domingo, outubro 31, 2004

CRÓNICA DA AMÉRICA, por Manuel Calado

Através de Fernanda Leitão (a quem muito agradeço!) recebi um artigo do jornalista luso-americano Manuel Calado, sobre temas que são tão polémicos e relevantes cá como lá.
Dedico-o ao BlogUE e ao Geraldo Sem Pavor, blogues que aqui nas brenhas mais próximos estarão de certos assuntos abordados, por fatalidade geracional e experiências pessoais.

Mercado Livre
Há quem acredite que as leis do mercado são cura para todas as doenças da sociedade.Em parte, talvez seja verdade. O mercado livre é essencial a uma sociedade livre. Mas com certas limitações e disciplina. O completo descontrolo da actividade económica, tem descambado em ondas de corrupção, roubo e fraude, como aquela que levou à bancarrota colossos industriais como a tristemente célebre Enron, dos amigos do nosso presidente. Há coisas que o “Mercado” não pode resolver com equanimidade, como a instrução, a assistência pública, a saúde, a reforma, e tudo aquilo que é próprio de uma sociedade justa e civilizada. A sociedade não pode ser apenas uma feira onde tudo se compra e se vende. Há coisas que não têm preço, e que só um governo justo pode prodigalizar a todos os seus cidadãos, independentemente do seu poder de compra. Porque nem todos jogam na bolsa e nem todos são capitalistas. Isto de querer transformar a sociedade numa feira, onde tudo se compra e se vende, desde a saúde à educação e assistência, e de querer misturar a religião com a politica, parece ser a crença dos conservadores da direita radical.
A maioria dos paises desenvolvidos, incluindo o vizinho Canadá onde a educação e a saúde são responsabilidade do governo, não sofrem deste nosso horror a tudo que seja social. Nesses paises o livre capitalismo funciona, dentro de certos limites, com adequados controlos, e dentro de uma concepção humanística do bem público. Parece-nos ser contra os interesses humanos da nação americana este esforço para sabotar todos os elementos sociais adoptados pelos legisladores liberais de ambos os partidos, a começar no governo de Roosevelt.
Os adeptos da teoria do Livre Mercado sem peias nem restrições, aplicada a tudo, desde a assistência à saúde e à educação, vêm lutando para destruir o que resta do Social Security, do Medicare, Medicaid e todos os programas destinados a trazer justiça e equanimidade à sociedade onde vivemos. Centenas de programas sociais, afectando trabalhadores, incapacitados, imigrantes, crianças, jovens e idosos, têm sido eliminados nos últimos anos, em favor de descontos nos impostos aos ricos do país.
No campo da educação, os apologistas da lei do mercado condenam a instrução pública, em favor de escolas particulares. Esquecendo que há milhões de jovens que não podem frequentar tais escolas por falta de recursos. A escola pública, é o grande equalizador social. A escola particular, pratica a segregação económica, aceitando apenas aqueles que podem pagar. Milhões de crianças e jovens não recebem o cuidado médico que necessitam, por falta de um sistema nacional de saúde. E este estado de coisas não se pode caracterizar como exemplo de uma sociedade atenta às necessidades humanas dos menos afortunados.
O argumento dos que favorecem a instrução particular cita como exemplo o resultado do sistema universitário americano. Mas não porque os estudantes tiveram a liberdade de escolher as universidades que desejam frequentar, mas, sim, foram as universidades que tiveram o privilégio de escolher os alunos que as frequentam. Esta é a diferença, entre o que é público e o que é particular. O sistema público aceita ricos e pobres, inteligentes ou retardados. O particular, aceita apenas aqueles que podem pagar as propinas cada vez mais elevadas, e que só os filhos de pais abastados podem satisfazer, assim como os que tiveram notas acima do normal. E tudo isto, parece-nos, não está de acordo com a doutrina de uma sociedade democrática, onde a instrução e a saúde deviam ser direito adquirido de todos, e não um privilégio de apenas alguns.
Manuel Calado

Espero que não estejam esquecidos...


É já no próximo sábado, e não podem deixar de se associar à iniciativa do Praça da República. Ainda por cima nesta altura em que a blogosfera é uma realidade cada vez mais incontornável, como agora se diz. Portanto, desde os blogues mais "identitários" aos mais "cosmopolitas", todos a Beja!

Ainda Matateu e Baptista Bastos

Logo depois de ter publicado a entrevista de Baptista Bastos a Matateu, que podem ler um pouco mais abaixo, recebi de Fernanda Leitão, lá dos longes de Toronto, uma mensagem de resposta. Torno-a pública, até porque gosto de partilhar - e também porque sei que há por aqui habitualmente leitores belenenses, pelo menos os do Último Reduto e do Santos da Casa, que gostarão destas evocações.
Não lhes chamo "malta azul", porque aqui em Évora isso queria dizer que eram do Juventude. Mas cá deixo a prenda.

MATATEU & BB
Ainda bem que relembrou essa entrevista (enternecedora) do Matateu. Eu gostava muito dele. Era um homem como a terra o deu, puro e sem misturas. O povo adorava-o. Tinha-o como coisa sua.
Num fim de tarde de muito calor, em pleno Agosto, com Lisboa quase às moscas, quando os comboios da Linha despejavam os banhistas
no Cais do Sodré, um ardina desconsoladíssimo com a pouca venda de jornais teve uma travadinha e desatou a gritar:
- Traz o casamento! Traz o casamento!
Bisbilhoteiro, o alfacinha começou a parar e a perguntar:
- Qual casamento?
- Da Amália com o Matateu! - respondeu o bardina todo lampeiro.
Os jornais venderam-se. E dali a meia hora, porque houve uns peludos que deram por paus e por pedras, veio a polícia e o reguila foi de cana. Mas teve muita graça. O povo sabia rir com as suas figuras mais amadas.
Por mim, prestei ao jogador do Belenenses a homenagem que esteve ao meu alcance. Pouco depois de chegar ao Canadá, apareceu-me à porta uma gata esfomeada e perdida, mas linda de morrer. Alberguei-a e em pouco tempo ela pôs-se nos trinques. Tinha um belo pedigree.
Mas caíu de amores por um gato preto da vizinhança. Digamos que foi uma lady caída na galderice. Acontece. Um belo dia, ao som das cantigas do Frei Hermano, aconchegada num lençol que fazia resguardo a um cobertor fofo, pôs no mundo sete gatinhos. Um mais bonito do que o outro. Havia um gatinho todo negro, de bela musculatura, a quem chamei Matateu. Esse foi para Hamilton, para uns portugueses que vivem nessa cidade a caminho das cataratas de Niagara. E os outros, por igual, ficaram em casas portuguesas. Menos a lady, que por via das dúvidas mandei esterilizar, e uma filhota tal qual ela, pareciam duas gotas de água, que corria ao chamado de Mariana. Morreram velhinhas e eram um encanto. Para não perder o treino, depois de as perder, fiquei com um persa todo negro, de fuça achatada, olhos amendoados amarelos. É o Tobias, mais conhecido aqui no prédio do que o tremoço em romaria. Já veio baptizado, se não tinha sido Matateu.
Mas basta de prosa felina.
Vamos ao Baptista Bastos, o impagável BB, esse comuna tão engraçado. Dois ou três dias depois da abrilada, a quente, o Artur Agostinho (que dali a pouco era preso e saneado) entrevistou o BB. Quando lhe perguntou que recordação política do passado era mais viva na sua memória, o BB, impante, definitivo, declarou que era a guerra das Astúrias. A cara do Artur Agostinho, perdido de riso, era de antologia. E trinta anos depois, eu ainda me rio com gosto deste comuna de lacinho que se lembrava do que não viu porque, quando muito, estava na barriga da mãe. O que um camarada faz pelo curriculum...
Fernanda Leitão

sábado, outubro 30, 2004

Breve passeio blogosférico, e crónica respectiva

Como é sábado de manhã, fiz uma digressão pelas proximidades blogosféricas.
Encontra-se muito que ler, com gosto e com proveito. Nem sei como alguém ainda compra jornais.
Recomendo aos leitores que apreciem o vigor da prosa e o desassombro das ideias que não percam de vista o DRAGOSCÓPIO. Ele não quer fazer proselitismo, mas uma pessoa não pode deixar de o seguir. Foi tocado pelo fogo dos deuses. Depois, quem tenha o coração e o espírito tomados pelo espírito de missão (la mui noble concepción de servicio, como dizia um camarada que se fue al lucero que en el cielo le esperaba) não pode abandonar o DO PORTUGAL PROFUNDO. Caso muito mais sério que o do famoso Professor Marcelo, que não passa de jogos florais em família.
Verifiquei que estão vivos e intervenientes o LUSITANA ANTIGA LIBERDADE e o CEGOS, MUDOS E SURDOS.
No conjunto, vasta leitura para o fim de semana. E quem pretenda ir mais longe leia Gustavo Corção, profundo e vibrante, no FASCISMO EM REDE (não façam essa cara, que já não tenho idade para ligar a figas e esconjuros).
Para acabar, uma pequena mensagem. Ali mais atrás tinha feito uma referência à nossa presidenta e à sua particularíssima concepção sobre o "cargo", lamentando não poder contar umas estórias que trago atravessadas. O A. ficou aos saltinhos, a pedir "conta, conta, conta!". Não sabia como responder, dado que realmente não é possível contar, pois se o fizesse seria bem depressa apanhado e ficaria bem pior que o António Caldeira.
Mas de repente surgiu-me uma inspiração: posso dizer o essencial sem dizer o que não quero. Assim: o que eu quis referir foram umas práticas, em que a certa altura fiquei na ingrata posição de protagonista, que, somadas com outra situações que depois fui conhecendo sem que me dissessem respeito, me comprovaram à saciedade que a ilustre primeira-dama tem do "cargo" e da "missão" em que se acha investida uma concepção... cunhalista. O neologismo nestre caso não vem de cunhal, evidentemente. Digamos que a senhora leva muito a sério a função de provedora de amigos e parentes, e não se inibe. E tenho dito.

