Como escrevia um querido Amigo, há muitos anos, com um acerto que hoje fere, "o conservador lembra comida de conserva, enlatada; e intoxica."
Que quereis vós conservar? Que temos nós para conservar? Da conservação do que está, sabemos bem o que se pode esperar; a mudança, ao menos, abre uma porta à esperança - da alteração das coisas é que nasce todo o porvir.
Evidentemente que "não se trata de defender uma atitude de pura destruição, nem de anarquismo, nem de futurismo desgarrado, nem de progressismo utópico"... mas é certamente, firmemente, uma atitude de frontal rejeição, de radical inconformismo.
Longe, decididamente longe, do conservadorismo resignado, que em nome do realismo aceita hoje o que recusava ontem, e irá aceitar amanhã o que rejeita hoje, caminhando de mal menor em mal menor até aos mais fundos abismos do mal.
Agora como sempre, "a direita conservadora quer a tranquilidade e a segurança — e para isso venderá a alma ao diabo e acabará enterrando na adega quantos ideais houver. Não admite é sobressaltos, violências, extremismos." Arrepia-se e protesta se blasfemam contra Deus, se nos desfazem a Pátria, se atacam a Família, se destroem todos os equilíbrios sociais num lodaçal de corrupção, de desordem, de imoralidade? Sim, "mas se a coisa vier docemente, empantufada, com flores e por aliciantes arroios — com boas maneiras, sim! —, já o caso muda de figura. A direita conservadora fica a escutar violinos, ao canto da lareira, a ver televisão ou ronronando, tolera, fecha os olhos, abranda, deglute o bolo às migalhas e acaba por ser habituar. Sobressaltos, violências, extremismos é que não!"
Assim vivemos as últimas décadas em Portugal; desfeito que foi o sobressalto do PREC, passados uns fugazes sustos com os acessos esquizofrénicos da esquerda vasconça, veio a esquerda burguesa e cordata - e a direita sossegou, permitindo tudo o que nos quiseram fazer.
Alguém quis reagir? Oh, sim, claro, mas... "o espírito e o ideal são precisos e bons; mas não exageremos, nem vamos perder o sossego e o bem estar, em aventuras, perigos e aflições, por causa das ideias, de espiritualismos e quejandos enxoframentos de adolescente cabeça ardorosa"...
Neste caminho, sempre a descer, chegámos onde estamos.
E a direita conservadora, como está? Como sempre esteve: centrista, sempre centrista, irremediavelmente centrista, vogando beatamente ao sabor dos ventos da História, sem se importar de deslizar para qualquer banda, desde que seja sem sobressaltos, sem prejuízos materiais e sem violências...
Ah, querido Amigo, como tu tinhas razão!