sexta-feira, abril 30, 2004

A terra ou as nuvens

Todos os grupos que, com justiça ou sem ela, sejam vistos como situando-se na margem da sociedade, ou como uma alternativa a esta, atraem forçosamente uma chusma de iluminados, lunáticos, mitómanos e fantasistas de toda a espécie.
Mesmo aqueles que em teoria visariam dedicar-se à acção política, e que cedendo a essas derrapagens com frequência se tornam um sucedâneo de seitas místicas, com crenças que têm mais de superstição particular que propriamente de acção política.
Já conheci organizações que pretendiam ser políticas onde pululavam exemplares únicos, como um que apregoava que o mais importante era divulgar as potencialidades do Monte da Lua (leia-se Serra de Sintra) como centro privilegiado de comunicação entre o mundo subterrâneo da terra oca e os universos extraterrestres, com inusitada frequência de discos voadores que entravam e saíam em trânsito de um destino para outro. Ou aquele que acreditava piamente que devíamos preparar-nos para a vinda de D. Sebastião e do seu exército, que inúmeros sinais anunciavam. Ou o outro que proclamava a emergência breve da Atlântida, submersa nos mares dos Açores, o que iria trazer a Portugal o esplendor do Quinto Império no imenso e rico território entre a Europa e a América. Ou uns que iam para o campo e dançavam vestidos de branco à roda de uns pedregulhos em certas noites escolhidas dizendo estar a reviver a antiga tradição druídica da nossa herança céltica.
Claro que qualquer destas pessoas era muito lida e inteligente, cheia de erudição e citações, e demonstrava os seus pontos de vista com irrepreensível e irrefutável lógica.
Tinham apenas o pequeno senão de não viverem no mesmo mundo que o comum dos mortais.
Lembrando isto o que eu aconselho a quem activamente se dedica à actividade política é que comece por olhar bem para si e para aqueles que o acompanham. E procure situar-se na perspectiva do cidadão comum, da gente vulgar, do mais normalizado dos seus conterrâneos e contemporâneos. Com esse exercício tente então calcular qual a opinião que o tal cidadão médio formará da sua pessoa, das suas acções, das suas palavras, bem como do colectivo em que actua.
Com este exercício, repetido e aprofundado com frequência, certamente se evitarão muitas asneiras, disparates e puros desastres - mesmo que no plano individual acarrete grandes desilusões aos que mergulhados no seu universo interior estavam de todo esquecidos dos outros (os outros, sim, os que aí estão por todo o lado, à nossa volta, esses personagens cinzentos que nada distingue e que nada de particular têm para dizer ou oferecer...)
A acção política implica quase sempre a procura, quanto mais não seja por razões metodológicas, do que podemos chamar o "centro", ou mesmo o "extremo-centro".
Entenda-se com essa expressão não qualquer conceito ou ideologia, mas sim o núcleo essencial dos problemas e preocupações, reais ou imaginados, que ocupam a generalidade dos membros da sociedade sobre a qual se pretende agir. Não se pretende evidentemente com essa procura descobrir o que pensa a massa para mimeticamente a seguir; mas afirma-se que é preciso saber o que pensa e sente a massa para agir sobre ela.
A outra atitude, de desprezo altivo pela gentinha que permanece nas trevas insensível à verdade, de cultivo orgulhoso do purismo desafiante e do autismo intragrupal, é perfeitamente legítima - mas não é certamente acção política.
A política é uma actividade que tem por destinatários, precisamente, os outros. Manter-se à margem e cavar a trincheira é um direito de cada um, mas já é outra coisa que não política.
O aperfeiçoamento interior, pessoal ou do grupo, foi por exemplo o caminho dos monges do deserto, que abandonaram o mundo exactamente para se afastar das contaminações e se dedicar inteiramente à Verdade - e assim manter-se no rumo da Salvação. Mas estes nunca pretenderam que estavam a fazer política.

Novos blogues

E como eles não aparecem resolvi dar um empurrão aos novos blogonautas ajudando a configurar os projectos que deles aguardam a concretização. O novo blogue do Victor Luís poderá chamar-se "A Seringada", e será uma folha volante tragicómica de contestação integral, de que já houve uma efémera edição há uns séculos atrás. Ele lembra-se. A seguir, vou recorrer a António Lopes Ribeiro, cuja criatividade permite baptizar com acerto os blogues do Eurico de Barros e do Mendo Ramires. O Eurico vai ter a seu cargo o "Fitas & Franjas"; e o Mendo vai ser responsável pelo "Belas Artes & Malas Artes". As temáticas, de acordo com as denominações.
Estes três já estão. Aguardam-se para breve as respectivas estreias. Os outros ponham-se na fila (na bicha não, vade retro...)

quinta-feira, abril 29, 2004

Mais Évora

E aqui na parvónia continua em liça o Manoelinho; por vezes desanimado por estar a prégar no deserto, mas paciência, sabe-se como o pessoal é acomodado e abúlico...
Remexido também é o Modernizador; e enfrenta os mesmos problemas.
Resta só um caminho, que é continuar; pode ser que se transforme alguma coisa, repetindo, insistindo... "bis repetita placent"...
E afinal agora até temos um presidente tão bom tão bom que o Dr. Monarca Pinheiro começou por entrar em êxtase e acabou por entrar em órbita, planando lá nas alturas, entre as nuvens e os astros...

Outras leituras

Também entre os que valem a leitura está o Claque Quente. Cultiva saudável irreverência e não atura bonzos, nem mesmo o santarrão da Marmeleira...
E aquela iniciativa sobre o Metro de Lisboa - elementar, elementar... como é que as gentes não se movem pelas verdades mais evidentes?

quarta-feira, abril 28, 2004

Mais um!

E surgiu também em linha o Pena e Espada, um blogue que promete dedicar-se ao combate pelas ideias.
O novo blogonauta é Duarte Branquinho. Bem vindo à navegação!

Um escriba lacónico

Estive a ler com atenção o blogue Duas Linhas. Valeu a pena a atenção. O escriba é lacónico mas tem uma língua muito bem afiada. E quando fala é muito certeiro. Vou continuar atento.

Requiem por Jan Palach

A 21 de Agosto de 1968 as tropas russas invadiram a Checoslováquia. Por todo o país alastrou a indignação e a revolta, que se manifestou por todas as formas possíveis de resistência. Da insubmissão e da heroísmo do povo mártir da Checoslováquia ficou como símbolo o jovem estudante Jan Palach, que se imolou pelo fogo na Praça Wenceslau, no centro de Praga.
Jan Palach, o jovem checoslovaco que sacrificou a sua vida num supremo gesto de protesto, ante a estátua equestre do rei-fundador da nacionalidade, passou a ser também um símbolo para as juventudes que em cada país lutavam pela liberdade e independência das suas pátrias, esmagadas pelo poderio desmedido do invasor.
Em Portugal, o José Valle de Figueiredo foi o autor de um poema que alguns recordarão, tantas vezes foi ele declamado, e cantado, em manifestação fervorosa de solidariedade militante. Os nacionalistas sabiam, e sentiam, sem necessidade de teorizações e divagações excessivas, e para usar versos de um outro, que mesmo “a toupeira defende o seu buraco/ e a pátria”.

Requiem por Jan Palach

Arde o coração de Praga
Arde o corpo de Jan Palach!
Podemos dizer que o rei Wenceslau
também viu crescer o fogo em que arde o coração de Praga.
João Huss, queimando o seu corpo,
também arde na praça de Praga.
E os cavaleiros da Boémia, o povo
e os grão senhores, os menestréis
e os cantores da Morávia,
os operários de Pilsen, os poetas
e os camponeses da Eslováquia,
todos ardem, nessa tarde e nessa praça…

Queimamos a coragem e o heroísmo,
queimamos a nossa infinita resistência
Não é verdade, soldado Schweick?

Eles vieram das estepes e disseram
É proibido morrer pela Pátria!
É proibido resistir à ocupação,
É proibido não ceder à opressão,
É proibido amar os campos verdes do seu país,
É proibido amar o verde da Esperança,
É proibido amar a Esperança!

És proibido, Jan Palach,
És proibido, Jan Palach,
Estás proibido de resistir
Estás proibido de morrer!

Eles vieram das estepes e disseram todas estas palavras.
Mas também é verdade que disse um dia
o Rei Wenceslau montado em seu cavalo
Esta nossa terra será fértil
e nela crescerão livres os dias e os séculos,
e nela crescerão livres as virgens, as mães e os filhos
e crescerão livres as flores
e de entre essas flores virão rosas,
virão rosas livres cobrir a terra de Jan Palach!

Arde o corpo de Jan Palach
Arde o coração de Praga
Arde o corpo do Futuro
e já canta a Primavera!

Visitem Estremoz!

A propósito de artesanato, abriu a FIAPE, feira de artesanato de Estremoz, que é uma das melhores amostras ao vivo daquilo que ainda se pode encontrar de autêntico nesse domínio. Quem puder, que venha a Estremoz. Quem estiver longe, visite na mesma a cidade via internet, ou participe no forum respectivo.
Se passar por cá, pode ainda visitar Borba, ou Monforte, e saborear demoradamente as visitas.
Não há dúvida que a alentejanada está a aderir em massa à internet; isto dá uma trabalhêra do caraças, mas sempre se pode fazer sentado.

Artesanato e Identidade

Está em linha uma excelente página dedicada a divulgar o universo do artesanato popular alentejano. Porque a identidade de um povo também reside aqui, naquilo que faz e constrói, nunca é demais realçar a importância dessas actividades tradicionais, marcas de uma personalidade forjada numa vivência comum ao longo dos séculos (e a preservação dessas marcas é sinal maior de militância identitária).
Ora percorram com atenção o Celeiro Comum - Centro de Artes Tradicionais, e a sua vasta oferta sobre esse tema.

