. Fique a arca
que guarde o que vivemos por inteiro.
Fernando Tavares Rodrigues
As times goes by
Como o tempo passa
Enquanto ficamos sós...
Passamos nós pelo tempo
Ou passa o tempo por nós?
Bebamos os dois à taça
O que afinal sou eu só
- ambígua raiva, duelo,
dualidade num só.
Novamente Gustavo Corção
UM BRASILEIRO QUE USA BOINA
Vivemos num mundo que rasga tratados, que ignora juramentos, que despreza compromissos. Em nome de uma “civilização futura” — cujos contornos não se pode prever — procura-se desmoralizar a civilização passada, como se no passado não se contivesse o germe do futuro.
Civilizar é obra de gerações. Destruir tudo para começar tudo de novo é correr o risco de uma queda no primitivismo, na barbárie.
Esses conceitos óbvios ora sofrem contestação inconseqüente num século em que a “promotion”, o jogo de aparências como que pretendem esmagar as essências.
Reina a moda em todos os setores — não apenas no da indumentária. As idéias converteram-se em tributárias da “onda”. Variam como as coleções dos costureiros parisienses. A busca sôfrega do que se apelida de novo é uma fábrica de doidos estereotipados.
Fácil é avaliar como tal clima favorece a ascensão dos moedeiros falsos. As artes, as letras e mesmo as ciências foram invadidas por esses travestis que se fazem passar por algo que jamais poderão encarnar com naturalidade.
Se em qualquer época homens fiéis são a base de tudo, hoje, com a raridade, esses espécimes tornam-se ainda mais preciosos diante da legião dos inimigos dos valores eternos, que se infiltram, por todas as brechas.
“O juramento é aquilo que nos diferencia, já não digo dos selvagens, mas das bestas e dos répteis”. A frase é de Chesterton, que Gustavo Corção assim comenta: “Aí está a idéia a que me refiro. Diz respeito à promessa, ao juramento, ao voto, ao pacto, à aliança, à palavra dada. Trata-se, em suma, da fidelidade, desse elemento dual e primeiro, que é a própria base do direito, e sem o qual o homem, com todas as suas maravilhosas e orgulhosas conquistas — seus navios aéreos, seu radar e sua bomba atômica — se tornará um bárbaro”.
A batalha da fidelidade confunde-se com a luta contra a barbárie, combate esse prioritário para a civilização. Mas a infidelidade como que vai arrombando todas as portas — até mesmo, paradoxalmente, as da fé.
Por isso, a presença na liça de homens como Gustavo Corção é duplamente preciosa: pelo valor real que o sábio católico armazena consigo e que ninguém isentamente lhe poderá negar, e pela necessidade premente de cruzadas como a sua.
Num período em que membros da Igreja Católica não conseguem estabelecer uma distinção clara entre a indispensável atualização e a execrável traição, a palavra de Corção cresce em importância.
“Vivemos hoje num mundo que tenta afirmar a soberania do homem, e até a sua divinização já que sem deuses não sabemos viver. E é tão insolente essa idolatria que já se pode falar em perseguição do cristianismo. A Igreja está intimada a adorar o mundo”. (Corção, “Dois Amores, Duas Cidades”).
Num mundo em que os profetas do marxismo procuram implantar a destruição de todos os valores em nome de um sistema totalitário escravizador, o apostolado de Corção converte-se numa fortaleza da desmistificação.
Gustavo Corção, o brasileiro que no inverno usa boina, é um homem-farol. Sua lâmpada mostra os caminhos com espantosa clareza.
Petição para tornar a língua portuguesa uma das línguas oficiais da ONU
Em defesa da língua portuguesa
A língua portuguesa e a Europa são, ou deveriam ser, dois vectores fundamentais da política externa portuguesa, das preocupações do nosso Estado. A língua dá-nos universalidade; a União Europeia confere-nos escala e é um dos eixos definidores do nosso projecto colectivo contemporâneo. Assim sendo, o facto de em Portugal - e no mundo onde se fala português - ser praticamente impossível ver o Euronews em língua portuguesa é surpreendente e lamentável, sobretudo sabendo que há uma versão portuguesa desse canal, transmitida 24 horas sobre 24. O Euronews, o canal televisivo de notícias da Europa, dispõe de um financiamento comunitário para programas sobre assuntos relativos à União Europeia. Este canal é participado por diversas entidades, entre elas a RTP, titular de 1,4% do seu capital social, o que traduz, por parte dos poderes públicos, o reconhecimento da relevância que a Europa tem para Portugal. A este facto acresce que há 16 jornalistas portugueses a trabalhar na produção do Euronews em língua portuguesa que, não tendo qualquer vínculo laboral com a nossa empresa pública de televisão, representam um esforço financeiro para a RTP superior a dois milhões de euros por ano, segundo dados da própria. Acontece que aquilo que parece ser uma actuação concertada e reveladora de uma orientação de serviço público acaba por ter um resultado quase nulo. Senão, vejamos: Como qualquer telespectador pode verificar, a RTP difunde o Euronews em língua portuguesa em horários quase clandestinos. No canal 2: há dois blocos diários de 30 minutos transmitidos entre as duas da madrugada e as sete da manhã. Na RTP-N, quase em concorrência directa, o Euronews era transmitido até há poucos dias durante o mesmo horário (o leitor sabia?). De resto, tanto a RTPi como a RTP África passam dois a três curtos blocos diários. No canal 1, o canal generalista, o canal de grande divulgação, o Euronews não conhece nem a luz do dia nem a da madrugada! Entretanto, na TV Cabo, o Euronews faz parte da programação oferecida, mas na versão em língua inglesa. A explicação reside, segundo a RTP, no facto de esta versão ser de acesso gratuito, o que não acontece com a versão portuguesa. Pelos vistos, a RTP não está disponível para facultar à TV Cabo, sem custos, o respectivo sinal. Estes factos são do conhecimento do Governo português, já que em devido tempo tive oportunidade de colocar estas questões ao ministro da tutela, dr. Santos Silva, que me enviou alguns dados fornecidos pela RTP. Curiosamente, poucos dias depois a RTP-N prolongou o período de transmissão do Euronews em língua portuguesa até às dez horas da manhã. É uma pequena vitória, mas não chega. Em termos práticos, a verdade é que há 16 jornalistas portugueses a trabalhar no Euronews, há um custo directamente suportado pela televisão pública de dois milhões de euros ao ano, há programação em língua portuguesa produzida 24 sobre 24 horas e, no entanto, ela é difundida ou fora de horas ou então em língua inglesa. Salvo melhor opinião, estamos no domínio do absurdo. Se a Europa é um desígnio e a língua uma ferramenta, convinha que os poderes públicos em Portugal agissem em conformidade. Não é possível obrigar os operadores de TV Cabo a adquirir a versão em língua portuguesa do Euronews, mas é lógico e razoável que o Estado, o único accionista da RTP, contrate com o operador público uma transmissão do canal europeu em termos consentâneos com o esforço financeiro suportado pelos contribuintes. Não faz sentido lamentarmos a distância que há entre os nossos cidadãos e a "Europa" e depois, podendo, nada fazer para a combater. Tal como não faz sentido dispor dos meios para divulgar de uma forma eficaz os temas europeus junto das comunidades portuguesas e também dos PALOP, suportar os respectivos custos e, no entanto, não o levar a efeito.Há momentos em que a defesa dos nossos interesses, em particular da língua portuguesa, é simples de concretizar. Basta decidir.