Economia portuguesa e desenvolvimento, por Mário de Queiroz

Indicadores económicos e sociais periodicamente divulgados pela União Europeia (UE) colocam Portugal em níveis de pobreza e injustiça social inadmissíveis num país que, desde 1986, faz parte do “clube dos ricos” do continente. Mas o golpe de misericódia foi dado pela avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): nos próximos anos Portugal ficará ainda mais distante dos países avançados.
A produtividade mais baixa da UE, a escassa modernização e vitalidade do sector empresarial, educação e formação profissional deficientes, mau uso dos fundos públicos com despesas excessivas e magros resultados, são os dados assinalados pelo relatório anual da OCDE sobre Portugal, que se estende a 30 países industriais.
Ao contrário da Espanha, Grécia e Irlanda (que fizeram parte do “grupo dos pobres” da UE), Portugal não soube aplicar no seu desenvolvimento os substanciais fundos comunitários que, sem parar, deslizaram de Bruxelas durante quase duas décadas, na opinião coincidente de políticos e economistas.
Em 1986, Madrid e Lisboa entraram na Comunidade Económica Europeia (CEE) com índices semelhantes de desenvolvimento relativo e, apenas há dez anos atrás, Portugal estava um lugar à frente da Grécia e da Irlanda no ranking geral da UE. Mas em 2001, foi folgadamente ultrapassado por esses dois países, enquanto a Espanha se perfilava a pouca distância do pelotão da frente. “A convergência da economia portuguesa com as mais avançadas da OCDE parece ter parado nos últimos anos, mostrando uma brecha significativa no rendimento per capita”, afirma a organização. No sector privado, “os meios do capitalismo nem sempre se utilizam ou interligam com eficiência, e as novas tecnologias não são rapidamente adoptadas”, afirma ainda a OCDE.
“A força laboral portuguesa conta com menos educação formal do que os trabalhadores doutros países da UE, incluindo os novos membros da Europa central e oriental”, assinala o documento.
Todas as análises sobre números de investimento coincidem num ponto: o problema central não está nos montantes investidos, mas nos métodos distributivos. Portugal gasta mais do que a grande maioria dos países da UE em remunerações a funcionários públicos, no tocante a produto interno bruto, mas não consegue melhorar significativamente a qualidade e a eficiência dos serviços. Com mais professores por alunos do que a maior parte dos membros da OCDE, nem assim consegue garantir uma educação e formação profissional competitivas com os outros países industrializados. Nos últimos 18 anos, Portugal foi o país que recebeu mais subsídios por habitante em assistência comunitária. E no entanto, nove anos depois de se aproximar dos níveis europeus, a partir de 1995 começou a decaír e as perspectivas de hoje indicam que ficará cada vez a maior distância.
Onde foram parar os fundos comunitários? – esta é a pergunta insistente em debates televisivos e em colunas de opinião dos principais jornais do país. A resposta mais frequente é que esse dinheiro engordou a carteira daqueles que já tinham muito. Os números indicam que Portugal é o país da UE com maior desigualdade social e com os salários mínimos e médios mais baixos, pelo menos até 1 de Maio passado, aquando da ampliação de 15 para 25 nações. Também é o país do bloco em que os administradores de empresas públicas têm salários mais altos.
O argumento mais frequente dos executivos indica que “o mercado decide os salários”. Consultado pelo IPS, o ex-ministro das Obras Públicas (1995-2002) e actual deputado socialista João Cravinho, desmentiu esta teoria. “São os próprios administradores quem fixa os seus salários, deitando as culpas ao mercado”, disse.
Nas empresas privadas com participação estatal ou nas estatais com accionistas privados minoritários, “os executivos impõem honorários astronómicos (alguns chegam a auferir 90 mil dólares mensais, mais bónus e regalias) com a cumplicidade dos accionistas de referência”, explicou Cravinho. Esses mesmos accionistas “são ao mesmo tempo altos executivos e todo este sistema, no fundo, é em prejuízo do pequeno accionista, que vê a posta grande dos lucros ir parar às contas bancárias dos dirigentes”, lamentou o ex-ministro. A crise económica que estancou o crescimento português nos últimos dois anos, “está a ser paga pelas classes menos favorecidas”, afirmou.
Esta situação de desigualdade é cada dia mais visível, com os mais variados exemplos. O último é o da indústria automóvel em crise. Os comerciantes queixam-se de uma quebra de quase 20 por cento nas vendas de automóveis de baixa cilindrada, com preços entre 15 mil e 20 mil dólares. Mas os representantes de marcas de luxo como a Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati e Lotus (veículos que valem mais de 200 mil dólares), lamentam-se de não terem capacidade para satisfazer todos os pedidos, registando um aumento de 36 por cento nas vendas.
Estudos sobre a tradicional indústria têxtil lusitana, que foi uma das mais modernas e de melhor qualidade em todo o mundo, demonstram que está estagnada porque as suas empresas não se souberam actualizar. Mas a zona norte, onde se concentra o sector têxtil, tem mais carros marca Ferrari por metro quadrado do que em Itália. Um executivo espanhol de informática, Javier Felipe, disse ao IPS que, de acordo com a sua experiência com empresários portugueses, “eles estão mais interessados na imagem que projectam do que no resultado do seu trabalho”. Para muitos, “é mais importante o automóvel que conduzem, o cartão de crédito que podem exibir ao pagar uma conta ou o modelo de telefone móvel, do que a sua eficiência gestionária”, disse Felipe, abonando que há excepções. “Tudo isto revela uma mentalidade que, ao fim e ao cabo, afecta o desenvolvmento do país”, opinou.
A evasão fiscal impune é outro aspecto que castrou os investimentos do sector público com potenciais efeitos positivos na superação da crise económica e do desemprego, que este ano chegou a 7,3 por cento da população economicamente activa. Os únicos contribuintes que cumprem o seu dever com os cofres do estado são os trabalhadores contratados, cujo salário sofre automático desconto. Nos últimos dois anos, o governo decidiu carregar mais o peso fiscal sobre essas cabeças, mantendo situações “obscenas” e “escandalosas”, segundo o economista e comentarista de televisão António Peres Metello. “Em vez de anunciar progressos na recuperação dos impostos daqueles que continuam a rir-se na cara do fisco, o governo (conservador) decidiu penalizar ainda mais aqueles que já pagam o que é devido, deixando impune a nebulosa dos transfugas fiscais, sem coerência ideológica nem visão de futuro”, criticou Metello.
A prova está explicada numa coluna de opinião de José Victor Malheiros, aparecida recentemente no diário PÚBLICO, de Lisboa, que fustiga a falta de honestidade das declarações de impostos das chamadas profissões liberais. Segundo esses documentos entregues ao fisco, médicos e dentistas declaram receitas anuais de 17.680 euros (21.750 dólares), os advogados de 10.864 (13.365 dólares), os arquitectos de 9.277 (11.410 dólares) e os engenheiros de 8.382 (10.310 dólares). Estes números indicam que por cada seis euros que pagam ao fisco, “roubam nove à comunidade”, pois estes profissionais independentes deveriam contribuir com 15 por cento do total do imposto relativo ao trabalho singular, e só são tributados em 6 por cento, explicou Malheiros. Com a devolução de impostos no termo do ano fiscal, “roubam mais do que pagam, como se um talhante nos vendesse 400 gramas de bife e nos fizesse pagar um quilo, e o caso é que há 180 mil de pessoas nas profissões liberais que, em média, nos roubam 600 gramas por quilo”, comentou com sarcasmo. Se um país “permite que um profissional liberal com duas casas e dois carros de luxo declare receitas de 600 euros (783 dólares) por mês, sem ser questionado ao menos pelo fisco, e ainda por cima recebe um subsídio do estado para o ajudar a pagar o colégio particular dos filhos, isso significa que este sistema não tem o mínimo de moral”.
MÁRIO DE QUEIROZ (Jornalista chileno do IPS)

A PAU COM A ESCRITA, por Fernanda Leitão

AS CARPIDEIRAS
Nas duas últimas semanas um número apreciável de pessoas, em Toronto e fora de Toronto, têm-nos feito saber quanto estão agastadas com o ridículo coro de carpideiras em exercício depois da partida do antigo cônsul Magalhães. Não sabemos ao certo se carpideiras órfãs ou viúvas, mas não duvidamos que todas elas vertendo lágrimas e lamúrias mercenárias.
À falta de melhor argumento, agitam agora o farrapo esfiapado da necessidade de o ex-cônsul ser julgado, garantindo que saíria do banco dos réus em ombros, como um herói sem mancha, graças a uma testemunha que não teriam deixado depor. A verdade é que essa testemunha só apareceu a fazer declarações a um jornal de Lisboa um mês depois de tudo ter acontecido, isto é, tarde demais. E depois, era uma testemunha contra o testemunho de três membros da polícia, mais a queixa-crime subscrita pelo ministério público, devidamente aceite pelo Ministério das Relações Exteriores do Canadá. Mesmo sem óculos pode ver-se que era muita areia para a camioneta do Artur. E assim sendo, como podem as carpideiras garantir que o réu seria absolvido? E não sendo absolvido, como ficaria o estado português somando mais esse escândalo e vergonha? Não sendo absolvido, e tendo em conta histórias consulares arquivadas que se podem abrir em qualquer altura, quem poderia garantir que o consulado não seria encerrado? Para além do diferendo que há hoje entre o Canadá e Portugal por causa da futura presidência do Conselho de Segurança da ONU, para a qual o (des)governo de Lisboa pretende apoiar o Brasil, para além desse factor que não se pode ignorar, há ainda a circunstância de Portugal ter deixado de ser um país fiável para passar a ser um santuário dos barões da droga e dos lavadores de dinheiro sujo. Isso ficou claro por ocasião do caso dum antigo agente da RCMP, português, que traíu a confiança em si depositada e, quando se viu descoberto, fugiu para Portugal. A polícia portuguesa fez vista grossa, a justiça à portuguesa absolveu-o, na presença de observadores da RCMP. Este e outros casos certamente não põem o Canadá de braços abertos e bom humor quando se verificam incidentes entre representantes do estado (a que Portugal chegou) e as autoridades do país onde vivemos.
Por conseguinte, as carpideiras são isso mesmo e nada mais. Choram pelos trocos já recebidos, como um clube que recebeu quase 8 mil dólares, e pelas promessas de pagamentos futuros, só para alguns clubes, dinheiro oriundo da Direcção Geral dos Assuntos Consulares, certamente graças ao secretário de estado das Comunidades, um velho amigo de Magalhães desde o tempo em que o actual governante era funcionário do consulado de Portugal em Paris. As carpideiras de agora andavam tão entusiasmadas com essas promessas que nem ao menos lhes ocorreu que seria (mais) um abuso cometido com dinheiros públicos, isto é, do povo que paga impostos. E, nessa altura, nada preocupadas, as carpideiras, com o que isso representava de profunda desunião da comunidade num futuro próximo porquanto, dando dinheiros a uns e não dando a todos, fácil era perceber que o Sr. Artur Magalhães não procedia como um cônsul para todos os portugueses, mas como um amigo para as ocasiões de alguns beneficiários.
À medida que as semanas vão passando, percebe-se cada vez melhor o que faz ganir as carpideiras. Tiraram-lhes a gamela debaixo dos queixos. Porca miseria, che maledetos – como diria qualquer freguês da Causa Nostra.

FERNANDA LEITÃO

sexta-feira, outubro 29, 2004

Dúvida existencial

Conforme foi declarado em Roma por Pedro Santana Lopes, Primeiro-Ministro em funções, o nosso governo propõe-se organizar uma campanha a favor do Tratado Constitucional europeu, a fim de esclarecer o povo para que este vá votar sim no referendo anunciado.
Não querendo ficar atrás em tão transcendente matéria, Jorge Sampaio, actual Presidente da República, voluntariza-se para apelar à participação dos portugueses para que estes aprovem o tal Tratado.
Como tem sido enfaticamente prometido, os senhores José Sócrates e Paulo Portas também não pouparão esforços para levar as massas ignaras a comparecer no referendo e preencher o papelinho do sim.
Estamos portanto garantidamente servidos em matéria de discussão sobre a Europa e ninguém ousará duvidar da seriedade do processo, e do elevado respeito pelas normas que regem o debate e a cidadania que regem tão excelsas personalidades.
Teremos todos os órgãos do Estado, em rigorosa manifestação de unidade, e o poder e a oposição reunidos, convergindo para nos conduzir no bom caminho.
Perante cenário tão prometedor, nem sei como hei-de fazer a pergunta teimosa que continua a bailar-me cá dentro.
Não levem a mal, mas não resisto: no tal referendo pode votar-se não?

Perplexidades de um europeu

Segundo dizem as notícias foi formalizado em Roma o tratado entre os vinte e cinco membros da união europeia instituindo a primeira "constituição europeia".
Não há razão para supor que não seja verdade, mas realmente senti uma certa estranheza. Não tive conhecimento de nada. E toda a gente que encontro mostra o mesmo espanto.
Se houver alguém que sinta que foi tido em conta no assunto, diga-me. Eu não conheço ninguém.

quinta-feira, outubro 28, 2004

O Portugal Profundo

Quem duvidava da importância da denúncia das redes de pedofilia efectuada temerariamente de cara descoberta pelo autor do blogue Do Portugal Profundo aqui tem a resposta: aconselho a visita ao blogue para que tomem conhecimento das vicissitudes policiais do alvo a abater.
Depois da história do blogueiro de Pombal que perdeu o emprego por causa do blogue ( ainda que tenha aceitado encerrá-lo!) só porque o Presidente da Câmara local não gostava dele, esta é uma nova confirmação da relevância da blogosfera - e do nervosismo que ela provoca aos poderes instituídos.
Por mim exprimo daqui solidariedade a António Caldeira, e chamo todos os colegas a fazer o mesmo. Lendo, guardando e divulgando os documentos sobre pedofilia publicados no Do Portugal Profundo. Até para que se entenda de onde partem os golpes.

Generalidades sobre arrendamento

Poucas situações de inércia legislativa tiveram consequências tão gravosas para a face do país como o imobilismo em matéria de regulamentação do arrendamento urbano: à conta do congelamento ocorrido assistimos nas últimas décadas a uma evolução em que as cidades ficaram à beira da ruína e os campos à volta entraram em selvática e caótica urbanização.
Temos a maior taxa de construção da Europa e o maior índice de habitação própria, e ao mesmo tempo a mais pequena percentagem de recuperação e a mais elevada taxa de imóveis degradados.
Conseguimos ter muito mais habitações do que as necessárias para a nossa população, e simultaneamente lutar com grandes carências habitacionais.
Num país em que um contrato de casamento pode ser desfeito rapidamente e sem invocação de motivo algum apenas por simples manifestação de vontade de uma das partes, impõe-se aos proprietários de imóveis um ónus que significa a impossibilidade prática de pôr fim a um contrato que aliena "ad perpetuum" todas as faculdades de gozo inerentes ao direito de propriedade.
Os danos resultantes da situação legislativa, determinada para um contexto e em face de condicionalismos que nada têm que ver com o nosso tempo, provocaram danos irreversíveis bem observáveis na extraordinária degradação das zona centrais das nossas cidades e nas enormes colmeias humanas plantadas nas periferias.
Evidentemente que tudo isto gerou grandes aproveitamentos e beneficiários interessados, que por seu lado garantiram a manutenção da situação. E sempre eles tiveram a maioria nos centros de decisão política.
Anuncia-se agora uma reforma na legislação sobre os arrendamentos urbanos, a que não é possível ainda descortinar o verdadeiro alcance e sentido - nem a lei de autorização legislativa está definida, remetida que foi para a discussão na especialidade na Assembleia da República, e muito menos o está o decreto-lei que daí virá a nascer, se nada interromper entretanto a gestação. Nada existe ainda, a não ser notícias de jornal e discussões parlamentares.
Não é legítimo portanto fazer qualquer apreciação sem ver o rosto do diploma que entrará em vigor, se e quando isso acontecer.
Se tudo se passar como é costume, a versão final garantirá que pouco ou nada seja mudado de relevante.
Entretanto, temos direito à nossa opinião: as considerações agora alinhavadas à pressa nasceram da leitura de um excelente artigo de João de Mendia no Diário Digital, cuja leitura se aconselha.