Escola Industrial e Comercial de Évora

Hoje tenho que me penitenciar de um esquecimento: sempre dedicado a divulgar as iniciativas dos antigos alunos do Liceu de Évora tenho deixado sem referência a recordação do outro grande estabelecimento da cidade: a Escola Industrial e Comercial de Évora.
Mas a Associação dos Antigos Alunos da Escola Industrial e Comercial de Évora fez-me lembrar que também existem, e também se reúnem: no próximo dia 8 de Maio está marcado almoço de convívio no Páteo Alentejano, em Évora.
As informações e inscrições estão a cargo da Secretaria da Escola Secundária Gabriel Pereira, sucessora da EICE. Aqui fica a convocatória; podem entrar já em estágio, que o jogo promete.

Foi outrora; e agora?

"Saberá ser jovem esta geração, porque olha de frente os riscos e toma as posições com firmeza e sangue frio, sem cair em inércias estéreis nem em pactuações equívocas; porque sabemos que terminou a época em que a vida corria doce e fácil, em que se podia contornar os obstáculos e evitar a luta, num comodismo sem dignidade nem grandeza; porque temos a coragem de opor, às comodidades burguesas a prestações, a beleza heróica de uma vida austera; porque temos consciência de que as soluções decisivas não se alcançam com ladeios nem com adiamentos, nem tão pouco com desvios às dificuldades do caminho, sabemos que será jovem esta geração, porque, na hora decisiva, aceita para si, como galardão, a execução das mais árduas missões, porque compreende a vida como uma luta contínua e porque sabe, também, que a História é modelada pelas suas mãos, e não pelos ventos que sopram no mundo."
Estive a ler e a reler estas palavras de Rui Alvim, e sei do que ele falava... e fiquei a meditar em como são duras as leis da História, que na sua crueldade deixam esquecidos nos seus abismos sacrifícios de tal imensidão que as gerações posteriores nunca serão capazes de os avaliar.
Mas não era ao passado que o meu pensamento se dirigia; era para o presente e para o futuro.
Completou-se mais um dia, e ainda não encontrei nenhum blogue em estreia nacional. Não haverá?
Deparei com o FORUM NACIONAL, regressado em boa hora e em boa forma. Será daqui que vão surgir os novos gladiadores?

terça-feira, abril 27, 2004

Lembrando Rodrigo Emílio

Passa amanhã dia 28 de Abril o 30º dia sobre o falecimento do poeta Rodrigo Emílio.
Para assinalar a data será celebrada missa em sua intenção na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, pelas 19 horas.

Vá lá!

Está na hora! Os novos bloguistas que assentem praça!
Até pus em verso o anúncio do que precisamos:

"Bloguistas determinados
Que nos tragam sangue novo
Mais blogues renovados
Com sabor a terra e povo."

Quantos são, quantos são os novos bloguistas que se apresentam?

segunda-feira, abril 26, 2004

Conversa em família

Ao publicar o último postal eu não estava a pedir festa. Eu nem celebro o dia dos meus anos, quanto mais uns meses de blogue! Era mesmo uma reflexão lamentosa. É que isto cansa mesmo! Evidentemente que tem as suas compensações: é sempre gratificante sentir que há alguém do outro lado para quem o que escrevemos tem significado e valor. Mas não há nada a fazer: eu sou um eterno insatisfeito, quero sempre mais, e queria mais. Por um lado é bom o encontro com pessoas que de outro modo teria afastadas do meu convívio (a propósito, o Eurico já escreveu sobre os quarenta anos da Pantera? Creio que na simpatia por Peter Sellers e Blake Edwards também vamos na mesma onda). Porém, o diálogo com os que aparecem traz-me mais forte a nostalgia pelos que não estão: porque não surgem mais blogueiros com que um homem possa sentir-se entre os seus, alargando o campo dos que aqui marcham "destruindo muros, libertando espaços"?
Caramba, o terreno está livre e a terra é fértil; venham outros, que o tempo urge!
Cansa mesmo, esta blogação. Mas sendo mais os caminhantes é mais fácil manter o ritmo e prosseguir a caminhada. E a verdade é que sei de uns tantos que valia bem a pena trazer para esta guerra; dia sim dia sim estou a lembrar-me do génio, do talento, da imaginação, do humor do Vítor Luís; que temível blogador ele seria! (- Por onde andas rapaz?) ... E sei de outros mais!...
Lancem-se na aventura, que a bloguice espera por vós.

domingo, abril 25, 2004

Nove meses

Embora ainda faltem uns dias, hoje não deixei de me lembrar que acabando este mês de Abril estarão completos nove meses inteirinhos desde que surgiu em linha este blogue. Não vou fazer estilo com o normal período de gestação, porque na verdade perfazendo esse tempo nada mais nascerá daqui. Continuará assim este lugar igual ao que tem sido, conforme as possibilidades e o talento do dono.
Mas nove meses! É obra, sobretudo sabendo que nem um dia deixei de assinar o livro de presença, e sabendo de tudo o mais que é a minha vida. Confesso que por vezes me sinto cansado, fisicamente cansado. Não é fácil manter o ritmo, como sabem todos os que experimentaram sozinhos fazer o mesmo. Depois, inexoráveis, surgem também os momentos em que nada tenho para dizer; e outros em que o que teria para dizer não se pode dizer (sim, por mais que alguns não acreditem nem tudo se pode dizer, e menos ainda em qualquer hora e local). Também há instantes de desânimo, que não tenho escondido; é inevitável sentir por vezes uma impressão de inutilidade, uma sensação de que todo o esforço pode ser vão.
Mas sempre continuei, certamente por um prazer íntimo de comunicar, e ser eu nisto que escrevo para outros, e também pela esperança teimosa de que alguma semente caia em terreno fértil.
Por aqui irei ficando, sem novidade de maior (somando quanto fui a quanto sou, como dizem certos versos que três ou quatro conhecemos).

PROMESSA

Breve estarei no teu regaço
entre a folhagem
que envolve o teu segredo;
no seio da miragem
que encobre antigo medo
de ficar sem terra
p'ra sonhar...

Breve voltarei ao mar:
e por "entre as brumas da memória"
procuro no seu sal a velha história
daqueles que partiram p'ra voltar.

Breve estarei aí!
Na manhã e noite do império,
na alvorada que me fez raiz,
sonho e caminheiro do mistério.

(Manaus,9.3.79)
RUY PEREIRA E ALVIM

Lírica

Proibido fruto
Aos olhos entregue...
- Das sombras prescruto
O segredo e a febre.

Proibido, dado
A quem sabe ver...
- No caminho errado
Há sonho e prazer.

Proibido ou não
(Depende do instante...)
- Neste sonho, em vão,
Meu instinto errante.

Porquê proibido?
A quem sabe ousar...
- Num fruto decido
Um mundo e um mar.

LUIZ DE MACEDO

Cadê os incréus?

Afinal a macumba era outra.... mas funcionou!... O Sporting que o diga!

sábado, abril 24, 2004

Meu rico Senhor da Pedra...

Tinha eu acabado de publicar o meu postal anterior quando uma amiga que reside em Miramar me telefonou a dar conta de uma situação a que assistiu e que a deixou muito intrigada. Passou-se que ela na noite passada saiu como habitualmente para passear o cão e como a noite estava agradável, estrelada e amena, alargou-se um pouco mais na caminhada, internando-se pelo areal da praia, gozando a brisa marítima que soprava em direcção às dunas onde plantaram há muito um clube de golfe. Foi então que avistou um grupo de pessoas, não sabia quantas, mas ainda assim um ajuntamento, que se entretinha em estranhas manobras à volta da capelinha do Senhor da Pedra, ali postada no esporão rochoso que todos conhecem. Pouco passava da meia-noite, e os indivíduos afadigavam-se à roda da capela, em movimentos que lembravam danças de índios, pese embora o formalismo das fatiotas, visível mesmo à distância. Assustada, até pelas estórias que se ouvem a tal respeito, a minha amiga recolheu rumo a casa. Poucos minutos após, já no remanso do lar, sentiu ruído no exterior e foi à janela ver o que se passava. Reconheceu então o mesmo grupo de sujeitos que havia avistado nas rochas do santuário, despedindo-se uns dos outros e entrando para as viaturas que tinham deixado estacionadas no amplo terreiro que ali fica. Para além do bom corte das vestimentas e do aspecto ministerial dos veículos, a minha amiga diz que só reparou no ar grave, entre o solene e o preocupado, que se notava na cara dos cavalheiros. Afirma ela que não reconheceu nenhum, a não ser um que ela jura a pés juntos que era o sr. Pinto da Costa, o qual conhece bem da televisão.
Mas o que mais deixara perplexa a minha informadora fora o que observara esta manhã, quando de novo saiu para passear o cachorro e movida pela curiosidade foi até às rochas onde se ergue o santuário, e circundou a capela. Explica ela que à roda ficou tudo sujo de penas de galinha preta, de restos de velas, de vestígios de sangue, numa profusão que não consegue explicar.
Já tranquilizei a minha amiga. Expliquei-lhe pacientemente que depois da operação policial contra o Major batateiro era de esperar o aumento das tendências místicas em certos núcleos de devotos.

Romaria da Senhora d'Aires

Culmina este fim de semana a romaria a cavalo que há dias partiu da Moita em direcção ao Santuário de Nossa Senhora d'Aires, nos arredores de Viana do Alentejo. São vários dias e noites, centenas de participantes, percorrendo cerca de 160 km. pelo campo, desde a beira Tejo até ao coração do Alentejo profundo. Levam em procissão a Senhora da Boa Viagem, padroeira dos pescadores e navegantes, que no Santuário alentejano irá reunir-se com a imagem da Senhora d'Aires na festa campestre, com bênção dos homens e dos animais.
Quem andar por estas bandas do Alentejo não perca - é coisa única, e vale a pena. Portugal profundo e autêntico.
E aproveite para rezar à Senhora, que isto anda precisado de milagres.

sexta-feira, abril 23, 2004

Um cantar inédito de Rodrigo Emílio

Eis o que encontrei, e também desconhecia, do Rodrigo Emílio para um companheiro da Galiza.

RONDA NOITEIRA
À GAIA E GALANTE
GALÁXIA GALEGA


Noche y media, medio dia,
demando por minha dona
junto à orla, a orilla, da baía
de Baiona.

(Toda a macia bacia
da enseada, ondeada à tona,
dir-se-ia a litographia
d’algum Verão em Verona...)

