O problema é fácil de equacionar: se para uma campanha eleitoral ganhadora são precisas verbas da ordem do milhão de contos, não podem as mesmas fazer-se por mil.
O valor das quotas dos militantes recebidas em cada mês mesmo nos nossos maiores partidos não chega para alugar um
outdoor durante quinze dias.
Todo o sistema instalado assenta em formas de financiamento que os seus protagonistas não podem permitir que sejam esclarecidas.
Nem os que pagam nem os que recebem.
Isto é verdade em Felgueiras; mas também o é em Lisboa ou no Porto, em legislativas, em autárquicas ou em presidenciais.
Veja-se o ridículo das contas apresentadas para fazer de conta, e que todos os políticos, incluindo os do Tribunal Constitucional, fingem levar a sério, e avalie-se até onde vai a colossal mentira.
É tão grande que pode chegar e sobrar para todos.
Por isso é que os que sabem não falam, e geralmente quem fala não sabe - ou sabe pouco.
Entenda-se como se quiser o recente caso Paulo Morais.
O mesmo problema já tinha ressaltado no noticiário centrado nos jogos de braço de ferro que se vêm desenrolando no PSD, à volta de certas candidaturas.
Saliento que esse noticiário parece-me contribuir pouco para o esclarecimento do dilema cruel que está subjacente a essas disputas.
Focando as peripécias e personalizando os confrontos como se de um torneio desportivo se tratasse, mantém-se a ocultação do que mais importaria discutir.
Repare-se no equívoco que se desprende da maior parte das peças jornalísticas respeitantes a esse campeonato: de acordo com a interpretação mais imediata e acessível dos dados que são presentes ao público, está sobre a mesa uma questão de "credibilidade"; afastados Valentim e Isaltino e mais uns quantos estaria garantida a "credibilidade".
Pressuposto indiscutido do raciocínio é portanto que em matéria de credibilidade a coisa chegou ali a Marques Mendes e parou.
Ora é neste ponto que interessaria determo-nos um pouco. Não é axioma indiscutível que os chefes dos estados-maiores partidários sejam necessariamente esses espécimens exemplares nascidos da encarnação de todas as virtudes.
E aqui entramos na parte mais difícil do problema.
Com efeito, não se apresenta muito controvertido o diagnóstico sobre o "poder local" que temos visto à solta. Há muito tempo que muita gente tem vindo a alertar para as duras consequências que têm resultado da consolidação dos fenómenos do caciquismo local ou regional. Um pouco por todo o país, e em qualquer dos principais partidos, é fácil encontrar exemplos de como as estruturas locais dos partidos e os órgãos autárquicos podem ser tomados e duradouramente controlados por cidadãos em geral ambiciosos e expeditos e com fraco apego a legalidades formais.
As formas de exercício desses poderes, fruto inevitável da rede de conluios e cumplicidades que são precisos para os alcançar e manter, também são conhecidos e têm sido expostos à saciedade.
Se nada se alterar, continuaremos logicamente a ter os Valentins, os Isaltinos, os Raúis dos Santos, os Abílios Curtos, as Fátimas Felgueiras, os Antónios Saleiros, e também os Mesquitas Machados, os Avelinos Torres, os Narcisos Mirandas, os Albertos Joões, os Mários de Almeida...
É verdade, sim senhor. A depredação moral e física do país por toda uma legião de pequenos sobas deslumbrados é inenarrável e indescritível.
O diabo é assentar no dogma de que atribuindo o poder absoluto nessa matéria de escolha do pessoal para o poder autárquico a quem controlar a máquina partidária em Lisboa o panorama muda radicalmente e o problema fica resolvido.
Essa centralização já existe na prática quanto à selecção dos deputados: quem domina a sede domina a lista, e só pode ser parlamentar quem passar pelo crivo de quem momentaneamente dominar o aparelho dos partidos.
Mas não se pense que o processo é muito diferente no que respeita à apresentação de candidaturas aos órgãos autárquicos: as sucessivas entronizações desses reizinhos e baronetes só têm sido possíveis porque eles oferecem aos chefes dos partidos as vitórias eleitorais de que estes carecem, e em troca desse bem precioso tudo o resto é esquecido.
Em resumo: não me parece demonstrado que esse esplendor da partidocracia que é atribuir a dois ou três seleccionadores nacionais, sejam Jorge Coelho/Sócrates e Dias Loureiro/Marques Mendes ou outros quaisquer, o poder irrestrito de definir quem entra no parlamento, nas câmaras, nas empresas públicas, e no que mais houver, traga inelutavelmente a moralização da vida pública nacional.
Até porque factos conhecidos alimentam-me uma justificada suspeita: que as negociatas e traquibérnias que caracterizam o exercício desses poderes locais não sejam diferentes, a não ser em razão da escala, daquilo que se vai passando a nível central.
Quando se fala em promiscuidades entre poder político e poder económico, na permeabilidade e nas recíprocas dependências, é bom recordar fontes idóneas como os senhores Abílio Curto e Fátima Felgueiras (para não falar do esquecido livro do sr. Rui Mateus, que só a simples menção costuma deixar os socialistas com cara de doentes).
Bem vistas e compreendidas as palavras das ditas fontes, percebe-se que regra geral eles limitaram-se a fazer na sua esfera de acção, naturalmente mais limitada e quantitativamente reduzida, o mesmo que se faz a níveis mais altos, com os mesmos métodos e objectivos.
Por outras palavras: em Sabrosa, em Alcoutim, em Penamacor ou em Marvão podem fechar-se por mil as relações que em Lisboa precisariam de um milhão. Os protagonistas podem ser o empreiteiro Xico Martins e o caudilho que temporariamente tiver as rédeas da partido maioritário e da Câmara lá da terra, ou um delegado da "Lynch & Fairchild Corp." e os aspirantes a homens de estado que se perfilam nos corredores do poder lisboeta, por eles mesmos ou através de uns tubarões geralmente associados em luxuosos escritórios de advocacia que se vangloriam de nunca advogar.
Mas, fora a dimensão quantitativa, não vejo diferenças substanciais.
O que custa é vislumbrar uma saída.