Sessão de lançamento no Teatro Garcia de Resende

No próximo dia 4 de Novembro, quinta-feira, pelas 21.30 horas, terá lugar no Café-Bar do Teatro Garcia de Resende, em Évora, o lançamento do livro "O Homem", da autoria de Laureano Carreira, da responsabilidade da HUGIN EDITORES.
Não conheço o autor, nem a obra; mas a apresentação desta descreve-a como dramaturgia histórica, situada na linha do teatro clássico português. Ficamos a meditar se será esta peça, sobre a personalidade de D. João II, uma digna sucessora de "A Castro" ou do "Frei Luís de Sousa", ou de "Pedro o Cru" (inolvidável a recriação pelo Teatro Nacional há anos atrás deste belíssimo texto de António Patrício!).
Não sei o que a obra virá a ser, mas só o facto de aparecer já é motivo de alguma satisfação. Na verdade em poucos sectores da vida cultural portuguesa tem sido tão patente a penúria, para não dizer a esterilidade, como no campo da produção dramática. E recordo sempre o que costumava dizer o Orlando Vitorino, não sei se inteiramente a sério ou como blague ou provocação, sobre o nível cultural de um povo se medir pela qualidade do seu teatro. E lançava isto sobre o deserto dos palcos nacionais!
Assim de repente não vejo criação original de "dramaturgia histórica" desde a tentativa de Luís Sttau Monteiro, com "Felizmente há luar".
Fica registada a ousadia de Laureano Carreira, ao criar, e dos editores, ao arriscar numa área que se sabe mais que limitada comercialmente.

Sessão de lançamento de livro sobre as origens do Integralismo Lusitano

No próximo dia 3 de Novembro, quarta-feira, pelas 18,30 horas, realiza-se em Lisboa, na Livraria "Ler Devagar", sita na Rua de São Boaventura (Bairro Alto, entrada pela Rua da Rosa), o lançamento da obra «Filhos de Ramires - As origens do Integralismo Lusitano», de José Manuel Quintas.
A obra será apresentada por Teresa Maria Martins de Carvalho, e a sessão será presidida por Sua Alteza Real Dom Duarte de Bragança.
Recordo a propósito a citação de Francisco Sousa Tavares escolhida pelo autor:
"Mais do que um corpo de doutrina, mais do que um breviário de constituição política, mais do que um programa, mais até do que um simples ideário monárquico, o Integralismo Lusitano é uma autêntica forma de viver e de pensar, uma norma moral, uma lição definitiva de síntese sobre o pensamento e a acção, uma alta escola de pensar contra o preconceito, o lugar comum da época e do meio, uma clara vitória do pensamento contra a ideia-feita, do difícil contra o não pensar, contra a norma escolar e a cultura oficial ou oficializada. Sem o Integralismo não será possível compreender a história das ideias e dos factos no Portugal do nosso tempo".

quarta-feira, outubro 27, 2004

O que faz o tempo

Há muitos anos atrás um jovem jornalista lisboeta ficou famoso entre os seus pares por causa de uma reportagem sobre o terramoto de Agadir. A celebridade não veio da reportagem, que certamente tinha mérito, cheia de realismo e com a intensidade própria de quem vive o acontecimento na hora e no local - mas certamente havia outras igualmente boas.
A celebridade e a consagração vieram quando se descobriu que o talentoso repórter nunca tinha saído de Lisboa.
Foi por assim dizer um pioneiro destes que actualmente fazem reportagens à secretária, blogando na internet; e também se esqueceu de referir as fontes onde tinha bebido, ou de informar os leitores da sua especialissima técnica.
Nestes últimos dias tenho-me lembrado desta história, entretanto esquecida, ao divagar pelos canais televisivos. Abro o aparelho, e logo me salta a cara solene do repórter de Agadir. Actualmente o ilustre jornalista é o guardião da deontologia profissional. Oficia na Alta Autoridade, é porta-voz, perora com ar grave e circunspecto sobre a honra e os valores da classe. A bem dizer, é o Catão da classe. O zelador maior da moral da congregação.
Tem agora a cara rapada, pôs óculos, um tom acinzentado na cobertura capilar outrora negra. Já não é Filho, mas órfão. Mas que é o mesmo, garanto eu, que bem o tenho reconhecido.

Chegou o Inverno?

Nestes dias parece ter desabado sobre nós o rigor da invernia. Chuva e vento instalaram-se sem aviso prévio, obrigando-nos a recolher e a procurar aconchego.
Confesso que pouco senti, atordoado que andava já. Mas também deve pesar nesta fraqueza que me invade e me mantém para aqui não digo inerte e indiferente, mas quase. O certo é que me esforcei por afectar normalidade, mas não sai. Não tenho conseguido escrever como seria suposto, nem prestar atenção aos temas que vão invadindo o quotidiano dos meus concidadãos.
Hoje observei, pela hora de jantar, a tempestade a avolumar-se para os lados governamentais, pela mão de Marcelo. Em confuso desfile as televisões trouxeram-me o Marcelo, o Pais do Amaral, o Cavaco, o Pacheco Pereira, os chefes dos partidos, os comentadores todos. Tudo demasiado confuso para que não se entenda que há mais munições em reserva, que os contendores guardam para melhor oportunidade.
Surpreende-me e intriga-me esta guerra a que não vislumbro com nitidez os contornos, nem o alcance. Ao mesmo tempo também se desencadeou o vendaval para os lados do Diário de Notícias.
Será isto uma sucessão de episódios relacionados com a crise da imprensa, com todas as consequências empresariais que se adivinham? Será antes uma guerrilha pelo controle da informação entre os diversos grupos que hoje disputam o poder político-económico? Será simplesmente o eclodir de antigos ódios e rivalidades entre os barões do regime, há muito recalcados e que agora explodem em sangrentos ajustes de contas?
Não sei, mas tudo indica que o turbilhão ainda está para continuar.

SEMPER

Recebi hoje a pequena revista da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, denominada SEMPER.
A Fraternidade tem a sua sede na Estrada de Chelas, n.ºs 29 e 31, em Lisboa, e é responsável pela subsistência de alguns núcleos de católicos tradicionalistas em Portugal.
Como compreenderão os que conhecem as minhas posições, sempre encarei como essencial a persistência de grupos que mantenham viva a chama da tradição católica, recusando a dissolução numa vaga espiritualidade ecuménica.
Bem gostaria portanto de ajudar a Fraternidade, na sua vida e na missão que se propôs. Deixo aqui a recomendação aos meus leitores, pelo menos os que sentirem esse imperativo espiritual, para que na medida das suas possibilidades não faltem no auxílio à revista e à Fraternidade.

SEM EMENDA

Embora conhecendo desde a sua publicação (em 1977!) o livro de Artur Agostinho, "Português Sem Portugal", não tinha recordação alguma da pequena história que o autor ali conta sobre a coragem de Jorge Sampaio.
Fico grato ao bloguista do Sem Emenda por nos ter recordado esse edificante pedacinho de história.
E aproveito para adiantar algo que há muito tempo me tem andado a intrigar: porque será que ninguém se lembra de um episódio célebre que na altura ficou conhecido como o "contra-relatório das sevícias"? Eu lembro-me, e lembro-me de Jorge Sampaio...
Não me adianto mais, que o homem é Presidente. E também não irei contar umas que tenho guardadas sobre a senhora presidenta, e a sua particularíssima concepção do "cargo". É matéria demasiado pessoal.

terça-feira, outubro 26, 2004

Agradecimentos, e exortação

Por motivos diversos, quero exprimir aqui o meu reconhecimento pelas atenções que me têm prestado alguns amigos que nunca vi e que apenas me conhecem destas paragens virtuais.
Sem esquecer outros, destaco o Luís Damião, webmaster da equipa TUDOBEN, cujo trabalho na construção e no desenvolvimento do portal nunca será demais realçar; o Francisco Nunes, responsável pelo PLANÍCIE HERÓICA, que se tem firmado como um dos lugares de eleição da nossa província blogosférica; e o Emílio de Sousa (desconfio que seja Franco de Sousa, mas não tenho a certeza) que faz agora o OFERTA DESINTERESSADA.
Para acabar remeto-os vivamente a todos para o PRAÇA DA REPÚBLICA, onde estão a terminar as inscrições para o encontro de bloguistas de 6 de Novembro, em Beja.
Mais uma vez não estarei presente, por razões pessoais que alguns conhecem e peço aos outros todos que compreendam e aceitem ainda que as não conheçam. Faço votos para que seja uma jornada de amizade e convívio, bem à alentejana, e que se traduza num grande êxito para os organizadores.

segunda-feira, outubro 25, 2004

A RTP e a memória

Ainda não vi comentar o acontecimento, mas a RTP lançou há poucos dias um novo canal a que chamou RTP Memória.
Não sendo grande consumidor de televisão (na verdade vejo pouco e cada vez menos) a notícia chamou-me a atenção, e criou-me alguma expectativa. Com efeito, a ideia de aproveitar o extraordinário arquivo da RTP, única estação em Portugal durante décadas, e mostrar ao público de hoje tantas preciosidades a que este evidentemente nunca teve acesso, nem o terá se não lhe for facultado em programação do género (do género da que eu esperava, claro), apareceu-me como uma boa ideia, uma ideia a saudar e a agradecer.
Perdi por isso algum tempo, à noite, a espreitar o novo canal. Ingenuidade a minha! Aquilo é mais outro condomínio, destinado a promover os amigos. Nem vou comentar em pormenor o que por lá aparece (sobretudo, os que por lá aparecem). Digo-vos só que é confrangedor. Uma vergonha. Com umas coisinhas menores para disfarçar, o que ali está é mais um palco para promoção de umas tantas vaidades que andam nisto há trinta anos, são sempre os mesmos, conhecem-se todos, já estiveram juntos em não sei quantos lados, giram e trocam de par como nas voltas do vira, mas nunca desaparecem, as mesmas carantonhas que o público enjoa só de ver ao longe.
É operação de reciclagem e recauchutagem.
A RTP não terá falta de memória (o arquivo é gigantesco) mas que tem uma memória muito selectiva, isso garanto eu.

Pela Santa Liberdade

Esclareço os meus leitores que raramente estou de acordo com José Adelino Maltez. Ele aliás faz tudo o que pode para que seja impossível concordar com ele.
Mas aprecio-o: é um homem livre, com todas as consequências, e inconsequências, do estatuto. E não é um político, nunca foi, ao contrário do que o próprio parece ter pensado em alguns momentos fugazes.
Como não há entre nós relação alguma, designadamente das que se observam em certas confrarias de elogio mútuo, nem as minhas palavras podem ser suspeitas de andar em busca de qualquer contrapartida, fica aqui registada a minha admiração pela obra do universitário, e bem assim, noutro plano, pela actividade cívica e intelectual do Professor Maltez.
Nos últimos tempos tem inundado a blogosfera com os frutos da sua licença sabática.
Podem admirar os frutos da sua mais recente produtividade (de mistura com outras produções mais antigas) na Rede dos Meus Blogues, ou em Sobre o Tempo que Passa.
Recomendo a passagem frequente pelas suas páginas.
Aproveito para confessar que teve a sua importância na minha decisão de entrar para a blogolândia o que aqui se passou com ele, e que observei de fora. Trocando por miúdos: a decisão de sair que ele em tempos tomou, ferido pela pesporrência de certos figurões que ainda aí se pavoneiam alcandorados até a figuras públicas, empurrou-me a mim para me decidir a entrar. Como se nota nos primeiros escritos, e logo o notou o visado, que não se conteve que não despejasse a porcaria que tem lá dentro.
Enfim, não falo mais nisso que ainda tenho aqui atravessado o tal mexia... Não fossem as contingências da vida, tivesse ele tido o azar de me apanhar há uns anos, e quem lhe mexia era eu...

domingo, outubro 24, 2004

Mal por mal...

Não quero deixar de comentar, embora com atraso, os resultados das eleições regionais nos Açores e na Madeira. Não quero, porque os ditos parecem-me confirmar análises que já aqui tinha deixado registadas, e um homem sente sempre um certo conforto ao ver a realidade obedecer-lhe. Vaidade pura, feio pecado, mas somos assim. Ainda que o rumo das coisas nos desagrade, podemos dizer "- Vêem? Eu já tinha dito!!!"... e fica um calorzinho de compensação.
O que eu pretendia sublinhar, e que me parece já ter dito antes, é que o pessoal anda com tamanha fartura deles que ou não vai às urnas ou se vai é para preencher do modo mais comodista possível o papelinho da praxe. Por inércia, a favor do que está. Não porque se acredite neles, ou deles se espere alguma coisa, mas porque os outros são tão fraquinhos que nem uma ilusão conseguem suscitar...
E por este andar vai continuar a acontecer isto que aconteceu na Madeira e nos Açores. Um dia iremos ver as eleições legislativas: quem ainda se interessa vai passar o tempo que falta a criticar o desastre da gestão Santana Lopes - e chegado o momento o homem ganha. E em Évora, atenção meus amigos, está na cara: bem podemos passar o tempo todo a desancar o José Ernesto. Na hora exacta o malandro do clínico sai reforçado dos sufrágios.
E, sejamos sérios, não admira. Em quem havia o povinho de votar?
Em suma: estamos numa daquelas fases em que o desencanto geral se traduz no velho desabafo: - Mal por mal, antes Pombal. E assim seguirá, até ao momento incerto em que o desencanto possa transformar-se em revolta.