Não dou eu com minha dona:
noutra zona há-de ela estar...
E digo adeus a Baiona,
que lá me fica a acenar
como, um dia, Barcelona,
quando houve de A deixar
como a um cadeirão de lona,
como a um berço d’embalar...

Por Galiza arriba, arribo,
rumo a Vigo, empós meu par...
E assim sigo, assim persigo
mia señor, sem cessar...

Nas ondas do mar de Vigo
- do mar de Vigo, esse mar... -
vagueio, vogo, derivo,
‘té comigo me encontrar.

Mas nem em Vigo lobrigo
minha dona, ou perto ou longe a consigo
deslindar...

Já agora deixo Vigo
para atrás.
y andar, andar...

Concitado o meu orago,
faço-me outra vez ao largo
- de bordão, vieira e vela.
(Tenho o meu bem à janela
- Sol que acendo, e nunca apago.
Seu vulto de Cinderela,
o seu vulto, em mim o trago:
vulto de dona-donzela,
com perfil de barco-à-vela,
ombros d’onda, olhar de lago).

...E, como um vago rei-mago,
vou dar, em cheio, com ela,
prosternada, em pleno adro
jacobeo de Santiago
- altar-mor de Compostela!

Ó nibelúngica Núvem,
Noiva do Sol
no azul do Éden:
és lumen,
és pólen,
és sémen!

Madona e pucela,
clave de Sol;
coroa de capela,
corola, trono, auréola
que a Lua constela,
que a Noite acastela...
Mulher-sentinela,
de jade e canela;
tesouro e baixela;
torre de controle:

- Além, nas mãos dela,
o nascer do Sol!

do Rodrigo Emílio para Federico Traspedra
(Baiona, em pleno equinócio de Março de 1991/ Casa de S. José, em Parada de Gonta,aos 26 de Outubro de 1995.)

Domingo em Lisboa

No próximo domingo, 25 de Abril, haverá uma concentração patriótica frente ao Monumento aos Combatentes, em Pedrouços, destinada a homenagear quantos lutaram e morreram por Portugal, nos quatro cantos do mundo.
A homenagem, marcada para as 10.30 horas, inclui a deposição de flores no Monumento, e ainda missa na Igreja da Memória, situada nas proximidades.
O "Sexo dos Anjos", que sempre defendeu a pátria como um ente moral a unir no tempo as várias gerações, e em que são mais os mortos que os vivos, partilha do sentimento que conduziu à convocação deste encontro, solidarizando-se com as diversas associações que a convocaram.

quinta-feira, abril 22, 2004

Um caso de consenso

O PSD, que é o partido do governo, já veio exprimir formalmente a sua solidariedade ao Major Valentim Loureiro e aos restantes militantes do partido, nesta hora difícil em que foram chamados perante a Justiça. A linguagem compreensiva e pesarosa é exactamente a usada por ocasião de calamidades naturais ou de fatalidades do destino, como se os desgraçados tivessem sido vítimas das cheias ou lhes tivesse falecido um familiar. O Bastonário Júdice também já exprimiu a sua preocupação face a mais este despautério da Justiça. O PS, como se sabe, já estava mais que solidário com outras vítimas do mesmo desrespeito pelas regras básicas de convivência entre instituições que tinha sido revelada pela Justiça.
O Sr. Presidente da República nem se fala, está de todo o coração solidário com os atingidos por toda esta vaga de lama que tem achincalhado até os mais respeitáveis protagonistas da nossa democracia.
É um caso de consenso, para além de ideologias e partidos: estão unidos governo e oposição, executivo e legislativo, toda a classe político-jornalístico-mediática. Torna-se imperioso parar com esta situação, que ameaça não deixar sossegar ninguém por mais acima de qualquer suspeita que se situe.
Quem tiver essa curiosidade que acompanhe com atenção as reformas legislativas que virão. A vocação natural do aparelho de Justiça é ocupar-se dos que ameaçam a sociedade, e não a de abalar os seus fundamentos e incomodar os seus pilares. Assim será decretado, para não mais poder ser esquecido.

Solilóquio

"Quem esperamos?/ Quem?/ No silêncio, na sombra, no deserto?"
Santo António foi prégar aos peixes, porque os homens não o ouviam; e disso mesmo se lembrou o Padre António Vieira, quando em São Luís do Maranhão se sentiu em igual transe. Eu, que não sou prégador, muitas vezes me encontro deste lado a sentir-me tão mal entendido como tão ilustres vozes. Pode bem ser que os meus leitores tenham as qualidades que logo à partida o Padre Vieira atribuía aos peixes: ouvem e não falam. Mas estes meios modernos impedem-me até a visão e a sensação física da presença do seu auditório que ainda assim esses santos tiveram, embora se lamentasssem por outras fundadas razões. Eu estou aqui sempre sem saber se há alguém do outro lado; sem ter a certeza se a mensagem não se perde de todo nestas electrónicas ondas, como a garrafa que se lança ao mar.
Chegará a alguém que a entenda? Alguma alma gémea lhe estenderá a mão?
Há dias em que ecoam em mim os acordes de uma canção triste que cantávamos em tempos tristes, e todavia éramos jovens e sonhávamos: (....) "As almas esfriam/ Na noite assombrada/ Sedentas de tudo/ Já não pedem nada.// Nem mal que lhes doa/ Nem bem que as conforte/ São cordas vibrando/ Nos dedos da morte."

Mordechai Vanunu

Estive também a ler a informação disponível sobre Mordechai Vanunu. É realmente uma estória impressionante. A mim impressionou-me desde logo pela minha própria ignorância: como é que eu, desde miúdo um viciado na informação, não sabia quase nada desta estória? E como é que uma estória destas não deu já assunto para filmes, livros, manifestações, colóquios, exposições, editoriais dos grandes periódicos, destaques nas televisões, campanhas nas escolas e nas ruas?
Mistério profundo, ou as estórias da grande História. Não deixem de ler tudo sobre Mordechai Vanunu.

Portal Militar

Procurando o novo livro do Coronel Manuel Amaro Bernardo, "Memórias da Revolução", encontrei por acaso o Portal Militar.
Foi uma preciosa descoberta, e parece-me imperdoável não divulgar a sua existência. Trata-se de um sítio utilissimo, não só para a família militar mas para todos os que se interessem por temas militares, de história militar, de estratégia, de geopolítica, etc.
Destaco as secções referentes a publicações, com ligações a todas as revistas militares, e sobretudo a livros. Vejam só os livros que por lá se encontram.
Entretanto e na mesma volta deparo com outro Portal Militar, brasileiro, que de tão semelhante na sua concepção parece-me ser a fonte inspiradora deste. E não querem ver que o sítio brasileiro oferece conteúdos de excelente nível, e realço os artigos e opiniões, que o tornam também um local de grande interesse para quem tenha apetência pelos assuntos especificamente militares, ou de defesa, ou de política internacional?
Eu por mim recomendo que anotem e passem a ser visitantes regulares. Ou me engano muito ou esta temática vai continuar a ser essencial para o futuro.

Mais Gibson? - um grupo de oitenta e tal frades franciscanos do Estado de Nova York endereçou uma petição a Mel Gibson, pedindo a este que dê continuidade à sua vocação para a arte sacra realizando um filme sobre São Francisco de Assis. Dizem os fradinhos que se trata do maior santo que a cristandade teve, e acrescentam que as realizações cinematográficas por ele inspiradas são de pouca valia artística.
Não sei se Franco Zeffirelli já leu a notícia, mas tenho a certeza que vai ficar muito mal disposto. Com efeito já uns anos antes de ter filmado o seu trabalho sobre a vida de Jesus, com o actor Robert Powell como protagonista, o realizador italiano tinha rodado precisamente um filme sobre a vida de São Francisco ("Brother Sun, Sister Moon", em 1972). Ou os monges quiseram caçoar com ele ou a sombra de Gibson anda a persegui-lo.

quarta-feira, abril 21, 2004

Yassin e Rantissi

Os círculos dirigentes israelitas têm bem presente que o destino de Israel não se joga no Médio Oriente, mas sim nos Estados Unidos. Consequentemente existe há muito uma estratégia política nacional que visa amarrar em definitivo o Ocidente, leia-se os Estados Unidos, ao destino de Israel. Para esse efeito um dos meios privilegiados é a estratégia da tensão; é preciso incendiar a rua, manter ao rubro o ódio das populações islâmicas, não especificamente contra Israel, mas sim contra o Ocidente, entenda-se a América, confundidos todos como uma realidade só, e que esse ódio gere reacções, agressões, rejeições – se for por meio de atentados é excelente, a opinião pública ocidental, maxime a americana, caminhará no sentido pretendido.
Na execução dessa estratégia todos os passos são calculados; recorde-se o episódio da esplanada das mesquitas, que lançou Sharon para chefe do governo, e entende-se. Ora neste quadro percebe-se perfeitamente o assassínio ritualizado dos chefes do Hamas, primeiro Yassin e logo depois Al Rantissi. O que se quis não foi apenas matá-los, foi executá-los de uma dada forma e com certas características de espectáculo e humilhação simbólicas que pudessem garantir o efeito pretendido. E o momento também foi escolhido: trata-se da altura da corrida presidencial americana, em que ambos os candidatos terão que competir pelos votos e pelo dinheiro da comunidade judaica – sem cujo apoio não se ganha a eleição. Neste contexto os dirigentes israelitas sabem que podem esticar a corda sem riscos de ela se partir: ninguém que tenha ambições políticas nos Estados Unidos fará ou dirá nada contra Israel, e pelo contrário haverá uma competição pela captura das boas graças do lobby judaico, com o consequente reforço dos compromissos e elos que prenderão para o futuro a unidade de destino procurada. Se houver umas horríveis acções dos extremistas islâmicos, tanto melhor.
Os responsáveis políticos de Israel sabem que é preciso aproveitar esta altura, em que têm todos os trunfos na mão, para forçar empenhamentos irrreversíveis para o futuro (é necessário consumar todas as rupturas ente o universo árabe e islâmico e os Estados Unidos, é necessário levar estes a deslocarem mais e mais forças para as áreas estratégicas que convêm a Israel, e criar as condições do não regresso).
Repare-se que a actuação em causa contra os dois chefes islamistas nada tem que ver com uma necessidade de luta contra o terrorismo: se fosse esse o caso os responsáveis israelitas tinham simplesmente mandado os seus homens prender esses dois dirigentes políticos, como tanta vez tinha acontecido no passado (qualquer dos dois tinha passado boa parte da vida em cadeias israelitas, e continuavam a estar ali à mão para esse fim, em território controlado militarmente por Israel e com vidas públicas e conhecidas, sem que nenhum obstáculo se perfilasse a esse objectivo).
Mas não se tratava disso. Os israelitas não querem acabar com o terrorismo: pelo contrário, desejam que não falte terrorismo islâmico no Ocidente, e quanto mais melhor. É-lhes mesmo indispensável.

