O nosso contributo para as comemorações do aniversário do Concílio Vaticano II: um magnífico artigo do jornal romano anti-modernista "Sim Sim Não Não".
E que o vosso falar seja "sim sim não não", porque tudo o que passa disso vem do Maligno...Pontos necessários para um reflorescimento na IgrejaParece-nos de grande utilidade listar aqui os pontos necessários para o bem da Igreja, os caminhos inevitáveis a serem percorridos não apenas para um "saneamento" mas para um renascimento espiritual sólido e fecundo. Não se deve esquecer de que, qualquer que seja a gravidade da situação, a Igreja possui em si mesma não apenas os anticorpos para resistir aos ataques internos e externos, mas também todas as fontes para voltar a ser mais resplandecente do que nunca. A Igreja, na verdade, não é uma obra humana; seu Fundador e Esposo não é um homem, nem mesmo o mais rico e poderoso do mundo. A Igreja nasce do coração trespassado de Jesus: é lá que ela permanece, é lá que ela se alimenta; é lá que ela recebe todo o seu ser. Essa origem e o laço vital que a une ao Esposo divino fundamentam a firme esperança de todos os seus filhos verdadeiros e impedem que a dor e a tristeza se transformem em desânimo e pessimismo.
1) NECESSIDADE DE VOLTAR À DEFINIÇÃO TRADICIONAL DA VERDADEÉ este o título de um artigo incrivelmente actual do padre Garrigou-Lagrange. É preciso tornar consciência de que a desordem actual não afectou somente a fé e o sobrenatural, mas também a esfera natural da razão. Desde que é à inteligência que compete crer [é ela a sede da fé], é claro que toda a desordem substancial que envolve a inteligência se repercute na fé. O fim próprio e essencial da inteligência é a verdade, que é magistralmente definida por Santo Tomás de Aquino como "adaequatio rei ad intellectum", conformidade da inteligência à realidade. Dessa adesão (poder-se-ia mesmo dizer "aderência'') da inteligência ao real provêm as leis imutáveis do nosso pensamento: princípio de não contradição, de causalidade, de finalidade. A dinâmica da consciência, claramente posta em relevo por Santo Tomás, encontra sua origem e seu fundamento na abertura à realidade exterior, no ser: "illud quod primo intellectus concipit quase notissimum et in quo omnes conceptiones resolvit est ens". De acordo com a filosofia aristotélica, o conhecimento de um objecto nasce da constatação de sua existência, e não da dúvida cartesiana; o conhecimento é abertura ao ser e a suas leis, que a inteligência encontra "fora de si", sem tê-las produzido. A inteligência é, por sua natureza, aberta e relativa ao ser, como a visão às cores.
Os que não estão familiarizados com a filosofia podem pensar que essa questão é de pouca importância e não tem relação com a crise actual. Na verdade, o ponto nevrálgico da causa do afastamento do pensamento moderno está aí, na compreensão da relação entre ser e pensamento. É o pensamento que se funde no ser ou é o ser que se funde no pensamento, como quer o idealismo? É o pensamento que se conforma, que "obedece" à realidade ou é ao contrário? É esse o problema que São Pio X coloca a descoberto, com grande profundidade de reflexão, em suas intervenções contra o modernismo.
A perspicácia de Marcel de Corte permitiu-lhe delinear assim a questão: “O mal que aflige o homem individual (..) é o subjectivismo. A inteligência renuncia a seu poder de conhecer as coisas tais quais são em si mesmas, independentemente do espírito que as pensa. Ela se priva da realidade. Como se espantar de que ela confesse sua incapacidade de elevar-se até o Princípio da realidade? Ao exilar-se da realidade, a inteligência se fecha automaticamente em si mesma.
Para ela, só existirá o que se manifesta nela, nada mais. Não são mais as coisas que existem, mas as ideias que ela se faz das coisas. Assim, ela não está irais sujeita ao real, nem ao Princípio do real. A inteligência passa a depender só de si mesma, de sua faculdade de produzir ideias, entidades infinitamente maleáveis, que passam a submeter-se a seu poder criador. O mundo é o que eu penso do mundo. "
Se abrir-se ao real não é reconhecido como o primeiro acto da inteligência; se a inteligência não aceita a realidade como norma de sua acção, então tudo - ao menos potencialmente - é discutível: "A verdade é a adequação do pensamento à realidade. Se o modernismo se divorcia da realidade e do princípio do real, como pode ele defender uma verdade eterna e necessária no domínio da fé e da vida social? (...) Formas e categorias são produtos do pensamento e, portanto, o pensamento as domina e pode ultrapassá-las ".