Postal para os amigos do Belenenses

Ponto primeiro: da importância da colocação de um advérbio. Há dias, ao saudar o aparecimento de um novo blogue, escrevi que o blogueiro também era do Belenenses, portanto sabia perder. E desabafei: - “sina nossa”... O advérbio estava mal posicionado, e um leitor concluiu que eu também era do Belenenses. O que eu quis dizer era que também sabia perder: coisas do hábito. Nisso me irmanava com o belenense. E com outros, que há mais belenenses a frequentar esta casa, e perdedores então é um enxame.
Vem isto hoje muito a propósito, e fez-me lembrar outros belenenses. Não só o Raul Solnado, que já não fala nisso, mas outros. Olhem, por andar virado para as letras, como se notou nos postais dedicados à Agustina e ao Pacheco, lembrei-me do B.B. Um belenense fanático. E comuna também, da célula da Trindade (expressão do Pacheco), mas isso não é para aqui chamado. O B.B., vocês todos sabem quem é. No mundinho dos jornais não havia quem não conhecesse o Bê-Bê, o Armando para os mais chegados, o Ventoinhas para outros (designação carinhosa que ganhou com aqueles vistosos laços que usa sempre por baixo dos queixos, a aparar a baba) ou ainda o Seca-Adegas (escuso-me de explicar o porquê, mas se fizerem questão também explico).
Pois o Baptista-Bastos é, essencialmente, jornalista. Nos últimos anos tem crescido a sua obra de ficcionista, puxou cá para fora, a acenar à posteridade, coisa que reputou de maior fôlego. Não admira, é do tempo em que escritor que não produz romance não é escritor nem é nada. Mas fico na minha, ele é essencialmente jornalista, e um homem para escapar à sua essência é o cabo dos trabalhos. Ora em tempos que já lá vão publicou ele recolha de trabalhos jornalísticos, “As Palavras dos Outros” (agora até reeditado no Círculo de Leitores, e vivó luxo), onde procurou resgatar das páginas dos jornais velhos escritos que por lá tinha deixado. Fez bem, que um livro é uma morada com outro asseio, e alguns dos trabalhos têm sabor e digerem-se bem.
Para comprovar, provai então todos deste naco de conversa com o mito maior da família belenense – o craque Matateu. Delicioso. E vejam lá como em quarenta e tantos anos o futebol mudou tão poucochinho que os futebolistas não mudaram nada.
(A propósito: dizem-me que o Porto foi jogar a Paris sem o Olegário Benquerença. Mas porque é que o homem não alinhou logo de início? Depois queixam-se!).

“MATATEU: O DEUS VELHO: Matateu-Monumento foi incubado nas Salésias, num famoso encontro de futebol que opôs as equipas do Belenenses e do Sporting. Fautor primeiro da clamorosa vitória do grupo de Belém, o rapaz foi sacado aos ombros por uma multidão congestiva. A coroação processou-se no dia imediato. Cronistas desportivos, em lufa-lufa de imagética, besuntaram o nome de Lucas Sebastião da Fonseca com cognomes bizarros: “O Napoleão do Futebol Português”, “O Artilheiro Negro” ou “Perigo na Grande Área com Matateu ao Remate”. Foi assim. Falo com Matateu. Pergunto:
- Costuma ler?
Ele:
- Jornais. A secção desportiva dos jornais. Gosto muito de ver o meu nome nos jornais.
- Sabe quem é Hemingway?
- Não.
- E Picasso?
- Esse também não.
- E Aquilino Ribeiro?
- N... Espere aí... Ribeiro, disse Aq... a quê? A-aqui-ni-lo Ribeiro?
- Não foi Aquinilo Ribeiro, foi Aquilino Ribeiro.
- Pois. Não, não conheço mesmo nada esse nome.
- Gosta de música?
- Um pouco.
- Sabe quem foi Beethoven?
- Não.
- E Wagner?
- Não.
- Mas gosta de música?
- Um pouco. Samba. Sim, gosto de samba.
- Que divertimentos prefere?
- O cinema. Mas é uma chatice. Adormeço sempre. As letras daquilo que eles dizem passam a correr. Adormeço sempre.
- Leu alguma vez algum livro?
- Nunca até ao fim.
- Porquê?
- Não percebo o que os livros querem dizer.
- Você tem viajado muito. De que país gostou mais?
- Da Itália.
- Porquê?
- Por causa das mulheres. Lindas. Comi algumas. Muito boas. Gosto bastante da Itália. Que rico país para um preto viver!
- Ouça uma coisa, Matateu...
- Olhe, escreva o que quiser; é assim que eu faço sempre, quando estou com um jornalista que me parece bom rapaz. Escreva o que quiser e ponha essas palavras na minha boca. À vontade. Mas não ponha lá que eu disse mal... Matateu não diz mal de ninguém.”

sexta-feira, outubro 15, 2004

Parabéns, Agustina!

Agustina Bessa Luís completou hoje 82 anos.
Passaram agora 50 anos sobre a publicação de “A Sibila”, a obra que a afirmou definitivamente no universo literário português.
Creio bem que são razões de sobra para a recordar, ao menos aqui na blogosfera que é terreno livre dos condicionamentos que dominam as coutadas. A isso venho.
Não serei eu a falar sobre a literatura de Agustina, que me faltam asas para tais voos. Limito-me a realçar que estamos perante um caso literário único, sem qualquer paralelo no nosso panorama cultural. Uma escritora singular, impossível de identificar com algum grupo, corrente, revista, seita ou capelinha ergueu uma obra ímpar, vastíssima, com a paciência e a serenidade de uma mãe de família que, com bonomia, faz renda ao serão, ao canto da lareira. Com modéstia e simplicidade, mas com persistência tenaz.
São mais de cinco décadas de actividade literária, em que lenta mas firmemente se foi impondo ao respeito de todos e calando as vozes despeitadas dos que viam com inveja uma estranha a vencer onde eles falhavam. E venceu, sem máquinas publicitárias, sem editoras multinacionais, sem crítica arregimentada. Venceu e convenceu junto de um público leitor constante e fiel, sem claques organizadas nem glória prefabricada.
Longe vão os tempos da má língua das tertúlias literateiras da capital e das alusões sobranceiras à “bruxa da Areosa”. Calaram-se: ela calou-os. Sem que precisasse sequer de dizer nada; por ela falaram sempre os seus romances, que por aí foram conquistando tudo o que havia para conquistar.
Por tudo o que nos deu, queria dizer-lhe daqui o meu sincero - obrigado, Agustina!

Obrigadinho-ó-Ernesto!

A Câmara Municipal de Évora convida-me formalmente para o concerto de requiem "Missa Pro Defunctis In Commemoratio Omnium Fidelium Defunctorum", pela Capilla Gregoriana del Sanctissimo Cristo del Calvário de Mérida, que terá lugar no dia 16 de Outubro, na Igreja de São Vicente, pelas 21 horas.
É sempre uma alegria abrir o correio. Não faltarei. Nem sei como adivinharam o que eu precisava. Estava mesmo necessitado de uma "Missa Pro Defunctis In Commemoratio Omnium Fidelium Defunctorum".

quinta-feira, outubro 14, 2004

Crónica do dia

Há uma eternidade que não escrevo nada aqui. Nunca tinha deixado passar tanto tempo sem alimentar o bichinho, desde que o animal veio à luz. Verdade que sem ser eu mais ninguém notou a falta. Passei por uma data de gente ali entre a Porta de Moura e a Praça do Giraldo, ida e volta, e não notei ninguém especialmente triste. A bem dizer, estavam todos iguais às outras vezes (e juro que passo por ali muitas vezes). Cruzei-me com umas centenas de pessoas bem contadas. Tinham todos a mesma cara, e não fora uns grupinhos que estavam frente à porta da Igreja da Misericórdia (havia velório) não vislumbrei sombra de desgosto.
É a vida, como diria o Engenheiro. Quem não aparece esquece. Disso sabem os políticos, que se esfalfam por aparecer a toda a hora e momento. E quando a televisão não vai até eles vão eles à televisão. O actual Primeiro inaugurou agora uma técnica, realmente simples e prática - nem sei como antes dele nenhum se tinha lembrado - que é gravar os videos e mandá-los às diversas estações. Excelente, acho até que podem montar uma mini-produtora na residência de São Bento, e ir distribuindo os filmes com a regularidade que for julgada necessária.
Penso que inspiração não faltará, dados os talentos multifacetados que se reuniram na pessoa do nosso primeiro. Teremos "Santana, o estadista", em pose solene e grave; " Santana entre as mulheres", em estilo de reportagem VIP/Caras; "Santana comentador", com excertos de intervenções e polémicas televisivas; "Santana desportista", com um desenvolvido estudo sobre a sua obra à frente do Sporting e como teorizador do fenómeno futebolístico na TV; "Santana e a Cultura", com memórias da sua inolvidável passagem por essa área (com fundo de violinos de Chopin). Eu sei lá, os criativos que se desunhem que a mim ninguém me paga.
Entretanto, para não deixar desguarnecida nenhuma das frentes o Primeiro foi hoje ao Parlamento. O que disse ninguém recordará, aliás já tinha sido dito o que iria ele dizer, aquilo era só figuração para a montagem. E mais coisa menos coisa é sempre a mesma coisa, não há registo de ali se dizer nada que valha.
O Sócrates, faminto que anda de dar nas vistas e ser lembrado, levava umas ensaiadas. Além de recordar ao respeitável adversário quem é que nunca ganhou um congresso nem nunca foi eleito, como tinha sido combinado, a certa altura atirou-lhe que ele com as suas promessas irreais queria fazer "gelo quente". É profundo, o dito. Faz lembrar o sr. Alfredo Guisado, que dizia muito espirituoso que afinal todos os seus versos eram guisados. A esta hora ainda deve estar a rir-se da graçola, o jovem Sócrates. Estou a ver daqui o jantar. A jovem esperança, riso aberto, olhinhos brilhantes, debruça-se para a roda de assessores e conselheiros, o copito de tinto na mão direita: - "Estive bem, não estive? Aquela foi boa!! E bem metida, ora digam lá... O gajo ficou à rasca!!"

terça-feira, outubro 12, 2004

Beja, 6 de Novembro

Do Luiz Pacheco, belas letras e malas artes

Nesta noite que passou, passar mal por passar mal passei boa parte a ler aos pedaços um livrito que tinha levado da tabacaria, vi-o lá a olhar para mim e era só dois ou três euros nem perdia muito. Trata-se de uma recolha de textos de Luiz Pacheco, dispersos por tempos e publicações várias e que "o Independente" resolveu compilar e oferecer aos leitores por tuta e meia, a ver se escoa o raio do jornal. Obra meritória, o livrinho não a porcaria do jornal que foi logo fora. Como sabem alguns de vocês, os que sabem pois claro, o Pacheco é um velhadas deveras ordinário mas que anda metido na nossa desgraçada república das letras - republicazinha bem pequenina mas tão ordinária como o Pacheco só que mais disfarçada - a bem dizer desde que o mundo é mundo. Coisas das mafias literárias, das edições, dos livros, das revistas, dos autores, dos grupos, dos influentes, dos prémios, de tudo, e sobretudo do mais escabroso, o Pacheco sabe. Acrescente-se que o gajo, pese embora a ordinarice, tem talento, e não deita açúcar no tinteiro, quer dizer que deita cá para fora uma escrita assim a modos que autêntica, ao natural, sem tiques delicodoces. Não é sempre, que bem se topa quando ele está a fazer-se à fotografia, a compor o retrato, olhem pra mim como sou cru e verdadeiro, ou a tecer loas com volta na ponta, ou a ajustar contas pouco literárias, mesmo que às vezes envolvam letras.
O certo é que ler o Pacheco me parece exercício útil e salutar, instrutivo mesmo. Aprende-se. Pela escrevinhação, com fulgor e expressividade raras neste tempo de prosas chochas, escribas feitos a encher chouriços em redacções avençadas e escritores feitos por encomenda, a preço fixo, à peça, tanto por mês, com casa posta e trapinhos por conta da editora, a não sei quantas folhas A4 por semana. E pelas histórias, que o gajo está cheio, conheceu-os a todos, aquilo é só despejar.
Some-se que o malandro tem intuição crítica e saber de ofício, velho tarimbeiro de olho vivo, e atira certeiro quando vai por aí sem concessões, e percebe-se o meu interesse.
Vão ler também. Ainda hoje dão barrigadas de rir aquelas sacanices de andar a contar as frases que o Namora surripiou do Vergílio Ferreira, e mais ainda as reacções do meio - fazia parte das regras ver e calar, patifaria era denunciar... E quantos mais sonâmbulos chupistas, ou só sonâmbulos ou só chupistas, povoam as crónicas!... Vão lá ler se fazem favor.