Guantanamo Bay

Por estes dias reina o embaraço na Comissão dos Direitos Humanos da ONU.
Cuba, após ter sido condenada nessas matérias, apresentou por seu lado uma proposta, que todos em privado qualificam de moderada e juridicamente inatacável, solicitando a realização de um inquérito ao famoso local, a efectuar pelos habituais inquiridores sobre a tortura e a detenção arbitrária.
Os delegados ocidentais não querem dizer que sim, para não desagradar a quem se sabe, nem que não, tão evidente se apresenta a lógica do pedido, decalcado de muitos outros bem conhecidos. Prevê-se portanto uma não-decisão, uma qualquer resolução de adiamento.
Mas mais importante do que este é o debate iniciado na mais alta instância judicial americana sobre a candente questão: têm os prisioneiros de Guantanamo algum direito face ao ordenamento jurídico da América, podem recorrer aos tribunais americanos, ou como defende o poder político eles situam-se fora da jurisdição dos tribunais, numa zona de não-direito?
Como reconhecerá um estudante de Direito, este debate é extraordinário: a personalidade jurídica define-se usualmente como a susceptibilidade de ser titular de direitos. A prevalecer nos tribunais americanos, como jurisprudência oficial, a doutrina defendida pela administração, negando o "direito ao direito" a esses detidos, estaremos perante uma situação que é efectivamente de recusa da personalidade jurídica a uma categoria determinada de indivíduos. Ou seja: não está defendido, pelo menos que se saiba, que não se trata de seres humanos; mas defende-se que estes humanos em concreto não têm direitos face ao ordenamento jurídico americano, situam-se fora do âmbito de aplicação deste - em suma, não têm personalidade jurídica.
Trata-se de uma construção que não era conhecida desde os tempos romanos: a nossa civilização tinha evoluído, desde a cristianização operada no direito romano, de modo a fazer coincidir a personalidade jurídica com o próprio ser humano, com a própria pessoa física, o indivíduo. Deixou de haver estrangeiros ou escravos, no sentido em que os concebiam os latinos. Só as pessoas colectivas carecem de reconhecimento para o serem; a personalidade das pessoas singulares depende apenas do nascimento completo e com vida, como reza o nosso Código Civil.
O embaraço gera sobre estes temas um pesado silêncio. Mas a verdade é que Guantanamo está aí, como um elefante no meio da sala, que toda a gente sabe que lá está mas toda a gente quer fingir que não vê. Enquanto for possível.

Iraque - em sequência de dias a Espanha, as Honduras e a República Dominicana anunciaram formalmente a sua retirada completa do Iraque, apesar das pressões que se calculam. Colin Powell anda a fazer uma tournée para tentar evitar que outros os sigam. Entretanto um ministro inglês declara que as tropas britânicas devem preparar-se para permanecer pelo menos mais dez anos. E da parte americana surge o inevitável reforço dos contingentes e o prolongar da missão dos que estavam.
No meio disto, insiste-se pomposamente que a 30 de Junho será feita a transmissão da soberania aos iraquianos. Que soberania, e quais iraquianos, é coisa que não se consegue descortinar.

Guerra - do Médio Oriente as notícias apontam para mais do mesmo. Atentados no Iraque, atentados na Arábia Saudita, desestabilização sem fim à vista. Sobre esta matéria já aqui publiquei há meses sete reflexões que se me afiguram cada vez mais pertinentes. Mas deixá-los; também a verdade é que ninguém me pediu opinião. Todavia, quando precisarem...

Referendo - de Inglaterra a grande notícia é o anúncio de Blair da convocação de um referendo para aprovação (para desaprovação...) da constituição europeia. Parece-me facto da maior relevância política, e misteriosamente não tem sido salientada essa importância. Repare-se que se trata de uma reviravolta total: até agora eram os adversários de Blair que reclamavam o referendo, e era ele e os seus que o recusavam. Tanto a reclamação como a recusa eram baseadas no facto tido como certo de tal referendo ter como resultado a rejeição popular do projecto de constituição europeia.
Deixo aos intérpretes mais argutos a tarefa de meditar sobre o significado desta alteração no contexto da política internacional: o Reino Unido, a Europa, a América, o Iraque, e o mais que se vos apresentar em conexão com o tema.

John Crossman - em Israel a notícia do dia é a saída da prisão de Mordechai Vanunu, chamado John Crossman desde a sua conversão ao cristianismo. Estava há 18 anos na cadeia, após ter sido raptado em Itália por agentes da Mossad, na sequência de uma célebre entrevista ao "Sunday Times". Esteve 11 anos (onze!) em regime de isolamento.
O seu futuro não se apresenta muito auspicioso.

terça-feira, abril 20, 2004

E de Portalegre...

Bem, quanto a Portalegre existe a página da Escola Secundária Mouzinho da Silveira, que é a herdeira e sucessora do velho Liceu Nacional de Portalegre.
Mas associação de antigos alunos ou presença destes na net ainda não encontrei. Há ou não há?

Antigos Alunos do Liceu de Beja

Tenho eu aqui destacado sempre com orgulho a existência da página dos Antigos Alunos do Liceu de Évora (agora Escola Secundária André de Gouveia), por razões que não custam a entender; e eis que descobri hoje que existe página similar mantida pelos Antigos Alunos do Liceu de Beja, entretanto transformado em Escola Secundária Diogo de Gouveia.
Acontece até que cultivam rituais de convivência semelhantes: vai decorrer em Lisboa a 8 de Maio próximo o jantar de confraternização dos antigos alunos do Liceu de Beja, e já se realizou, também em Lisboa, o jantar da Primavera promovido pelos antigos alunos do Liceu de Évora.
Daqui vai um abraço aos colegas de Beja, e os votos de que continuem a manter viva a chama.
E já agora uma pergunta: de Portalegre, não há nada?

segunda-feira, abril 19, 2004

Uma sequência lírica de Rodrigo Emílio

Continuando na senda da poesia, ofereço-vos agora um enternecedor poema lírico do recentemente desaparecido Rodrigo Emílio. Para que se saiba, cada dia mais, que para lá de todas as deformações e desvios existiu sempre um grande poeta lírico, que as desgraças da hora nunca lograram apagar, mesmo quando o arrastavam para outras formas, quiçá menos nobres, da arte poética.


Poema de amor ao mês de Maria

Ainda agora persigo
certo vulto de menina
que, de mão dada comigo,
ia comigo à doutrina.

E um vestido lhe distingo,
tão distante que esmorece...
- Era lindo:
cor d'alperce!

(Outro havia, de xadrez,
que ela igualmente vestia
muita vez,
ao fim do dia,
durante o mês de Maria...)
----------------------

Tocou já para a doutrina,
meu amor: - vamos embora!
(A senhora que te ensina
lembra-me a Nossa Senhora...)

---------------------------------------

E é pelo sonho - em que singro... -,
pela unção e pela ascese,
que ela domina o domingo
à hora da catequese!

2
Relógio d'horas serenas:
quem, por mal, me distancia
dos sinos, das cantilenas
e ladainhas que ouvia
nessas tardinhas amenas
- quase noite, quase dia -
em que eu possuía apenas
o condão d'ir às novenas
de Maria?...

(Numa assunção de açucenas
toda a igreja rescendia.
... E eu de mágoas e de penas
bem pouco ou nada sabia...)

3
Já tocou para a doutrina.
- Está na hora, amor. Na hora!
A lição que o sino ensina
facilmente se decora.

Tão canora
e cristalina
ela é, tão duradoura,
que decerto se destina
a chamar-nos, em surdina,
em nome da sempre nossa divina
Mãe e Senhora,
para a hora
da doutrina.

- Porque a todo o tempo é hora
d'ir, sem demora, à doutrina.
(D'ir à doutrina
d'outrora!...)


Rodrigo Emílio

Janelas de Estremoz

Sebastião da Gama, o poeta da Arrábida, viveu parte substancial da sua vida em Estremoz, e aqui escreveu grande parte da sua poesia. São conhecidos os seus versos deslumbrados sobre a sua casa do Largo do Espírito Santo, e o amor que a habitava (“da nossa janela o Alentejo é verde..."). Mas Sebastião também sentiu por vezes aquela sensação estranha que assalta quem vindo de fora se fixa a viver no Alentejo; há como que um silêncio austero, uma barreira surda, a gerar um sentimento de incomunicabilidade… há, por absurdo que pareça a expressão, uma claustrofobia alentejana.
Para amostra ficam aqui uns versos sobre as janelas fechadas de Estremoz.

Janelas de Estremoz

Janela fechada,
cortina corrida…
Nem flor a perfuma,
nem moça a enfeita.
- Ninguém se lhe assoma.
Janela tão triste,
nem ao Sol aberta…

Em toda a cidade
se repete a história
mil vezes; mil vezes,
se olhares a janela
ou desta ou daquela
casinha caiada,
a vês divorciada
do Sol e de tudo
que graça lhe dera.

Ó janelas mudas,
Pobres prisioneiras:
Que pessoas vivas,
Por que expiação,
Vivem na prisão
Em que vos meteram?