É mais urgente do que nunca ter ideias claras sobre o que Hegel chamava de "início" do pensamento. [...] A autoridade suprema da Igreja, o Soberano Pontífice, cedo ou tarde terá de reafirmar com força, para o bem da Igreja, esse ponto tão essencial e tomar as medidas necessárias contra os que minam o dogma e a verdade em seu fundamento, colocando as bases para a realização do projecto satânico "eritis sicut Deus ". "Oriunda do subjectivismo, a heresia modernista volta para lá, destronando Deus e colocando o homem em seu lugar. (...) Não estando ligada a nada que a ultrapasse, a consciência humana só pode atingir a Deus em si mesma ".
Na teologia, aceitar a revolução do pensamento moderno significa minar pela base a possibilidade de ouvir a doutrina católica eodem sensu eademque sententia, obrigação clara para todo o católico. O Pe. Garrigou-Lagrange, no fim do artigo já citado, lança um apelo vigoroso: "Sem dúvida, é necessário voltar à definição tradicional da verdade: adequatio rei et intellectus, a conformidade do pensamento com o ser exterior e suas leis imutáveis. Os dogmas supõem essa definição (…). Não é por opção arbitrária, mas por sua própria natureza que nossa inteligência adere ao valor ontológico e à necessidade absoluta dos primeiros princípios como leis da realidade. Só assim é possível manter a definição tradicional da verdade que os dogmas supõem". Eis a conditio sine qua non para se construir sobre a rocha e não sobre a areia, e os piores inimigos são os que tentam negar ou esconder esse problema.
É esse o ponto de partida para uma verdadeira reforma da Igreja.
2) NECESSIDADE DE VOLTAR AO FUNDAMENTO DA FÉA essência do acto de fé é a adesão da inteligência às verdades reveladas por Deus, em virtude da autoridade d’Aquele que as revela. Não se crê porque o conteúdo da fé seja evidente, nem porque ele esteja de acordo com as aspirações e as exigências pessoais ou actuais. A razão formal da fé é o facto de ser ela revelada por Deus, e o respeito de nossa inteligência lhe é devido, porque Ele não pode nem Se enganar nem nos enganar.
A Revelação divina nos é transmitida e claramente interpretada pelo Magistério infalível da Igreja, ao qual devemos um assentimento humilde e filial, seja quando se exprime em sua forma extraordinária, seja em sua forma ordinária. Não é possível que a Igreja se tenha enganado, ensinando durante séculos uma verdade ou condenando durante séculos um erro. Devido a sua origem divina, a fé alcança uma certeza que o conhecimento humano mais evidente não pode atingir (uma certeza, nós repetimos, devida Àquele que revela, e não à evidência intrínseca daquilo que é revelado). Sempre por causa dessa origem divina, quem quer que negue um só artigo de fé corta a fé pela base, como explica Santo Tomás com clareza: "aquele que não adere, como a uma regra infalível e divina, ao ensinamento da Igreja, (...) não tem o habitus da fé. Se ele admite verdades de fé, é por outra razão diferente da verdadeira fé. (...) Fica claro também que quem adere ao ensinamento da Igreja como a uma regra infalível, dá seu assentimento a tudo que a Igreja ensina. Caso contrário, se ele admite somente o que quer, e não admite o que não quer, a partir desse momento ele não adere mais ao ensinamento da Igrejacomo a uma regra infalível, mas adere à sua vontade própria ".
Ora, é claro que, por causa da natureza estável da verdade e d’Aquele que a revela, ninguém, nem no seio da Igreja nem fora dela, jamais poderá se outorgar o poder de ensinar alguma coisa diferente ou oposta ao que a Igreja recebeu de Nosso Senhor e transmitiu ao longo dos séculos.
São Vicente de Lérins respondia assim aos que temiam que isso impedisse o progresso na Igreja: "Não haverá jamais nenhum progresso na religião e portanto na Igreja do Cristo? Certamente, haverá um progresso, e até um progresso considerável! [...] Mas com a condição de que se trate de um verdadeiro progresso para a fé, e não de uma mudança: há um progresso quando uma realidade cresce permanecendo idêntica a si mesma. Há mudança quando uma coisa se transforma em outra."