Um caso sério

A seriedade do que se escreve no Mais Évora não permite que se continue a fingir que nada se passa.
Os eborenses não podem deixar de ler, e, com a inteligência e a informação que cada um possuir, exercitar as suas faculdades críticas na análise do que ali se publica.
Os responsáveis municipais não podem continuar a fazer-se distraídos, como se não fosse nada com eles.
E das duas uma: ou o tremendo libelo não tem razão de ser, e a Câmara tem que nos esclarecer, para que não lhe fique a pesar tão injusta carga; ou aquele repositório de incapacidades e incompetências tem justificação e fundamento, e a Câmara tem que nos esclarecer, a nós que lhe entregámos a administração da nossa cidade.
O silêncio pesado e asfixiante com que deparamos dos lados da Praça de Sertório não é resposta para nada.

Já chegámos à Madeira?

A notícia mais relevante destes dias é, a meu ver, a prisão preventiva do Presidente da Câmara de Ponta do Sol, arguido em crimes de corrupção.
O referido dirigente político pertence ao partido governamental, e está há muitos anos à frente daquele município.
Como se esperaria, o Presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, partiu já em campanha contra polícias e juízes.
Algumas vozes irão aproveitar para atacar Alberto João, mais uma vez glosando o mote da sua incontinência verbal, do sistema de poder que ele instalou na Madeira, da sua falta de respeito pelas instituições do Estado.
Eu impressiono-me pouco com Jardim. A questão tem importância mas não é por causa dele. Eu explico: o que ele diz é o que pensa toda a classe política. Ele diz em voz alta o que os outros murmuram em voz baixa. Este caso vai ter o seu impacto nas fileiras governamentalistas: é um dos seus que foi apanhado. Mas não se pense que só esses se doem: todos os autarcas, pelo menos eles, sentem-se logo ameaçados com anúncios destes.
Explico ainda melhor: em todos os contactos que alguma vez mantive com gente instalada na classe política com responsabilidades (deputados, dirigentes partidários, autarcas) constatei sempre que nestas situações o seu coração pende instintivamente para a "vítima". Era clamoroso o sentimento quando foi o escândalo Fátima Felgueiras, quando ocorreu o episódio Paulo Pedroso, quando das peripécias com Valentim Loureiro, ou com Cruz Silva.
Mas o sentimento é profundo, e arreigado, e generalizado bem antes desses casos pontuais. E é comum nos partidos principais. Quando surgem manifestações do contrário, declarações rituais de "confiança na Justiça" emitidas em tom fúnebre, não passam de exercício de conveniência imposto pelas circunstâncias.
Pelo que este acontecimento tem real importância no renovar desse estado de espírito. E vai ter consequências, reforçando as convicções sobre a necessidade de "reformas na Justiça". Que sentido terão elas, não custa adivinhar.

Do outro lado do mar

Felipe Paúl, jovem blogueiro mergulhado nos dramas e comédias da Universidade Federal Fluminense ao compasso do Brasil de Lula, escreveu-me reparando que tinha desaparecido o meu link para o seu Warfarestate.
Sublinha ele que "não há mortos por aqui..."
Ainda bem, digo eu; confirma-se que quem é vivo sempre aparece, como se diz por cá.
E para comprovar a sua vitalidade aponta-me o seu Escola Sem Partido, site onde se luta por educação sem doutrinação.
Felipe é estudante de História. Recomendo aos leitores deste lado do Atlântico, sobretudo aos universitários, que acompanhem os trabalhos e as lutas de Felipe; até para conhecerem o estado das coisas além do Atlântico, tão diferente do lado de cá e todavia tão instrutivo, mais não seja para ver como tudo se repete, por vezes em outro tempo e outro lugar, mas sempre como que obedecendo a um padrão universal.

segunda-feira, outubro 11, 2004

Santos da Casa

Antes que alguém se antecipe, quero ser o primeiro a dar as boas vindas ao novo blogue Santos da Casa.
Mais um que também é do Belenenses. Quer dizer que sabe perder - sina nossa, que nos vai atingindo mais ou menos a todos.
Por mim, que também gosto de livros, de cultura,tertúlias e memórias, prometo frequentar a casa - mesmo sem o engodo dos milagres.

O tempo que passou

Mal tinha eu publicado o postal anterior, e chegou lá do Canadá, por prodígios da net, a resposta de Fernanda Leitão. Um pouco coradinho, aqui a deixo à degustação de todos os que me acompanham nesta tertúlia.

O TEMPO PASSOU

O Manuel brindou-nos hoje com um comentário magnífico, e triste, acerca da decadência, em toda a linha, dessa gente da "pulhítica". E tem toda a razão para estar triste e inquieto. Ainda há 30 anos atrás tínhamos, à direita e à esquerda, gente com gabarito e linha, com competência e presença, que sabia estar. Agora, é o que se vê. Estes é que tinham estado bem para o MFA, que era uma tropa arrafeirada e sem maneiras, e se assim tivesse sido, a coisa tinha rebentado há que tempos. Mas foram outros, que se foram queimando nesta fogueira sem sentido.
Pensando melhor, esta degenerescência vem-se verificando desde o termo da 2ª Guerra Mundial, e à roda do mundo. Nessa altura ainda havia políticos que, embora controversos na paz, foram grandes na guerra, como um Churchill e um de Gaulle. A pouco e pouco, com o advento do hamburger e da sapatilha, da TV e dos jornais tablóides, a qualidade diluíu-se, até ficar este caldo nojento. Não é só em Portugal que o pessoal activo da política é uma escória, um pouco por toda a parte reina a mesma mediocridade.
Mas hoje é domingo, por aqui está um dia esplendoroso, quentinho, de belíssimas cores outonais, a missa donde venho, em Our Lady of Lourdes, foi celebrada pelos jesuítas da congregação sobre um altar que tinha a seus pés um deslumbramento de flores, ramos de árvores, cestas de frutos, cestas de abóboras muito amarelinhas. Porque, neste fim de semana, o Canadá celebra, com alegria e rigor, o Dia de Acção de Graças. As famílias vão de manhã aos cemitérios, depois aos serviços religiosos da sua fé, visitam-se amigos doentes e, finalmente, as famílias reunem-se num jantar de perú recheado, acompanhado de toda a sorte de vegetais e molho de cranberry, regado pelo vinho canadiano, que não envergonha ninguém e está um homenzinho, terminado com a tradicional sobremesa de tarte de maçã ou de abóbora com sorvete.
Este povo agradece sinceramente o que Deus lhe deu no correr do ano. É, por isso, um dia de alegria.
Sendo de alegria, e tendo o Manuel falado da Beatriz Costa, eu tomo a liberdade de lembrar para vós umas quantas facécias para nos rirmos todos.
A Beatriz Costa e eu dávamo-nos bem, ela tratava-me por tu. Encontrávamo-nos volta e meia à mesa de almoço no Chico Carreira, do Parque Mayer, um homenzarrão sempre de curto sevilhano e chapéu à Mazantini, que era sócio garatido da actriz nas corridas de touros em Portugal e Espanha. O Chico Carreira tinha um carão, mas era a bondade em pessoa. Sonhasse ele jornalista desempregado que logo o "mandava" comer lá em casa, de borla.Os nossos almoços eram de farra por causa da Beatriz, que dizia coisas gozadíssimas. Quando eu almoçava só com o Chico, era um sossego.
Outras vezes ia eu ao átrio do Hotel Tivoli, ao fim da tarde, pedir-lhe duas ou três anedotas novas por nessa noite ir ao Faia com rapaziada e encontrar lá a fadista Maria Albertina que nos achatava sempre com anedotas engraçadíssimas. A Beatriz despejava as últimas aquisições, a recomendar-me "agora vê lá se te esqueces e trocas tudo", e eu lá ia fazendo uns brilharetes.
Outras vezes eu ia com a Beatriz Costa até ao Solar da Herminia, ao Bairro Alto, ali jantávamos e tínhamos um serão de conversa. A Herminia Silva, que na revista era de mão à ilharga a dizer "ó pá, tou à rasca", ali em casa era a linha e o aprumo em pessoa, sabia receber e não raro mandava calar a Beatriz Costa que, quando se descomandava, era um tanto desbocada. Às vezes eu ia ás matinées do Tivoli com a Teresa Tarouca, encontrávamos lá a Herminia Silva e ela fazia sempre questão de nos pagar a bica. Uma noite fomos à casa de fados da Herminia levar-lhe uma prenda que deixou a fadista sem fala e à beira das lágrimas: a Teresa ofereceu-lhe um xaile de merino que tinha sido de uma remota avó da nobre linhagem dos Taroucas. Foi nessa noite que, em amena cavaqueira, a Herminia Silva nos contou que. quando ela e a Beatriz Costa entraram no filme Aldeia da Roupa Branca, foram postas a dieta pelo realizador. É que, sendo mais difíceis de ultrapassar as distâncias naquele tempo de más estradas e poucos carros, actores e restante pessoal das filmagens estavam aboletados numa pensão da Malveira, a Ti Jaquina dos Cabritos, onde aqueles pilantras de Lisboa, depois de horas a filmar na serra, com bons ares, devoravam a riquíssima comida que a patroa lhes servia. "As meninas nem calculam! Quando o realizador nos chamou à ordem, a Beatriz e eu estávamos reboludas como borregas", contou-nos a Herminia.
Quando tomei conta do Templário, para tratar dos comunas a quem eu não queria que faltasse nada, a primeira carta que recebi em Tomar foi da pintora Estrela Faria: "Vai em frente sem medo que se "eles" te cortarem a cabeça, eu colo-ta. Eu, cá por Lisboa, vou aguentando isto com umas garrafas de Borba e uns restos de amigos que ainda não fugiram". Mas também a Beatriz Costa, que viveu em Tomar em garotinha e de quem a minha gente se lembrava bem, apareceu a dar um empurrão.
Quando o Templário abriu escritório em Lisboa, na Rua Rodrigues Sampaio, ali mesmo em frente do Hotel Tivoli, era só atravessar a Avenida da Liberdade, a Beatriz ficou num sino. Aparecia constantemente na redacção, a rapaziada morria por ela porque, já se sabe, ela estava sempre de cara na água. Era ela e as meninas da Covina, em frente do jornal, a quem os meus rapazes mandavam enfiadas de balões coloridos dum lado para o outro quando eu não estava por perto. Quando calhei de ver o espectáculo e ia abrir a boca, diz-me um colaborador, o Mário, que era descarado e tinha piada: "Conforma-te! Sabes bem que isto não é um jornal, é uma casa de artistas". Era capaz de ser. Fiz de conta que nem tinha reparado. Mas a Beatriz era ali presença assídua.
E eu, em dias de muita pressão, de muito desgosto, de muito conselho da revolução que o diabo sumisse nos infernos, ia até ao hotel rir-me com ela a ver se a nuvem passava e eu aguentava. Foi num desses princípios de noite que, saíndo do hotel devagarinho para irmos jantar ao Parque Mayer, demos de caras com um senhor alto, de bastante idade, vestido de cores claras, todo ele um brazileiro contado pelo Camilo. Especou-se diante da actriz, risonho, de olhos muito deslumbrados, e diz-lhe: "Ah, é a Sra. Da. Beatriz Costa! Estou tão contente por poder vê-la... E que bem que a Sra. parece! Com quantos é que a Sra. está agora?". E a atrevida, sem caridade nenhuma, todo o Parque Mayer e a Malveira a correrem-lhe nas veias, disse só este mimo: "Eu agora não estou com nenhum". O sr. ficou petrificado, eu até julguei que lhe ia dar uma coisa má, e levou tempo a recompor-se, mas por fim lá riram os dois a bom rir. Era assim a vedeta.
Quando publicou o seu primeiro livro, SEM PAPAS NA LÍNGUA, foi-me levar um exemplar ao jornal e de caminho, participou-me que ia ao Brasil por uma temporada mas que também tinha deixado um livro à Bia (Hermínia Silva). E estava queixosa. "Então não queres crer, aquela bruta a perguntar-me se realmente eu é que escrevi o livro? E depois a dizer, deixa aí, tá bem, não me chateies, eu hei-de ler isso".
O pior foi quando a Beatriz regressou daquela costumada peregrinação entre o Rio de Janeiro e a casa do compadre Jorge Amado. Entrou-me pela porta dentro numa fúria. Vinha de casa da Herminia. Queria eu saber o que se passou? Pois ali estava: a Bia não leu o livro. Honesta, explicou porquê: "É munto grande! E depois tu disseste-me que falavas ali da gente, do nosso tempo, e eu sei isso tudo de cor". Estava fora de si a glória do Parque Mayer. E eu, com cara de tacho, perdida de riso, porque achei pilhas à outra.
Enfim, gente que fez um tempo, que fez uma época. O tempo passou.