- sem sol que as aquente…
sem flor que as alegre…

Sebastião da Gama

domingo, abril 18, 2004

Redacção do Carlinhos: a Política

“Eu não sei o que é a política mas a senhora profeçora mandou porque diz que estamos na época disso e todos temos que fazer uma redassão a dizer o que achamos da política. A senhora profeçora é um bocado esquesita costuma comer só saladas e coisas de soja lembrame sempre do meu pai que costuma dizer que os bifes de soja são como os vibradores servem para disfarssar a falta de carne mas ele nunca esplicou o que é um vibrador e eu também não percebi. Já me esquessia, a senhora profeçora disse para não nos esquesser-mos da pontuassão, e vou comessar a pour mais virgulas e pontos finais. A política é que manda na gente, e outro dia deu na televisão, e falaram muito, mas eu não entendi nada. Quando há política as pessoas gritam todas, e nesse dia não vão trabalhar. A política faz comíssios, que é onde as pessoas se juntam, para gritarem todas juntas, e também faz manifestassões, que é quase o mesmo, mas com as pessoas a andar. Na semana passada ouvi dizer no autocarro que a política era uma porca, e que andavam todos a mamar à conta dela. A política tem muitos políticos, mas deve ser uma grande ordinarice, porque o Joãozinho, que é um grande malcriado, quando a senhora profeçora disse que queria a política explicadinha de A a Z, comessou logo a gozar, a dizer que estamos todos fartos de políticos de arroto e zurro. Isto são coisas que ele aprende em casa, porque o pai dele é muito inteligente, e ajudao. Mas eu não sei nada disso. A política é uma coisa que mete sempre partidos, mas eu também não sei o que é um partido. O meu avô, que já morreu, dizia muitas vezes ao visinho Joaquim, ó Joaquim, se tens um partido arranjao, que isto vai acabar tudo à marrada, mas eu também não entendi o que ele queria dizer. A política é qualquer coisa com eleissões, que é quando as pessoas vão às urnas, mas nunca é nenhum funeral. O meu pai nunca vota, diz que o voto é a arma do povo, e que não quer ficar dezarmado. E diz também que não vale a pena, porque ganhem uns ou ganhem outros é sempre a mesma porcaria, e só as moscas é que mudam. O meu pai tem muito pouca instrussão. A minha mãe também nunca vota, porque nece dia é feriado, e ela fica a fazer o almosso. E não me lembro de mais coisas para escrever sobre a política."
Carlinhos

Tempo de Trevas

Foi depois da traição
De quem lhe foi guerreiro e missionário
Que o ergueram no alto do calvário
Com um cravo de sangue em cada mão.

Ladeiam-no ladrões, o escárnio da escória
E um bando de soldados
Que lhe perdeu aos dados
Cinco séculos de História.

Tudo é treva em redor.
(Prouvesse a Deus que fosse nevoeiro!)
Chegou o instante derradeiro?
Chegou ao extremo o estertor?

Como é lenta a agonia!
Como ele morre devagar!
Quanto tempo teremos de esperar
Pelo terceiro dia?

António Manuel Couto Viana

sábado, abril 17, 2004

Os novos ministérios

No amplo salão fez-se um silêncio cavo. As seis dúzias de sábios que pensavam e decidiam em redor da mesa do conselho entreolharam-se curiosos. Então o chefe do governo explicou.:
- Meditei, realmente meditei sobre o assunto e cheguei à conclusão que devíamos alterar o já decidido. Em vez de uma Comissão de Inquérito à Corrupção, como aprovámos há dias, vamos antes criar uma Secretaria de Estado para a Corrupção. Talvez mesmo um Ministério... Tem mais dignidade, maior amplitude e está afinal mais de acordo com os nossos processos.
- Muito bem! – aplaudiram alguns dos presentes. Um deles acrescentou:
- É preciso legalizar a corrupção! Nós queremos um Estado de Direito! É preciso libertar a corrupção das grilhetas da marginalidade!
- Bem! – acudiu o primeiro-ministro, - não se trata propriamente de libertar a corrupção, mas de satisfazer mais um dos nossos correligionários, de chamar mais um dos bons do nosso partido às cadeiras do governo...
Um sujeito muito escuro, que estava ao lado do primeiro-ministro, abanou a cabeça de mocho-sábio careca e rosnou:
- É verdade que nos acusam de sermos o país com o maior governo do mundo que desgoverna o país mais pequeno do mundo...
Levantou-se a mão interruptora do chefe do governo:
- O mais pequeno, não exageremos!... Então a Albânia? E o Luxemburgo? E Andorra? Vocês cada vez sabem menos de Geografia. E ainda estão apegados às ideias de grandeza de outros tempos. Ora, em vez das manias do antigamente, nós temos de viver as realidades do presente. E para isso há que preparar as estruturas adequadas...
- Está bem! – acudiu um homenzinho fanhoso. – Está mesmo muito bem. Só não percebo por que diabo se há-de criar um Ministério da Corrupção, da Corrupção, que é uma coisa que nós temos... Podíamos antes criar um ministério de coisas que não temos. Como a Educação e Cultura, como a Agricultura e Pescas, como a Economia, como as Finanças...
Vozes na sala: - Não! Não! Fora! Fora!
Tornou o homenzinho fanhoso:
- Assim já nos entendemos. Criamos um Ministério da Corrupção, porque há muita corrupção. Mas também há muito lixo. Sim, meus senhores, muito lixo! Não só em Lisboa. Vão por esse país fora e verão que os detritos que dantes se queimavam ou botavam na estrumeira para fertilizar as terras são hoje despejados para a beira dos caminhos. O país está cheio de lixo. Daqui a pouco, em vez de Portugal, somos Lixual! Mas há mais...
- Mais?!..
- Sim senhores, há mais. Ao lado da corrupção e do lixo, há os roubos. Os roubos com violência, com assaltos, com assassínios. Então os roubos não merecem pelo menos uma Secretaria de Estado? É só a corrupção?
O primeiro-ministro fitou o homem, com espanto, piscando os olhinhos de chinês, e franziu a testa, interrogativo:
- Temos então que o senhor propõe a criação de um Ministério do Lixo, outro da Corrupção, outro do Roubo...

A Paixão

Pois é, ainda não falei da Paixão segundo Mel Gibson... mas a razão é simples: eu ainda não vi o filme, o dito ainda não chegou a Évora. Continuo expectante. Entretanto a fita já me indispôs contra Franco Zeffirelli. Este é conhecido pela sua realização há uns anos de uma obra sobre a vida de Jesus, e é uma espécie de "católico oficial". Por essa razão foi entrevistado na TV italiana a propósito do filme de Gibson. E lá falou, empinocado no seu lencinho colorido, com uma incompreensão de todo o tamanho sobre aquilo que é essencial numa visão católica da Paixão: para quê tanto sangue, tanto sofrimento, é uma história tão bonita, o amor é que é o essencial, não havia necessidade... e depois reabrir feridas...
O homem estava visivelmente incomodado com a "Paixão" de Gibson. Repare-se que Zeffirelli é um esteta; homem do teatro, da ópera, encenador experiente, realizador consagrado. E a vida e morte de Cristo são de um ponto de vista artístico extremamente ricas, interessantes... um tema fascinante. E reconhecia a força cinematográfica da fita de Gibson. Mas o catolicismo de Zeffirelli é por forma evidente o catolicismo sem a Cruz, que assentou arraiais nas mentes modernas. Um espírito repousado nesta teologia em que nunca se pode dizer que Deus é bom sem logo fazer uma vénia respeitosa e acrescentar que o Diabo também não é mau, não vamos arreliar-nos por causa de questões tão mesquinhas ... somos todos irmões... sabe-se lá o que é a verdade...

ALELUIA!

É um túmulo, sim: porém, vazio!
Enterraram-lhe um corpo mutilado
E que sangrava do direito lado
Como um espesso rio.

Com piedade e revolta
O trouxeram ali, num lençol mortuário,
Arrancado à crueza do calvário,
À cruz, à populaça, à lança, à escolta.

Dois mil anos, ou cinco, ou só três dias
Permaneceu oculto.
Lá fora, à solta, o insulto!
(Pátria, ou Deus, de que fim Te principias?)

Agora, a tampa está quebrada
E há um frémito de luz em derredor,
Apagando o pavor
Mostrando a estrada.

Essa, onde há-de surgir quem nos resgate:
Corpo de Deus, ou Pátria, em ascensão,
Para termos a paz por coração
E a razão por combate.

(No íntimo da esperança
Cavaram uma cova.
Mas da morte é que a vida se renova
E avança!)


António Manuel Couto Viana

Évora em foco, e o Alentejo nem tanto

Depois de período de acentuada apatia constato que a blogosfera eborense se animou e voltou a interessar-se pela sua cidade; os protagonistas são outros, mas o certo é que a blogosfera voltou a constituir um centro vivo de exercício da cidadania na urbe de Sertório e de Giraldo - acompanhem o Modernizador e o Mais Évora, por favor.
Não é ainda razão para nos dermos por satisfeitos, mas já é motivo para ficarmos menos insatisfeitos.
Entretanto, continuo a entender que a magna questão da configuração administrativa do Alentejo não está a ter da parte dos blogues alentejanos, e são muitos, a atenção e o empenhamento que seria de esperar considerando a relevância do assunto. Julgo que se trata simplesmente da nossa apatia atávica, de um enraízado pudor de tomar partido, de uma passividade em nós entranhada. Mas o certo é que do deixa andar pode nascer um mapa administrativo indesejado por quase todos e que a implantar-se ficará aí sabe-se lá até quando a desfigurar o Alentejo.