A segunda necessidade para resolver a crise actual e restabelecer a Igreja em sua fecundidade apostólica é livrar-se das posições que pretendem introduzir uma mudança em relação a todos os ensinamentos do Magistério constante extraordinário e ordinário, O dogma na Igreja teve um grande desenvolvimento; mas isso é devido às potencialidades que lhe são intrínsecas (as circunstâncias exteriores, como o perigo de heresia, foram apenas factores ocasionais). Em outros termos, foi uma penetração da verdade revelada e aceita, penetração que permitiu tirar do dogma, com a ajuda da razão, todas as consequências lógicas que ele já continha. O que acontece hoje, ao contrário - considere-se por exemplo o caso da liberdade religiosa - constitui uma mudança causada pela aceitação no seio da Igreja dos princípios do pensamento moderno (nesse caso, o princípio da absoluta liberdade de consciência), princípios que foram condenados em diversas ocasiões pelos Pontífices. Face a isso, é necessário meditar mais uma vez, palavra por palavra, o que São Vicente de Lérins exprimiu com espantosa actualidade: "Se começamos a misturar o novo com o antigo, o que é estranho com o que é familiar, o profano com o sagrado, essa desordem rapidamente se espalhará por toda a parte, e nada na Igreja ficará intacto, sem mancha, e onde se erigia o santuário da verdade pura e intacta, haverá um lupanar de erros sacrílegos e vergonhosos [...]. A Igreja do Cristo, guardiã vigilante e prudente dos dogmas que lhe foram confiados, nunca modifica nada neles, não lhes acrescenta nada, nada lhes retira: ela não rejeita o que é necessário, nem acrescenta o que é supérfluo; ela não deixa que lhe roubem o que só a ela pertence, ela não se apropria do que pertence aos outros [...]. Eis o que a Igreja sempre fez por meio dos decretos conciliares, sendo movida (a redigi los) pelas inovações dos heréticos. Ela sempre transmitiu à posteridade em documentos escritos o que ela tinha recebido dos padres pela tradição, resumindo em fórmulas breves uma grande quantidade de noções e, mais frequentemente, especificando com termos novos e apropriados uma doutrina antiga, para que ela fosse melhor compreendida.
3) CONCLUSÕES PRÁTICASSegundo as próprias palavras do actual Pontífice, na época cardeal, é claro que o Concílio Vaticano II constitui em alguns de seus textos (Dignitatis Humanae, Gaudium et Spes, Unitatis Redintegratio, para citar apenas os mais controvertidos) uma novidade que contradiz o passado, uma abertura a esse "mundo moderno" ao qual a Igreja tanto se tinha oposto até Pio XII. Enquanto ficarem apegados a essas posições, que não tinham direito de cidadania no ensinamento precedente da Igreja, não será possível um verdadeiro renascimento da Igreja. Poderão entrar num acordo sobre a denúncia dos abusos, sobre a condição miserável do mundo católico actual, sobre as inquietações a respeito do mundo actual..., mas sobre o ponto mais urgente e mais importante, isto é, o remédio, ficarão nas antípodas da verdadeira solução.
Sua Santidade bem sabe que a questão da tradição não pode ser diferida por muito tempo; mas o ponto chave consiste em compreender que não se trata apenas de resolver o "problema" da Fraternidade São Pio X. Acolher oficialmente [no Vaticano] o mundo da tradição significa reconhecer que a solução de todos os problemas que afligem a Igreja e o mundo reside na fidelidade incondicional a tudo que a Igreja nos transmitiu sem alteração até hoje. Só assim, por um acto de humilde e confiante abandono a Deus, desafiando todos os cálculos e previsões humanas, poder se à realizar não apenas uma restauração, mas também uma verdadeira reforma da Igreja, que. trará consigo toda a vivacidade e o dinamismo de que ela indubitavelmente tem necessidade.
Não é preciso ter medo de reafirmar tudo que a Igreja sempre ensinou; pouco importa que esses princípios soem como "desafinados" aos ouvidos deformados da mentalidade moderna. É preciso permanecer fiel a Jesus Cristo e à sua igreja, e não ao mundo e a suas expectativas.
O único acto de verdadeira caridade que podemos fazer a esse mundo desviado é sermos fiéis à tradição da Igreja; ensinar sem temor tudo o que nos foi transmitido, apoiando nos exclusivamente na ajuda de Deus.
Os reinos dos Corações de Jesus e de Maria serão somente instaurados pela coragem da fidelidade ao que o mundo considera como tolice, loucura, fanatismo mas que, ao contrário, parafraseando São Paulo, é sabedoria e poder de Deus. Frente às terríveis ameaças e às tristes realidades que temos sob os olhos, só há um caminho a percorrer: "A fé, meus irmãos, mais fé!"
É esse acto de fé corajosa que esperamos do soberano Pontífice; somente a verdadeira fé poderá fazer a Igreja renascer mais bela e resplandecente do que nunca.