Fernanda Leitão

domingo, outubro 10, 2004

O tempo que passa

A Dona Beatriz Costa era uma velhota vivaça cheia de sabedoria e bom humor. Ficou como um dito de antologia a resposta dela a quem a tentava convencer a não se exibir carregada de jóias pelo passeio em frente ao Hotel onde vivia, na Avenida da Liberdade.
Octogenária vaidosa, gostava de se mostrar, e defendia teimosamente que o que tinha não era para esconder. Arranjava a franja negra e luzidia como décadas atrás, ou o que sobrava dela, vestia umas roupas alegres que lhe davam um ar bizarro de velha muito pintada a fazer de rapariga, adornava-se com as suas queridas jóias, e passeava-se nas imediações do Tivoli.
Embora não se afastasse da frontaria do Hotel, a verdade é que o local tornava perigoso aquele exercício, já nessa altura. E quem cuidava dela preocupava-se.
- Oh tia, não pode ser, olhe que é perigoso, e além disso fica-lhe mal, até parece uma nova-rica...
O argumento saiu ao contrário:
- Oh filha, antes nova rica que velha pobre!!
Perante tão profunda sentença, não há senão que calar.
Já antes Beatriz Costa tinha notabilizado o seu envelhecimento com a publicação de uns livros de memórias, de saborosa evocação da sua vida e do seu tempo.
Um deles tem o título "Quando os Vascos eram Santanas", e lembro-me desse título muitas vezes ao observar o arrepiante fenómeno da decadência do pessoal político (já aqui foquei essa queda assustadora).
Evidentemente a autora não fez um ensaio de ciência política, quer simplesmente aludir à época dourada da sua juventude em que o meio teatral e cinematográfico português era dominado por nomes como o de Vasco Santana, e brinca com o espectáculo de mediocridade então em cena no país, em que surgiam como actores de primeiro plano a figura desgrenhada e demente do "General" Vasco Gonçalves e o perfil pançudo e bronco, lembrando um mexicano sem poncho, do "General" Vasco Lourenço.
Olhando a gente a cena política de hoje não há como consolar-se. O declínio é a constante, e não se descortina onde irá deter-se.
Qual o motivo verdadeiro porque o actual Santana tem (e acreditem que tem) efectivas hipóteses de se manter no poder, ganhando o congresso do seu partido e depois as eleições legislativas? - Simples, procurem à volta e vejam o que há. O José Sócrates? - Bem podem trabalhar os assessores de imagem, o que é chumbo não se transmuta em ouro.
Qual a razão porque Bush vai provavelmente ganhar as eleições americanas? - É evidente, se olharem bem para Kerry...
Esta é a norma, e parece universalizar-se. Pense-se no respeito que em França poderá inspirar um presidente que foi eleito pela esquerda aos berros de "plutot un escroc qu'un facho", depois de uma longa campanha em que o crismou de "supermenteur"...
E no entanto o homem que foi eleito por não ser facho embora dando-se como assente que é um ladrão e supermentiroso, pavoneia-se por esse mundo fora como se gozasse da consideração e confiança dos seus concidadãos.
Eu não sei para onde marcha a História, ao contrário dos devotos de Marx, que acreditavam em leis inelutáveis que nos levavam para uns amanhãs que até cantavam, ou dos mais recentes partidários de Fukuyama, que também se convenceu que descobriu o destino final, num oceano pacífico de prosperidade capitalista e democracia liberal a rodos, da Papuásia ao Liechstenstein.
Não sei, mas não consigo ficar tranquilo. Quando vemos o nível da água a baixar a toda a volta, não é o navio que está a subir; deve estar é encalhado.

BEJA: ENCONTRO DE BLOGUES

NO DIA 6 DE NOVEMBRO
Até às 12H30 - Concentração dos Participantes no Almoço, junto ao Pelourinho da Praça da República;
- Fotografia de grupo
- 13H00 - Almoço de Confraternização (restaurante ainda a anunciar);
- 14H45 - Conversa à volta dos blogs - Cafetaria da Biblioteca Municipal de Beja
As inscrições devem ser feitas para o endereço electrónico do organizador, o PRAÇA DA REPÚBLICA.
Prazo limite de inscrições: 12H00 de 1 de Novembro.

Aleluia!

O nosso primeiro resolveu enfrentar a crise, com a combatividade que lhe é característica.
Falando ontem nos Açores comunicou às massas incrédulas que no ano que vem os nossos salários irão aumentar, as nossas pensões irão subir, os nossos impostos irão diminuir, e o défice do orçamento feito para relacionar essas despesas que sobem com essa receitas que descem não irá de forma nenhuma piorar.
Mais do que isto, só mesmo Jesus Cristo, que como se sabe não percebia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca.

sábado, outubro 09, 2004

Última hora

Senti-me na obrigação de escrever isto para acalmar a comoção que abala o país.
O Marcelo, meu velho conhecido das lides académicas, telefonou-me inda há pouco, com aquela intimidade que o leva a desabafar comigo de vez em quando.
O tipo está bom. Em forma. Divertidíssimo com a repercussão desta história toda. Com toda a sua verve e a criatividade a fervilhar, e a transbordar. Pareceu-me tal e qual como nos melhores momentos de criador de factos políticos para o "Expresso".
A excitação saltava-lhe na voz, um tanto gritada. Vou confidenciar o que ele me transmitiu, só para tranquilidade pública.
- Ó pá, tás bom? Porreiro! Era só para te dizer que tu é que tinhas razão! Estes gajos não se podem aturar! Tu viste aquela do Gomes da Silva, aquele lá da faculdade que servia de cão de fila do Pedro, o que era gordo e agora já não é, a fazer-se de duro? Os gajos tão lixados comigo! Lixam-se, ou eu não me chame Marcelo Nuno! E vou seguir o que tu dizias... Agora é que eu percebo essa conversa da blogosfera! Os meios tradicionais já deram o que tinham a dar. Mandei bugiar aqueles sacanas da TVI, e... queres saber? Vou abrir um blogue!!! Os gajos querem guerra? Vão ver como elas mordem!

O perfil do Nobel

Em face das últimas notícias sobre prémios Nobel, e passando em revista os útimos anos, lembrei-me de uma brincadeira do falecido filósofo Rafael Gambra e reparei que as escolhas da academia sueca revelam cada vez com mais nitidez a existência de padrões que permitem definir um perfil ideal para o premiado.
A primeira regra é que o candidato tem que enquadrar-se ao menos numa categoria das privilegiadas na vulgata do politicamente correcto. Se couber em várias dessas categorias, tanto melhor.
Por exemplo: o ideal é que seja mulher, preta, e activista de qualquer causa vagamente terceiro-mundista ou contestatária. Se não puder ser isso tudo, por exemplo por ser mulher e europeia, então que seja lésbica, ou feminista radical, ou combatente pró-aborto. Se tiver que ser um homem, e não for negro, nem homossexual, terá que ser judeu, e militante anti-fascista e anti-racista desde o berço ou desde o útero materno. Sendo homem, branco, não judeu, e heterossexual, só poderá ser comunista a vida inteira. Se não estiver em nenhum desses grupos, ao menos que seja budista ou muçulmano.
Em qualquer caso, nenhum dos situados numa categoria pode deixar de sorrir às outras todas.
É portanto um perfil muito amplo: algo assim entre a Simone de Beauvoir e a Winnie Mandela, o Pedro Almodovar e o Michael Jackson, com uma estreita abertura a Manuel Tiago.

Ponto de ordem

O congresso do PSD está marcado para os dias 13, 14 e 15 de Novembro. Falta só um mês. Querem melhor explicação para todo este frenesim?
Estranho é que tanto comentador, jornalista e polítco esqueça ou finja esquecer esse pormenor insignificante...
Santana Lopes precisa da consagração em Congressso (Sócrates já anda a repetir que ele tem essa legitimidade e Santana não). Depois poderá marchar para os embates eleitorais.
A hipótese inversa, de o Congresso o derrotar, seria caso nunca visto: o congresso do partido governamental derrubar o governo.
Alguém acredita que, por súbito impulso, os laranjinhas têm disposição e vontade para abrir mão do poder?
Ou estou a ver mal, ou Santana vai ter o que pedir. Aplausos e aclamações quanto baste.
Estou em crer que muitos dos críticos de hoje (dos que têm lugar no conclave) nem sequer vão aparecer. Eles aliás não estão a jogar para esse campeonato (para dizer a verdade nem jogam todos no mesmo campeonato, e muito menos na mesma equipa). Acho que só estão a querer negociar, ou marcar pontos para outras competições.

O triunfo dos laranjas

O PSD já revelou no passado uma certa tendência para concentrar em si a representação dos múltiplos grupos de interesses e influência que se disputam o poder em Portugal.
E a sociedade portuguesa já deu sinais ao longo da história de favorecer o estabelecimento de um partido dominante, para não dizer único, como se o seu estado natural implicasse a criação de uma "união nacional".
Estas são duas observações que gostaria de endereçar aos que por aí andam tão excitados com as peripécias de ópera bufa em que se digladiam os notáveis do partido no poder.
Na verdade, se vier a acentuar-se e a prolongar-se este fenómeno de o PSD conter em si o governo e a oposição, absorver para o seu interior toda a luta política, não custa prever o resultado.
Se tudo o que politicamente conta se centrar no PSD, o que virá não será o desgaste e o afundamento que os seus adversários pressagiam e desejam como consequência das divisões.
Se todas as atenções se dirigirem para o PSD, se toda a vida política com expressão pública se contiver nas fronteiras do partido, quando chegar o momento das legislativas este ganhará as eleições - seja qual for a direcção que se apresente à sua frente.
Já agora, com o espectáculo em cena e os previsíveis desenvolvimentos futuros, as fases planeadas para lançamento e afirmação da estratégia Sócrates podem estar seriamente comprometidas, condenados que parecem estar à inevitável secundarização mediática.

Será um blogue um animal doméstico?

"Ter um blog é o mesmo que ter um cão. A decisão de aceitá-lo em nossas vidas é ponderada, fazemos contas às mais valias e às condicionantes que tal decisão acarreta. Mas depois da decisão tomada a responsabilidade diz-nos que diariamente temos que garantir que nada lhe falta ... em suma, temos que ser capazes de cuidar do bichinho."
Estas são palavras do Sonho Meu. Nunca tinha visto a coisa desta maneira, mas assim de repente engracei com a imagem, parece-me bem visto.
A parábola canina é pelo menos tão legítima como a visão dramática dos que falam na terrível blogodependência que os vicia e escraviza ou o sentimento romântico dos que vêem no blogue a transcendência da criação de um filho.
Fiquemos pelo cachorro, que já dá muito trabalho mas em todo o caso será um problema de menor gravidade.

sexta-feira, outubro 08, 2004

Lapsos e equívocos

"Recebi o professor Marcelo Rebelo de Sousa porque achei que era um momento importante para ser visto" - frase de Jorge Sampaio explicando a sua audiência com Marcelo.
Não sei se ele quis dizer o que as palavras dizem (provavelmente não, a clareza nunca foi o seu ponto forte) mas se realmente assim foi exprimo desde já o meu aplauso a tão descontraída franqueza.
É precisamente o que eu pensava: o único objectivo de Sampaio é ser visto. Para quê, nem ele sabe - ainda não pensou no assunto.
Lamentavelmente, com esse comportamento está a contribuir para um equívoco. Algumas pessoas acreditam que ele existe. Até ele por vezes acredita nisso.
Engana-se a ele e engana os outros. Obviamente, Sampaio não existe.

ZARA? NÃO ZARA?

O "Mais Évora", que cada vez mais se perfila como o mais indispensável dos blogues eborenses (outros têm outras qualidades, em maior grau, mas é assim: - este é o mais indispensável à vida local), anda intrigado e interrogativo. Eu, que nada sei e não posso ajudar, só lhe posso responder como a Doris Day. Mas fico na expectativa.

Que sera, sera
Whatever will be, will be
The future's not ours to see
Que sera, sera
What will be, will be

quinta-feira, outubro 07, 2004

ALVITRANDO

Para estes tempos em que as atenções estão viradas para o PCP, a renovação e a continuidade, eis um blogue de um autarca alentejano, comunista e com reputação de renovador: Lopes Guerreiro.
Na vila de Alvito é que ele foi criado/ o velho partido já lhe dá cuidado...

O lugar mais bem pago do mundo

Tendo em conta o trabalho que dá, deve ser o de Presidente da Câmara de Marco de Canavezes...

7 de Outubro de 1571

Os turcos ameaçavam toda a Europa...
Deu-se então a Batalha de Lepanto, momento histórico decisivo em que as armas da Europa cristã vencem as forças otomanas.
Assim se estabilizaram as fronteiras da Europa - até hoje.

Elfriede Jelinek

Creio que o nome não dirá nada a ninguém, mas a Academia Sueca não falha: voltou a encontrar um dos seus.
Elfriede Jelinek é o nome da escritora austríaca que este ano foi escolhida para Prémio Nobel da Literatura.
Literatura? Quem conserva ainda algumas ilusões sobre os critérios em uso na nórdica academia faça um esforço e informe-se do caldo ideológico em que navega a premiada.

A bronca da semana

Não há dúvida que os hábitos futebolísticos invadiram a nação.
Implantaram-se mesmo no país político, quiçá devido à falada promiscuidade.
Ora atentai bem nas últimas cenas, e dizei-me se não lembram outras, tantas vezes comentadas aos domingos à noite nos serões televisivos.
O Marcelo, jogador experiente e astuto, atirou-se aparatosamente para o chão mal sentiu o contacto do adversário.
O estádio em coro desatou a berrar penalty, sem querer saber de subtilezas e teatrices.
O Santana e o Gomes da Silva, não obstante serem futebolistas já com algum traquejo, foram apanhados de surpresa pela habilidade.
Agora olham incrédulos a performance do adversário e não sabem que fazer, além da rábula do “quem, eu?!!!”, que tem o condão de excitar ainda mais a multidão vociferante.
Se não fossem as conveniências, estavam os dois para aí a espumar que nem o Paulinho Santos.
Entretanto, com ar satisfeitinho, o Marcelo levantou-se lampeiro e seguiu, qual João Pinto ou Luís Figo nos seus melhores momentos.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Ar puro, correntes de ar por toda a casa empestada...