Resposta do Simplício à sua prima Ervina

Ervina atão que tal vai isso olha a gente estamos beim ficámos munto contentis coa tu conrrespondencia pra dezer a verdade inté rimos um pecado ouve logo quem dicece qaté parcia o estilo do saramago nam sei se tu cunheces o gajo ganha denheiro cumo terra só por escreveri ele devia era alombar coas cargas quêu carrego lá na oficina da pichelêra quéra pra aprenderi o gajo até abarbatou um prémio ignóbel sem puntuassão ninhuma secalhar taméim nam téim instrossão assim comá genti escuta prima aqui a felismina manda dezeri que avemos de lá ir pro verão nas féstas pra variar quisto aqui nunca vareia éi sempre a trabalhari arranco da pichelêra pra buraca e logo da buraca pra pichelêra éi um vê setavias ai já mia a esqueceri inda malembro do camarada arnesto era um grande camarada agenti chamavalh o passarêro porque só trabalhava em pássaras era munto amigo do prusidente atílio atão agora já nã éi vá lá agente entendêlos bom agora tenho que acabari quisto já se fás tarde mas digote tenho soidades da prassa do giraldo qué onde agente giralmente se encontrava e taméim dos nossos canaviais e loredo temos quir ó senhor dos aflitos um dia destis
abrasso do primo e da felismina

sexta-feira, abril 16, 2004

Nova carta da Minervina ao primo Simplício

olha primo sou eu otra vês nã quéras saber o susto cagente apanhou ospois da otra carta e antis desta inté julgámos que já nã avia féstas no vrão o camarada arnesto prusidente deule um badagaio calquer coisa má teve quir pró ospital a modos que mali foi mêmo um susto munto grandi era tudo rézas e vélas caquilo do ospital mete munto mêdo nã dá saúde a nenguéim tem lá morrido munta genti mas olha este escapou ficou tudo aleviado inté me disséram safa já nã temos caturári a dona fernanda tu nã sabis queim éi a dona fernanda mas ê digo éi uma senhora que têim uma escola munta grandi ali ou péi da prassa de toros e que grande escola quéla téim taméim dizem qué munto amiga da familia da dela pois claro o qué que avera de sêri taméim nã veijo mal ninhum nisso mas olha o omem escapou já foi estreari o aterro cuma fésta do caraças e um dia destis vai decerteza inógurari a Séi nã sêi se sabis candam lá a fazeri uns órinóis e ospois teim que sêri inógurada olha adeos hoje nã tenho ortalissa co garanhão do vesinho anastássio saltoume prá orta e deume cabo do grelo todo
um abrasso da prima Ervina

Carta da Minervina, quintaneira nos Canaviais, ao seu primo Simplício, que mora na Buraca

crido primo espero que tencontres beim a mais a prima felismina e os gaiatos ca gent’aqui vamos indo felismente uns dias bons outros assim assim mais ou menos tou a escrevere pra te convidare a vir cá ver isto prás féstas queste ano vai sere em grande temos prusidente novo na cambra caté deves conheceri éi o dotore arnesto aquel camarada cumunista quéra médico das molheris e dêxou de seri andam todas aflitas coa coisa ô deus dará que nã têim quem lhes trate da coisa ma nã faz mali co camarada éi um grande prusidente só tem fêto boas obras já nenguém salembra do otro quéra aquel indio munto beim falanti candava cá desde antis de abalaris já nem sei cando isso foi agora o camarada arnesto tamém já nã éi cumunista nã sê porqêi mas isto tá munto mudado o caramelo tamém nã éi e inté dizem que tem um blogui quê nem sêi o quisso éi agora sã todos do partido do buchechas temos rotundas redondas por todo ô lado quisto até parece lesboa devias vir veri se não escreve na mêma a ver se dás novidadis ca genti aqui nunca sabe de nada e a genti tamém gosta de saberi samos alantejanos mas nã samos parvos nenhuns amandote uma encomenda cuns frutos do mê hortejo uns grelos assim nã comes tu por aí vê lá se arranjas tempo pra escreveri
desta prima crida Minervina

quinta-feira, abril 15, 2004

Olhó Buíça!

Sempre a apregoar as virtudes do mercado, e ei-lo apanhado em flagrante delito de concorrência desleal...

Reorganização administrativa: pelo Alentejo!

Pode ser que o bom senso ainda venha a prevalecer: os Presidentes das Câmaras de Marvão (Manuel Bugalho), Alter do Chão (António Hemetério Cruz) e Nisa (Gabriela Tsukamoto) endereçaram uma carta a todos os membros dos Executivos e Assembleias Municipais dos 47 concelhos do Alentejo, onde apresentam um projecto de estatutos para a constituição de uma Grande Área Metropolitana do Alentejo (GAM Alentejo) e um projecto de acordo complementar a subscrever por todos os aderentes.
Na carta, os Presidentes dessas três Câmaras do Distrito de Portalegre defendem a constituição da Grande Área Metropolitana com Delegações em cada uma das sub regiões do Alentejo: Baixo Alentejo, Alentejo Central, Norte Alentejano e Litoral Alentejano.
Justificam a proposta referindo que só a Grande Área Metropolitana garante o estatuto mais elevado consagrado na lei, constituindo-se o Alentejo num dos interlocutores privilegiados junto da Administração Central e da União Europeia.
A Grande Área Metropolitana garante a unidade do Alentejo sem pôr em causa as especificidades e autonomias das suas quatro subregiões, permite maiores economias de escala, racionaliza recursos humanos e meios técnicos e potencializa experiências e conhecimentos.
Como alentejanos orgulhosos da nossa herança cultural comum, enraizada na nossa terra pelos nossos antepassados, e que bem gostaríamos de transmitir inteira aos nossos filhos, damos o nosso apoio à iniciativa dos três Presidentes (pertencentes aliás a três partidos diferentes), e que nos parece reflectir afinal um conjunto de evidências, e aquilo que pensa qualquer alentejano comum, livre de compromissos particulares ou de grupo.
Que ainda venha a tempo, são os nossos votos - mas não seria má ideia que cada um de nós se fizesse ouvir, e quanto antes, junto de tantos irresponsáveis que por aí se propõem inventar o que nunca existiu, para destruir uma unidade forjada por uma vivência em conjunto ao longo de centenas de anos de história colectiva.

quarta-feira, abril 14, 2004

A saga do manifesto esquecido

Anda tudo em alvoroço por causa de um esquecido texto do PND, de que ninguém se tinha mais lembrado desde que o bom Dr. Maltez o escreveu para ilustração dos seus confrades, que evidentemente o não leram.
Agora, desde que este divertido blogueiro aqui chamou a atenção para o dito, é um corropio: até o Dr. Monteiro já pediu um exemplar, para tomar conhecimento, e convocou um Conselho Geral para debater a polémica levantada em torno do manifesto subitamente famoso.
Na blogosfera nem se fala: o escrito Uma ideia de Portugal já mereceu palavras de apreço de uns e críticas azedas de outros.
"- A situação é muito grave" - confidenciou preocupado o Dr. Monteiro para um dos membros da Direcção. " - Vamos ter que tirar dali aquilo senão os fachos não nos largam..."

Namoros

Eu já andava desconfiado: o SG Buíça e o Fascismo em Rede andam caídinhos um pelo outro...

Regateiras de Abril...

"Quando lhe ouvi essa das regateiras de Abril...
- Regateiras-de-Abril, Fausto?
- Regateiras-de-Abril, pois! - e o poeta de Dona Donzela Senhorinha sorriu do meu enleio.
- Regateiras-de-Abril, sim! Nunca ouviste falar em regateiras-de-Abril?! Então, aponta, e vê no Morais se lá estão. Regateiras-de-Abril chamamos nós aqui e chamam por esse Douro áquelas chuvadas que vêm quando menos se pensa e que pouco duram. Mas de pedraço, algumas vezes, e dão cabo da vinha: uma calamidade. Aí tens tu. Aponta."
(Tomaz de Figueiredo, in "Dicionário Falado")

terça-feira, abril 13, 2004

A ginjinha

Estando a alma a puxar para a nostalgia, tudo vem à tona, subindo lá das profundezas da memória.... são cheiros, são sabores, são visões, momentos, coisas, sensações, pessoas...
Surgiu-me agora, não sei se no paladar, se no olfacto, se nas imagens de outro tempo, uma súbita saudade da ginjinha. Saudade, sim, segundo o sábio dizer de Pascoaes – uma velha recordação a actualizar-se num novo desejo... de ginjinha, a mais lisboeta de todas as bebidas. Ainda haverá ginjinhas em Lisboa?
Baila-me no ouvido a voz de Hermínia Silva, glorificando a "Tendinha" por entre o repenicar de guitarras – “velha taberna/ nesta Lisboa moderna/ és a tasca humilde e terna/ que manténs a tradição..."
Quando eu deixei Lisboa já a velha loja do Arco do Bandeira tinha sofrido o assalto plastificante da modernidade – já não era a velha taberna “de aspecto rasca e banal”, nem se podia mais cantar que “na história da bebedeira/ aquela tasca velhinha/ é um padrão imortal”.
Mas se a "Tendinha" tinha sucumbido outros templos da pinguinha permaneciam orgulhosos e imutáveis. Logo do outro lado do Rossio, no Largo de São Domingos, uma casa da especialidade exibia a sua filosofia, registada em azulejos antigos por entre garrafas do precioso líquido vermelho escuro: “Dona Fedúncia da Costa/ delambida e magrizela/ fez de ser tola uma aposta/ diz que ginginha nem vê-la/ porque coitada não gosta// O irmão que sabe a virtude/ d’esta divina ambrosia/ é gordo como um almude/ bebe seis copos por dia/ por isso goza de saúde”.
Para ilustrar a lição os azulejos representavam graficamente os dois irmãos opostos, facilitando enormemente o trabalho de tradução da versalhada que alguns turistas passantes por vezes demandavam ao indígena mais prestável.
Estranhamente, todas as ginjinhas eram parecidas entre elas; espaços acanhados, cheios de garrafas e boiões, pequeno balcão oferecendo-se ao povo. Havia mais, ali pela Baixa. Havia na Rua das Portas de Santo Antão, e continuando a caminhar encontravam-se também na Avenida da Liberdade, perto do elevador da Glória, e mais para a frente, para quem seguisse por esse lado em direcção ao Parque Mayer ou à Praça da Alegria – se não começasse a trocar o passo entretanto.
A lembrança da ginjinha é afectiva, gustativa, olfactiva – e visual, que aquela cor quente enche os olhos como o coração. Mas ainda haverá ginjinhas em Lisboa?
Sabe-se lá... quem tinha razão mesmo era a Amália: “dar de beber à dor é o melhor/ já dizia a Mariquinhas”.

Decadência

O meu blogue está como o dono; em acelerada decrepitude. Os visitantes minguam de dia para dia. Pudera: quem iria regressar a tão depressivos ambientes? Veja-se no que deu o cansaço - escolher para tema o senhor São Marcos...
Valham-me os santos evangelistas (os outros três, obviamente...)!