Quando demasiadas tensões são reprimidas durante demasiado tempo chega um momento em que podem explodir como uma panela de pressão...
Não sei se assim acontecerá com o PCP, mas parece-me certo que o processo desencadeado por Carvalhas ao decidir antecipar-se ao momento e ao modo escolhidos por outros de forma a impedir que se concretizasse a substituição rápida e discreta que estava planeada pode trazer consequências muito mais vastas do que ele alguma vez previu.
Para já colocou na praça pública a discussão de assuntos que os responsáveis pelo partido desejariam manter a bom recato ("nos locais próprios", para usar a sua linguagem).
É como se o apagado Carvalhas, farto de levar pancada e fazer de burro de carga estes anos todos, resolvesse dar um valente coice na mobília quando já ninguém o cria capaz de reagir.
E as forças desencadeadas podem exceder todas as previsões. Resta saber se a velha casa há tanto tempo fechada aguentará estes abanões.
Também aqui pelo Alentejo começou a agitação. E não é só no aconchego das sedes: transborda e extravasa por todo o lado.
Vejam as declarações do Presidente da Câmara do Redondo.
"A declaração de Carvalhas surpreendeu pelo timing. Ou bateu com a porta ou foi empurrado", disse Alfredo Barroso.
Lembrando que a direcção do PCP mostrava já alguma insatisfação com as posições assumidas pelo secretário-geral relativamente a algumas questões, Barroso prosseguiu dizendo que "Carvalhas foi, apesar disso, o porta-voz das posições assumidas pelas linhas mais ortodoxas do partido, mas o seu timing para anunciar a saída seria, talvez, um pouco mais próximo do Congresso", acrescentou, admitindo a possibilidade de a corrente dominante no PCP pretender um congresso "mais controlado".
Alfredo Barroso referiu ainda que espera um debate em torno da renovação do partido, e quanto à posibilidade de entronização de Jerónimo de Sousa como sucessor de Carvalhas disse logo que "isso significaria fechar o partido à sociedade. Apesar de ser ainda prematuro falar de nomes, fala-se já de alternativas, caso de Carvalho da Silva. O líder da CGTP é aquele que oferece garantias de abertura do partido".
Temos portanto que a tempestade pode estar à porta.
E já agora acrescento, como curiosidade adicional, que neste ano que decorre até às autárquicas se anuncia por cá uma verdadeira dança das transferências, à maneira futebolística... Os empresários já estão em campo, apalpando o terreno... O PCP é o alvo da caçada, o PS e o PSD concorrem no mercado. Quem viver verá.

O valor da internet

Está a vir ao de cima, pelo que sei ao menos em França, em Espanha e em Portugal, uma discussão aflita sobre a crise da imprensa e a internet, que se reflecte em campanhas várias.
Os jornais de papel queixam-se de um mercado cada dia mais reduzido pela concorrência dos gratuitos e dos digitais.
E se esses se lamentam do decréscimo das tiragens, todos, escritos ou audiovisuais, choram a fuga da publicidade, a cada hora mais escassa e disputada.
Mas se bem olharmos verificamos que as preocupações não se limitam à questão financeira, à luta pela sobrevivência económica.
Se bem repararmos vimos que o que lhes dói, mais do que a fuga de receitas publicitárias provocada pela imprensa digital, é a perda do monopólio da fabricação da realidade.
As queixas mais doloridas vão para “os perigos da Internet”, a falta de controle do que aqui se passa, a necessidade de regulamentação do meio.
Facilmente se percebe a mensagem.
Um dos pilares das nossas sociedades ocidentais é o domínio da cultura e da opinião pública. Como teorizava o ideólogo comunista António Gramsci, os intelectuais é que podem mudar as mentalidades; e com muito mais eficácia do que as escolas, que se encarregavam disso no século XIX, quem tem agora essa função são os media.
Agora as escolas criam analfabetos, e os meios de comunicação dão-lhes as palavras de ordem com que se orientam, ensinam-lhes o que pensar, em quem votar ou o que aplaudir.
A imprensa, a comunicação, não é apenas um negócio que vende noticias, mas também ideias, opiniões, ideologia.
Como já se provou, a imprensa pode vencer exércitos, pode ganhar eleições, e os golpes de Estado dão-se antes de tudo na televisão, na rádio, nos periódicos.
E aqui está a verdadeira razão do pânico: o meio digital parece ser incontrolável.
Os donos do jogo, que há muitos anos impõem as suas consignas e estabelecem um reino de terror, com um rigoroso patrulhamento ideológico e a denúncia paralisante dos que se afastam da linha justa definida pela cartilha, sentem o terreno a fugir-lhes debaixo dos pés.
Como se alcança com nitidez também em Portugal.
De onde decorre também o alto apreço em que devemos ter, cada dia mais e mais, a internet.

Este mundo está realmente perigoso!

O núcleo duro do PCP correu com Carvalhas e o núcleo duro da TVI correu com Marcelo.
Que mais estará para acontecer?

terça-feira, outubro 05, 2004

Breves reflexões sobre Educação...

...um artigo de opinião de João Titta Maurício :

"Entre nós, é visível a tensão entre revolução e contra-revolução. Não é uma disputa dicotómica recente. Nem sequer exclusiva de Portugal: é recorrente a todos os países que sofreram importante influência do pensamento francófono, daquela “fonte” especial de 1789. Porém, essa é uma outra questão...
O importante é que há uma permanente tensão revolução/contra-revolução, dois siameses cegos de ódio um pelo outro! O seu principal objectivo reduz-se a chegar ao Poder e destruir o anteriormente feito ou desfeito pelo outro. A sua “receita”: usar e abusar da centralização estatal (tornada instrumento de obstaculização). Assim, a principal vítima de ambos é a Liberdade!
Uns dos campos de batalha mais importantes e recorrentes é a Educação... e estes últimos dias têm evidenciado essa disputa ideológica na luta pelo controle da “máquina da 5 de Outubro”! Ambos procuram a centralização das decisões e a concentração dos meios do Estado. Os seus objectivos: usá-los para impôr a “boa Escola”... a sua, claro!
São públicas as causas que levaram David Justino a apresentar um novo modelo de colocação de professores. Impunha-se procurar combater, enfraquecendo, certos sectores político-partidários bem identificados que, graças ao anterior modelo, exerciam um controlo para-mafioso na distribuição dos professores (em especial, nas grandes áreas metropolitanas): os docentes obtinham o vínculo em escolas do interior e depois, pelo destacamento, “desaguavam” na Grande Lisboa – o que permitia a obtenção das maiorias de controlo dos Conselhos Directivos (compreenderão agora o porquê de tanta oposição à criação de gestores de escola...), condição indispensável para controlar o sistema! Rodeavam a capital (e os seus mais de 3 milhões de residentes), num eficaz e monocolor cerco ideológico. Entretanto, os demais licenciados com ambições a docentes, vogavam pelo país, ao sabor das oportunidades e vítimas de um esquema do qual só beneficiavam “intelectuais” benquistos pelos “sectores progressistas”! Ah, e outros tantos “docentes do quadro” eram requisitados para importantíssimas funções na “5 de Outubro”! Juntos, são a causa do grande movimento anual de docentes... que, afinal, não é assim tão incompreensível!
A alternativa, infelizmente, foi a típica da dicotomia revolução/contra-revolução: centralizar e concentrar! Descontadas as falhas (que, na altura conveniente, aposto, serão inexistentes...), a questão é que a solução é tão má, que nem a esquerda (por vergonha e receio) se atreveu a propô-la... mas, agora sorri... e agradece! Exige-se uma direita culta, desempoeirada e não revanchista, que se não prenda nos interesses conjunturais e, libertada do ditadura do “eduquês”, apresente propostas conservadoras-liberais que devolvam a Liberdade à Escola!
Importa ter a coragem de interromper o círculo vícioso e perceber que a solução jamais deverá ser concentrar. Antes (garantindo a gratuitidade do ensino): garantir a coexistência, em concorrência perfeita, de vários modelos de Escola; devolver a competência da escolha dos docentes às escolas; possibilitar aos pais a liberdade de escolher aquela que propõe o modelo educativo que pretendem para os seus filhos.
É impossível alcançar a neutralidade moral e, por haver diferentes formas de ensinar e educar, a ninguém deve ser permitido impôr a todos o seu modelo de Escola! Assim, o monopólio estatal significa a consagração do pensamento único! Tanto mais grave, quando o Estado (em nome de todos, mas apenas ao serviço das “vanguardas esclarecidas”) usa esse monopólio como instrumento de transformação por imposição de uma moral de origem externa à comunidade e que tão bem serve os desígnios político-ideológicos da esquerda jacobina ou do seu reflexo.
Se a Escola é incapaz da neutralidade moral que é exigida ao Estado, como justificar que este seja detentor monopolista da Escola? Porque a esquerda (e uma certa direita segue-a embevecida) vive (e quer fazer viver) na ilusão de que, se patrocinássemos “acções de integração”, os pobres elevar-se-iam acima da sua condição. E o empenhamento cego de todo um País nas políticas igualitárias, tão próprias dos “credos” socialistas e do “politicamente correcto”, apenas serviu para tornar Portugal numa tristonha, presumida e infeliz realidade monocolor: uma só ideologia, uma só Escola, um só tipo de cidadão!
Com o monopólio do Estado, é a confusão: paradoxalmente, o Estado é, simultaneamente, legislador, fiscalizador (posições que exigem que se abstenha de ter interesse ou ser parte) e agente no Mercado. É perfeitamente incrível que, os mesmos que lutaram contra os monopólios económicos do Estado, entendam como razoável que este se justifique na Escola: por causa da presença monopolista do Estado no “mercado” da Escola , quando o serviço é prestado sem qualidade, a ausência de alternativas é não só um ataque à Liberdade, mas também (principalmente, quando se trata do Estado) uma violência e um frustar de legítimas expectativas.
O Estado, na perspectiva contratualista que perfilhamos, não surge de geração espontânea: é o produto da vontade humana; não existe e sobrevive como um fim em si mesmo; existe e opera para a comunidade humana que o criou e organizou! E como a Racionalidade é o critério característico e distintivo do Ser Humano, não é abusivo concluirmos que a criação do Estado obedece ao propósito da obtenção, por acção colectiva, daquilo que, individualmente ou através de pequenas comunidades espontânea e voluntariamente organizadas, não é possível de ser realizado ou não é tão eficazmente concretizado. A Escola não é um deles. É-o quanto ao dever civilizacional de proporcionar condições para um acesso gratuito e universal ao bem Escola. Mas não tem de a organizar e gerir... muito menos na condição de monopólio!
Assumindo a maioridade da Democracia portuguesa, urge romper a dicotomia revolução/contra-revolução, libertar a Escola, devolvendo-a à Liberdade. Não se tema aquilo a que alguns chamariam “caos”, e reconheçamos que a grande vantagem da Liberdade em Democracia está na possibilidade de coexistência de diversos projectos. Seria decisão de bom-senso que, nas escolas públicas (que não deixariam de existir), em todos os graus infra-universitários, a gestão das instalações e da contratação dos docentes e demais pessoal deixasse de ser concentrada no Ministério da Educação, transitando para a Escola, gerida por profissionais especializados, escolhidos em assembleia local composta por eleitos, professores e pais. Ao Ministério da Educação caberia a responsabilidade subsidiária de manter uma bolsa de Professores-substitutos que acudiriam a faltas não previstas. Cada Escola teria uma gestão mais leve, mais eficaz, mais próxima dos seus “clientes” e, assim, mais capaz de cumprir as tarefas instrutivas e formativas que são a sua verdadeira raison d’étre.
É importante que os Povos tenham governos que pensem e apresentem ideias, e que se não acobardem ou envergonhem de as aplicar. Ao apresentá-las, dão corpo àquilo em que acreditam, algo que tem bondade intrínseca ou capacidade para gerar efeitos bondosos... e que devem ser aplicadas mesmo que custem incompreensões e descidas nas sondagens. Porque, no fim, quem devolve Liberdade acredita no Homem. Acredita que este, para o exercício daquela, é individualmente dotado de uma suficiente dose de sentido de responsablilidade, que possibilita as menos incorrectas escolhas colectivas.
A Democracia moderna mantém-se ou cai pelo grau de literacia dos seus cidadãos, e só a Escola com Liberdade permite que surjam as condições que impeçam a vitória da “mass culture”. Não libertar a Escola é aprisionar o futuro, é diminuir a Democracia, é condenar Portugal!"

Não pagamos, não pagamos!

Nesta apatia modorrenta em que o país flutua, nenhuma palavra de ordem rivaliza em poder mobilizador com o célebre "não pagamos, não pagamos".
Não se pense que é fenómeno restrito às hordas universitárias, que ouvindo falar em pagar pelo serviço que as privilegia acordam estremunhadas do cansaço das noitadas e da ressaca cervejeira e desatam a berrar desalmadamente "não pagamos, não pagamos", em simiescas exibições de rua.
Não há tal restrição: trata-se de uma mentalidade expandida e generalizada, profundamente enraízada nas entranhas da populaça. O "não pagamos, não pagamos" corresponde a uma aspiração e um impulso marcados a fogo no ser do tempo.
Que qualquer realidade que tenha um custo tem necessariamente um preço, e que se o não pagarem uns outros o pagarão, tornou-se uma ideia obscena repudiada com geral repulsa.
Todos querem ter tudo, ninguém quer pagar nada.
Os políticos já descobriram isso. Nesse universo vazio de qualquer ideia ou projecto que não seja o poder pelo poder, constatou-se a óbvia impossibilidade de interessar as massas por uma ideal ou fazê-las mexer por uma bandeira acenadas em chamadouro. Um grande bocejo colectivo responde sempre a essas representações em falsete, de papéis em que os próprios actores não acreditam.
Desta forma o "não pagamos, não pagamos" transforma-se numa fórmula mágica. Pode não haver mais nada, mas por aí se chega ao coração das gentes, assim se conseguem multidões e indignações, a dosezinha de dramatização que é condimento necessário à actividade política.
Consequentemente, a tendência é para se multiplicarem como fogos no Verão os focos de luta (justas lutas, claro) despoletadas pelo "não pagamos, não pagamos".
Fale-se em revisão das leis do arrendamento, e já se ensaia o coro das indignações, em defesa do que está: não pagamos, não pagamos. Terá um enorme sucesso, esta justa luta, tantos são os interesses concentrados no imobilismo, desde a construção civil aos bancos, ou aos grandes escritórios dos profissionais liberais instalados há décadas em locais onde pagam dez contos pelo todo e cobram cento e cinquenta pela cedência de cada uma das onze ou doze assoalhadas (profissionais estes maioritários na assembleia e nos directórios partidários, evidentemente).
Fala-se em pagar nas auto-estradas, e é como dar um pontapé num formigueiro, tal a agitação. Desde os autarcas que nem tapam os buracos nas ruas e caminhos que lhes estão entregues até aos populares que obviamente preferem que seja pago por outros aquilo que eles usam e gostam de usar já vai por aí uma choradeira inextinguível.
Tente falar-se em acualizar as portagens na ponte que já deitou abaixo governos e primeiros-ministros, e logo se verá o escarcéu que se levanta.
Feitas as contas aos votos, é provável que quem está no governo entenda que é preferível continuar a suportar os custos de todas as extravagâncias citadas e muitas outras não citadas, se a alternativa for perder as eleições. E tudo ficará na mesma.
A oposição não dorme: o "não pagamos, não pagamos" é que está a dar, e assim continuará a ser nos tempos próximos.
Pogramas e projectos de governação são aborrecidos, e na verdade ninguém lê nem quer ouvir falar disso.
O que cai bem é o "universal e gratuito", e não só para o ensino superior como querem os patuscos que deviam saber medir o que estão a dizer. Tudo universal e gratuito é que é. Vamos a votos?

Um país de bananas

Deixemos o Gomes da Silva, que há vinte e cinco anos é assim - ladra quando o outro manda ladrar, morde quando o outro manda morder.
Entretanto, nas hostes socialistas, ensaia-se a alternância.
A mensagem não foi nova, mas o estilo de José Sócrates, sem punho erguido nem exortações ao partido no final, deixou claro que não é só uma nova liderança que agora começa no PS.
É uma caminhada para o Poder, com o arranque previsto para 29 de Janeiro. Inaugura-se então "um espaço de participação política e cívica" que em vez de "Estados Gerais", como em 1995, se chamará "Novas Fronteiras".
"A Esquerda moderna quer ir mais além, quer dar um impulso reformista e modernizador à sociedade portuguesa, quer promover em Portugal uma viragem política, quer dar aos portugueses uma nova ambição, uma nova esperança, quer criar novas fronteiras para Portugal", disse o Eleito no final da sua intervenção, depois de ter citado John Kennedy.
Como se verifica, é só novidades. Uma mudança de 360 graus, como diria o outro.
Recordando uma sentença antiga, estamos condenados a ser um país de bananas governado por... santanas.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Brigas de família

Falando em Viseu, o Ministro Rui Gomes da Silva atirou-se a Marcelo Rebelo de Sousa com uma violência rara para os nossos costumes políticos.
Disse além de muito mais o referido membro do Governo que "nem o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda juntos conseguem destilar tanto ódio ao primeiro-ministro e ao Governo como esse comentador que, sob a capa de comentário político, transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha".
Confesso que fiquei espantado com a profundidade, a extensão e a contundência do ataque.
Aqui há pouco tempo tinha anotado um comunicado da Distrital do Porto do PSD onde se constatava que para esse importante órgão do partido governamental a verdadeira oposição era a representada por Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa. Mas pensei que fosse a análise deles, e que não fosse perfilhada a nível ainda mais elevado. Agora porém não podem restar dúvidas: quem conhece Rui Gomes da Silva sabe que ele não iria para ali desencadear esta ofensiva sem concertação prévia na instância que serve.
Temos portanto que para o nosso Primeiro a oposição que ele teme é a constituída por Marcelo Rebelo de Sousa e, eventualmente, Pacheco Pereira (aguarda-se a confirmação quanto a este, mas ele tem-se esforçado por merecê-la).
É evidentemente uma situação engraçada, e que promete muitos e divertidos desenvolvimentos para o futuro.
Vamos continuar atentos. A bola agora está do outro lado: em breve, canelada do Pacheco e ferroada do Marcelo (desconfio que este não se aguenta até domingo).

Histórias da Música

Esta entrada bem podia chamar-se "lembrando o Cónego Alegria, Alfredo Keil e o Hino Nacional". Pareceu-me porém longo título para escasso texto, e vou então abreviar.
Vem esta evocação a propósito da homenagem que com toda a justiça se entendeu prestar ao Cónego José Augusto Alegria nestas Jornadas Internacionais sobre a Escola de Música da Sé de Évora.
Como muitas vezes acontece, uma lembrança traz-nos recordações em tropel, e assim aconteceu ao ver evocada a figura do Doutor Alegria. Foi a todos os títulos uma personalidade marcante, na sua singularidade que só os mais próximos puderam apreciar e na projecção da sua actividade cultural, que aí está ao apreço de todos.
Ao longo de trinta anos de convívio muita coisa ficou que poderia ter lugar numas pinceladas rápidas de recordações alusivas, mas hoje queria tão só lembrar um episódio ocorrido vai agora fazer 26 anos.
Curiosamente tinha-me lembrado do mesmo quando há dias vi na televisão um programa onde se falou de Alfredo Keil e lá encontrei de novo as fantasias que nesse Outubro de 1978 traziam o Padre Alegria furibundo quando o encontrei no Largo dos Colegiais, em frente à Igreja do Espírito Santo, a poucos metros de sua casa, na ladeira íngreme que ainda se chama pitorescamente Rua da Cozinha de Sua Alteza.
Nesse tempo eu andava em constante vai e vém, ora em Lisboa ora em Évora, e quando nos encontrávamos era sempre ocasião de pôr em dia a escrita atrasada. Ora nesse dia o meu ilustre amigo, fazendo jus à sua conhecida irritabilidade, que não era menor do que a bonomia que também usava, estava furioso e não se calava com um escrito de origem oficial que lhe tinha chegado e onde o autor atribuía a Alfredo Keil, o autor da música de "A Portuguesa", ideias e práticas revolucionárias, pelo menos alistando-o postumamente nas fileiras republicanas.
O Doutor Alegria era intrinsecamente reaccionário, contra-revolucionário, monárquico, tradicionalista, e tudo daí para cima - daí para baixo nada. E acontecia que nessa época, para além do trabalho da "Portugaliae Monumenta Musica", tinha entre mãos o estudo do espólio musical do arquivo do Palácio Ducal de Vila Viçosa (do que resultaria aliás o seu livro dedicado à música na Capela Real de Vila Viçosa) onde existia e existe material original de Alfredo Keil. E dizia-me ele repetidamente, documentos e factos em seu apoio, que tudo era mentira, o Alfredo Keil tinha sido sempre um bom e fiel súbdito de Suas Majestades, não era mais do que calúnia a arregimentação póstuma. Tanto insistia com a demonstração que eu lhe retorqui, com naturalidade, que escrevesse - escreva lá isso, não custa nada, afinal o senhor é que é o especialista...
Ainda recalcitrou, relutante, que não tinha onde publicar, mas isso já eu esperava e atalhei de imediato a fuga. Continuou a barafustar, que de todo o modo ninguém lia, que não valia a pena, resmungou qualquer coisa sobre atirar pérolas a porcos, mas no fim ficou de pensar nisso e depois me diria alguma coisa. Eu já sabia que aquela era a forma dele dizer que sim, e fui-me embora esperando o prometido artigo.
Dias depois apareceu a nota sobre Alfredo Keil que nasceu dessa irritação, e que foi publicada no semanário que alguns estarão a pensar, com um agradecimento do Manuel Maria Múrias ao erudito musicólogo, "nosso leitor e amigo" (era assinante desde o primeiro número).

"AINDA ALFREDO KEIL"
"Como a história é feita à base de documentos e não se compadece com os círculos concêntricos nos quais os "progressistas" da nossa terra a pretendem enlear, acontece com frequência incrível que os tiros que dão lhes saem pela culatra! Vem isto a propósito de certo escrito que por aí anda, pago pela Secretaria de Estado da Comunicação Social, o que significa que é pago por todos nós, e no qual o escriba tem o desplante de insinuar que Alfredo Keil era republicano, pelo menos, se não mesmo conspirador revolucionário. A verdade, porem, é outra e assenta, não no reles preconceito dos ideólogos simplistas que tudo pretendem reduzir ao mesmo denominador comum, que é o seu, mas nos factozinhos que são a matéria que serve para escrever a história.
O hino nacional "A Portuguesa" saiu das mãos de Alfredo Keil como marcha patriótica contra os "bretões" que nos tinham imposto o Ultimato. Não era nem republicana nem monárquica. Era simplesmente um protesto patriótico contra uma agressão estrangeira. O texto poético de Henrique Lopes de Mendonça que pouco depois foi enxertado laboriosamente na dita marcha, também não saía dos moldes intencionais do autor da música. Tratava-se de um texto patriótico nascido num momento de exaltação e fervor dos portugueses que se viam ofendidos na sua dignidade de povo que preza a independência nacional, mesmo quando ofendida pela então poderosa Inglaterra. O facto de a República ter proclamado em 1911 o hino de Alfredo Keil e Lopes de Mendonça como hino nacional só prova que, ontem como hoje, os revolucionários, à falta de talento próprio, se sabem enfeitar com o talento alheio, espanejando-se depois com o leque de penas de pavão que lhes não pertencem. Este é apenas um dos muitos casos que fazem largo rol nas "iniciativas culturais" dos abrilinos! Nem sei como não decretaram por maioria de esquerda a "Grândola Vila Morena" como hino nacional, lavrando solene certidão de óbito à marcha patriótica de Alfredo Keil que hoje se canta ou deveria cantar com as lágrimas nos olhos.
Mas vamos aos factos que provam que Alfredo Keil foi sempre monárquico e nada teve com a República - que nem conheceu, visto ter falecido na cidade de Hamburgo em 1907.
Em Vila Viçosa, no Palácio Real, guarda-se no arquivo respectivo, uma composição de Alfredo Keil "Le Poème du Printemps/ Cantata Idylle/ avec solos, choeurs et grande orchestre". É uma obra de qualidade que o autor ofereceu a D. Carlos e à Rainha Senhora D. Amélia em 7 de Junho de 1886, menos de um mês passado sobre o casamento real. A "hommage respectueux de l'auteur" já significa alguma coisa, mas não tudo. A encadernação que envolve a obra, com letras de prata aplicada sobre veludo e cantos também de prata, aumenta a ideia de apreço e respeito que Alfredo Keil dedicava à Família Real. Isto passou-se em 1886, antes de existir "A Portuguesa".
No mesmo arquivo, e agora na secção dos impressos, encontramos a Ópera "Serrana", considerada a melhor das obras de Alfredo Keil, oferecida pelo autor ao Rei D. Carlos em 28 de Setembro de 1901, muito depois de composta "A Portuguesa". Também neste caso Alfredo Keil não se limitou a fazer uma oferta de circunstância. Mandou fazer uma encadernação especial com os títulos impressos a ouro, mostrando desta maneira o alto preço em que tinha o Rei de Portugal. Pode acrescentar-se que esta edição de "Serrana" tem ilustrações de Alfredo Guedes, António Ramalho, Columbano, Manuel Macedo, Roque Gameiro e Visconde d'Atouguia.
A conclusão que se pode tirar é que Alfredo Keil, de origem alemã, foi mais patriota do que muitos portugueses que aqui nasceram e prosperaram. E mais ainda: fez pela música portuguesa o que nenhum dos chamados artistas progressistas fez até ao dia de hoje, por mais trovejados que andem por aí certos "génios" de fancaria que apenas vivem e vicejam no pântano lodoso e movediço em que esbracejam e ululam na ânsia de serem vistos e aclamados pelas saltitantes rãs que fazem coro, coaxando…"
"JOSÉ AUGUSTO ALEGRIA
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