Etnografia e religiosidade popular

O dia 25 de Abril é no calendário religioso dedicado ao evangelista São Marcos. E na devoção popular este santo é vulgarmente associado à protecção de uma classe específica de necessitados: é o padroeiro dos cornudos. Essa devoção originou práticas ingénuas de religiosidade popular, umas mais sacralizadas e outras mais profanas, por todo o território nacional. E também deu origem a tradições mais maliciosas, como acontecia em certos locais dos Açores onde na noite em questão grupos de rapazes costumavam munir-se de chocalhos e outros artefactos barulhentos e ir fazer algazarra junto das casas daqueles que a vox populi apontava como detentores de tal ornamentação, por força de virtudes domésticas. Como então ainda isso não era tido como hábito arejado, progressista e liberal, por vezes a coisa descambava porque os visados não gostavam e reagiam.
Em Monforte do Alentejo também era tradição festejar o dia de São Marcos, em festa que invocava a sua protecção aos animais de cornos. António Sardinha evoca desta maneira essa festividade tradicional da sua terra, numa carta a Almeida Braga, então exilado na Bélgica:

"Queridíssimo Luís: Escrevo-te em vinte e quatro de Abril, em véspera do Senhor São Marcos, um dos quatro que disseram da vida de Jesus e padrinho dos bois e dos boieiros de toda a Cristandade. Amanhã, perto daqui, numa engalanada ermidinha, à hora da missa, por entre os fiéis, um novilho de dois anos entrará pela nave acima até ao altar-mor. «Entra, Marcos!» - Ihe gritarão os mordomos da festa, que com varinhas o irão tangendo, que o animal se poluiria se as mãos humanas o tocassem. «Entra, Marcos!» E junto aos degraus do tabernáculo, com as hastes enastradas de fitas e de ervas de cheiro, a rés, em vez de tombar sob o cutelo sagrado, em nome da verdade receberá a bênção da Igreja e nos cornos se lhe cantará o Evangelho do dia. «Entra, Marcos!» E o engelhado Topsius que habitava dentro de mim acaba de descobrir que essa festa, que o Cristianismo conservou e santificou, tem raízes milenárias, descende da festa do Touro que uma civilização pre-árica bronzífera, espalhou por toda a Europa. Mr. Homais rir-se-ia da ingénua solenidade e aproveitar-lhe-ia a origem para atacar a pobreza criadora do Cristianismo e a mentira das Religiões. Eu, como homem que estuda, solidifico com o facto a minha crença vendo nele um sinal claro dessa curva ascensional do homem primitivo para a Perfeição, que é Deus. «Entra, Marcos!» E hoje as ladainhas saem pelos campos - saíam - a rogar ao Céu pelo renovo primaveril, pela messe que se aformoseia, pelos frutos que despontam. Como Portugal estará lindo! - exclamava na tua carta a tua nostalgia. - Como Portugal está lindo e como ele te manda saudades, meu amigo! Floresce o rosmaninho, a planta que soalha as igrejas em Quinta-feira de Endoença e que, assistindo à cena do Calvário, perpetuou na sua austeríssima flor o sangue inocente do Cordeiro. Como Portugal está lindo! E quando eu olho o tapete das searas que ante os meus olhos se desenrolam por dez léguas infinitas, eu penso naquele romance de Melchior de Vogüe, - Les morts qui parlent. A verdadeira França, ai! não é a que se estorce e debate no Palácio Bourbon, - não é a que governa e se divide em programas políticos irrealizáveis e perturbadores, mas a que trabalha e canta sempre, - aquela que encolhe os ombros na ignorância do homo-publicus que aleiloa, aquela cuja seiva eterna dá filhos à Pátria e dinheiros à bolsa sôfrega do Estado. Lembras-te ?"

segunda-feira, abril 12, 2004

Schoendorffer - Através de correspondência francesa tive conhecimento do aparecimento de um novo realizador. No ano 2000 tinha surgido a primeira longa metragem de Frédéric Schoendorffer, "Scènes de Crimes", que a crítica descreveu como um policial urbano puro e duro (a perseguição a um assassino de série). Agora apareceu a segunda obra de grande fôlego do mesmo Frédéric, "Agents Sécrets", dedicado ao mundo da espionagem e dos serviços secretos.
Uma vez que o meu conhecimento se limita a umas breves notícias, fica aqui o pedido para que algum leitor que já tenha alguma luz própria sobre os méritos do realizador e dos filmes escreva a dizer o que se lhe apresente sobre o assunto.
Como terão entendido alguns poucos, a minha curiosidade resulta do apelido do jovem: é filho de Pierre Schoendorffer, velho combatente que nunca se poupou a dar o corpo e a alma ao manifesto em tantas batalhas perdidas - na Indochina, na Argélia, em França - e também realizador de "Coffret Guerre", "La 317ème section", "Le crabe tambour", "L'honneur d'un capitaine".

Sèves - Ao ler a evocação feita por este blogador a António de Sèves Alves Martins, que eu também conheci, poucos anos antes do tempo aí recordado, ocorreu-me que talvez o autor não possua, e gostasse de ter, a obra publicada de António de Séves, já que este se distinguiu in illo tempore como ficcionista.
Procurei na rede, e há aqui uma loja que diz ter, e baratinhos, vá lá saber-se porquê, exemplares do volume de novelas Iemanjá, que saiu em 1966, fruto da vivência brasileira do escritor, e também de Cântico de Natal à Solidão, este aparecido em 1986 (a marcar o fim...).
Ficam à disposição, se ainda existirem.

O indizível

O indizível é impensável? Se assim for, a palavra, mais que a expressão do pensamento, confunde-se com o próprio pensamento. Só será pensável o que pode ser dito. Mas se assim for o pensamento não esgota todo o conhecimento: sabemos sempre mais do que podemos dizer. Sabemos, por sentimento, por revelação, por iluminação, por intuição, mais do que cabe nas palavras. Será pensável, ainda que indizível? Nesse caso existirá pensamento puro, sem possibilidade de expressão exterior. Vedado ao outro.
O sofrimento, a dor? Não sei se serão impensáveis; mas sei que, sendo bem reais, são indizíveis. Nenhuma palavra permite dizê-los. Nada os torna acessíveis ao outro; ficam sempre irredutíveis a qualquer comunicação, vivos no silêncio de cada homem.

domingo, abril 11, 2004

Planície Heróica

Agradeço aqui os votos de Boa Páscoa da "Planície Heróica", que naturalmente retribuo ainda que não tenha tido antes a gentileza de os expressar directamente.
E aproveito para consignar aqui uma posição de princípio, para mim essencial, definitiva e inegociável, que determinará todas as minhas posições nas polémicas em curso, ou que surjam no futuro, sobre regionalização, descentralização, comunidades urbanas ou realidades semelhantes.
O Alentejo é uma realidade una, pela natureza, pela história, pela cultura, pela vontade e pelos interesses dos seus habitantes. Qualquer reorganização ou reforma administrativa deve respeitar esse princípio. Aceitando embora a verdade da existência de subregiões claramente desenhadas, a preservação e o reforço da unidade alentejana deve ser o vector fundamental de todas as acções das forças políticas regionais.
Tudo o resto é acessório e secundário: não me interessa discutir capitalidades, competências, atribuições, partilhas e repartições. Recuso mesmo entrar nessas discussões.
Mas sobre o princípio apontado sou absolutamente intransigente: estarei ao lado de quem o defender, seja quem for. E repudio com horror as manobras mesquinhas daqueles que aproveitando os cargos que ocupam, e na mira de outros que querem ocupar, não hesitam em tentar criar factos consumados, rasgando em taifas ridículas a terra de todos nós, a fim de ao menos aí poderem ser reizinhos de opereta.

Coisas da Política

Em Política, ciência que estuda o Poder, são bem conhecidas as leis da Física. Por exemplo, é facilmente observável o horror ao vazio. O Poder que uns perdem, por renúncia ou coerção, reverte sempre para outros, que vêem o seu acrescido.
Veja-se como actualmente correm generalizadas as doutrinas que apregoam o fim das soberanias dos Estados, e defendem a queda das fronteiras, e propugnam múltiplas formas de vinculação que implicam na verdade a renúncia aos princípios da soberania (organizações supraestaduais, tribunais internacionais, etc.). Pois em paralelo, como é bom de ver, logo outros proclamam altaneiros o seu apego a uma soberania a que recusam qualquer limitação normativa exterior, e arrogam-se mesmo o direito de passar a decidir por si e unilateralmente questões em que nunca poderiam sequer intrometer-se, havendo respeito pela soberania alheia.
Observe-se como por todo o lado se teoriza a obsolescência dos nacionalismos, e se equipara a nação a uma forma de vida em comum própria de passadas eras, e se ridiculariza qualquer ideia de defesa e de preservação dessas comunidades históricas, e como paralelamente novos nacionalismos, cultivados até ao extremo, numa espécie de teologia política profana, se levantam agressivos e belicosos, submergindo na sua expansão todos os espaços que os demais deixam vagos.
Foi sempre assim: o que uns perderem outros haverão de ter.

sábado, abril 10, 2004

Inda nã tem ávondo nã senhori!

Apesar da minha atenção há sempre mais blogues alentejanos do que aqueles que eu conheço. E sabem os leitores dos meus cuidados nesse domínio!
Para minorar um tanto as minhas faltas, saliento hoje e aqui dois compadres das planuras do Sul, o "Tem ávondo" e o "Portas de Mértola", qualquer deles bem interessante e que oferece ligação para outros mais.
Espero que me desculpem o tardio da referência; - isto é tão grande o Alentejo!
Mas também temos que erguer uma vasta rede blogosférica alentejana, incluindo os alentejanos do interior e os da diáspora. Essa é que é essa! Vamos a isso? Prá frente, que pra trás mija a burra!

Blogues escolares

Neste campo encontro motivos de alegria: passo a passo, a comunidade de blogues que têm a escola como pano de fundo expande-se visivelmente. Considerando os blogues dos professores, das escolas e os das crianças e adolescentes que vão aparecendo temos já um vasto mundo a explorar. Nota-se todavia que o facto de todos terem nascido por iniciativas desligadas e independentes faz com que só lentamente eles comecem a descobrir-se uns aos outros. A tendência foi de cada um por si, cada um ou cada grupo a caminhar sozinho. Agora creio que começam a dar-se conta que podem ser uma verdadeira comunidade blogosférica, e uma poderosa realidade. Vive-se a alegria do encontro.
Por mim, que estou de fora mas sou um espectador entusiasta, só posso exprimir os votos de que se caminhe nessa direcção: todos em ligação, todos em comunicação, todos em rede, construa-se essa espantosa unidade virtual que promete encher a nossa blogosfera!
Como pioneiro do caminho, continuo a apontar o "Geografismos" da Escola de Santa Clara de Évora. Espreitem só as ligações já estabelecidas!

Descolonização

O Dr. Almeida Santos deu uma patética entrevista ao "Público" onde apresenta em resumo a defesa que, ao que diz, está a escrever em livro: a afirmação fundamental é que não teve culpa nenhuma, não foi ele, foram outros.
Vai bem longe o tempo em que a tese oficial era a da "descolonização exemplar": o tempo desfez a mentira, e já nem o mais descarado mentor dessa tragédia tem descaramento para aparecer a dizer isso. Mas convém recordar que houve esse tempo, em que se esgatanhavam a reclamar para si o mérito maior o Dr. Soares, o Dr. Santos, o Major Antunes, e mais uns quantos.
Passaram depois os mesmos protagonistas da tese anterior a defender com um ar compungido a tese da "descolonização possível": o miserável processo que conduziram não terá sido exemplar, mas não podia ter sido de outra maneira, por força de fatalidades várias de que não tiveram responsabilidade (a culpa, evidentemente, pertenceu a outros, ao fascismo como é óbvio).
Esta tese é tão falsa como a anterior: se nada houve de exemplar no processo, também não é verdade que os seus protagonistas tenham sido empurrados por circunstâncias exteriores a fazer o que não desejavam. Como se lembrará quem tiver um mínimo de memória, o que eles fizeram coincidiu inteiramente com o que entusiasticamente defendiam, e fizeram-no jubilosamente, trombeteando ao mundo as suas glórias.
Agora, passado o tempo suficiente para estar à vista de todos o balanço desastroso da maior vergonha da nossa existência como povo, já ninguém quer ficar amarrado ao pelourinho da história. A "descolonização" já não é "exemplar" nem foi "a possível": - ela foi o que foi, mas eu é que não fui...
A defesa agora é igual à de qualquer criminoso cobarde que foi apanhado em flagrante e está sentado no banco dos réus a tremer de medo perante o julgamento.

Sá de Miranda

Gosto muito de Sá de Miranda. Vou reler de vez em quando o que escreveu Sá de Miranda. Já aconteceu até sentir-me a duvidar da verdadeira antiguidade do autor - tudo me parece tão presente, tão verdade, tão actual, que me pergunto se o nome não será afinal um pseudónimo de algum nosso contemporâneo escondido.
Mas admitindo mesmo a realidade do poeta do século XVI, há que dizer: trata-se de um grandessissimo reaccionário (o primeiro dos nossos grandes reaccionários), um homem inconformado com o seu tempo, um revoltado contra os ventos da história, renegando todas as conveniências do momento. Hoje diriam que era politicamente incorrecto, e relegavam-no para todas as listas negras de impublicáveis.
Naquele tempo, há quatrocentos e tantos anos, insurgia-se contra o despovoamento e o abandono de todo o interior do país; contra o fim das actividades produtivas; contra a engorda artificial da Lisboa macrocéfala que nada produz, e que julga poder subsistir duradouramente ao cheiro da canela que de fora vem; protestava contra a cegueira da política da imigração/emigração, que fazia com que se fossem os de cá e se metessem no reino os estranhos, de modo a recear que em breve fossem eles mais que os naturais; desdenhava da política caseira, desprezando as "santidades da praça", que formam e deformam a opinião, sempre olhando para o lado donde lhes escorre o mel; alertava para Espanha, "gente ousada e belicosa", "presunçosa", "cobiçosa"; enfim, combatia as injustiças e imperfeições, certo de que "onde há homens há cobiça", bem longe dos consoladores enganos espalhados para benefício de alguns "enliçadores".
Não escondo que chego a identificar-me com Sá de Miranda, e com orgulho; sinto-me parecido com ele na minha incompatibilidade radical com a corte, aqui no meu afastado retiro alentejano, como o fez ele para as suas terras de Basto.

Terreiro do Fado

Um português na Holanda criou um local inteiramente dedicado ao culto do fado: descubram a beleza do Terreiro do Fado, e façam silêncio. Deixem falar as guitarras! E ouçam, ouçam, deixem-se envolver pelo sortilégio do fado...

sexta-feira, abril 09, 2004

Precisão

Creio que a frase do Rodrigo sobre José Gomes Ferreira que o Eurico citou de memória foi, mais rigorosamente, que estávamos perante "o maior poeta moscovita de expressão portuguesa". É quase o mesmo.

Saramago em Évora?

A "Livraria Som das Letras", daquele simpático e meritório jovem casal de livreiros que adoptou Évora como sua segunda pátria, comunica que no próximo dia 14 de Abril às 21.30 h. apresentará no Teatro Garcia de Resende o escritor José Saramago, para lançamento do novo livro "Ensaio sobre a Lucidez" - com sessão de autógrafos e debate público.
Se o tema é "ensaio sobre a lucidez" o que deveria haver era terapia de grupo...
Bem, mas aqui fica a notícia, para os potenciais interessados: quem quiser que lá vá, a colher o Saramago... e quem gostar do que ele escreve pode até traduzi-lo para português.
Quanto a mim, confesso que o meu impulso ao ler "saramago em Évora" foi reclamar logo a aplicação de um potente herbicida...

Mais coisas de miúdos

Eis-me de novo aqui para realçar trabalhos de miúdos, profs. e escolas: é o "ABC dos miúdos"!
O assunto começa a ficar sério! Parece-me que é altura de começar a pensar numa espécie de "rede de blogues escolares", uma união de blogues unidos por essa temática, algo assim como um "webring" ou esse tipo de coisa.
Até lá, força na blogação para todo o maralhal escolar!

Doentes de Alzheimer

A Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer, admirável instituição que infelizmente não é tão conhecida como merece, veio reclamar contra o Estado por este discriminar esses doentes ao comparticipar em apenas 55 por cento a compra de medicamentos para a doença, quando paga na totalidade os fármacos para outras doenças de natureza crónica e irreversível. Trata-se de uma questão de lista, de comparticipações e de doenças.
A muitos pode parecer questão teórica, ou exigência abusiva: mas façam um exercício de imaginação, e pensem numa família de poucos recursos, que dificilmente tem meios para pagar as fraldas, menos ainda para sustentar toda a complexa logística que uma situação dessas exige, e se confronta com o problema de adquirir medicamentos para minorar o dramatismo da doença que atingiu o familiar que tem a seu cargo, e que custarão umas largas dezenas de contos de cada vez - durante os anos de sofrimento até ao fim inevitável...
Resta-lhe confiar nos "mecanismos do mercado", para equilibrar a situação?
A experiência não dispensa a teorização, mas as teorias sem experiência nenhuma mostram-se frequentemente de pouco valor...

Páscoa na estrada

Esta quadra promete trazer mais do mesmo, ou fazer novos máximos: segundo a GNR o primeiro dia da "operação Páscoa" excedeu a sinistralidade do ano passado. Foram registados 333 acidentes.
Por mais campanhas que se façam, alertas ou fiscalizações... a calamidade continua. É preciso não desistir, e insistir no combate da educação cívica, em prol da segurança rodoviária.
Apoiar a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, seguir pela Paz na Estrada.

Real Colégio

A propósito de escolas e de professores, lembrei-me de perguntar - e o Real Colégio? Já conhecem o Real Colégio?
É um sítio onde se afirma que os professores portugueses estão vivos...

Mais de Campo Maior

E depois da descoberta de Ouguela podem fazer excursão a Degolados, que fica ali perto. Há o blogue "O Vizinho", e a página é trabalho da escola.
Não há dúvida: depois do Alandroal e de Elvas, agora estes de Campo Maior - as terras da raia estão a dar cartas!
E estamos agora na altura das festas de Nossa Senhora da Boa Nova e de Nossa Senhora da Enxara - que tal dar uma volta por cá?

Já foram a Ouguela?

Nem sabem onde fica, não é? Podem então aproveitar o trabalho da escola de Ouguela e ganhar conhecimento, ainda que seja só virtual. Visitem a página Ouguela e o blogue também.
Que magnífico exemplo do que pode fazer uma escola - professores, alunos - mesmo numa comunidade desertificada e envelhecida! Os nossos amigos de Geografismos, e Da escola, têm aqui muito em que se louvar. Isto não são abstracções sobre "internet no meio escolar"; são extraordinárias realizações que dão vida a uma comunidade inteira.
É o primeiro blogue de terras camponesas... e já tenho a minha fala presa, não posso cantar melhor!

quinta-feira, abril 08, 2004

Empresários

Sabem como se distingue um empresário patriota de um empresário liberal?
Bom, um empresário patriota é aquele que faz manifestos e dá entrevistas sobre a necessidade de manter os centros de decisão em mãos nacionais quando anda em negociações para vender com uns capitalistas espanhóis e quer puxar pelo preço. Um empresário liberal é aquele que ao discursar perante entidades oficiais nunca perde a ocasião para salientar a necessidade de modernização do nosso tecido empresarial e de defesa da livre concorrência, aproveitando para pedir uma política activa de fomento desses objectivos e reclamar uns subsídios para esse efeito.
Por vezes o critério não serve para distinguir nada porque eles são os mesmos.

O mistério dos painéis

Muito se tem escrito sobre os famosos painéis do Museu das Janelas Verdes, e pelos vistos muito haverá ainda para debater. Quem estiver interessado em saber mais sobre a obra prima da pintura portuguesa chamada por vezes de Painéis de São Vicente, vulgarmente atribuída a Nuno Gonçalves, tem à sua disposição a perspectiva de António Salvador Marques: aqui, em Painéis.
(E pronto, acontece-me sempre isto: não sei porquê, mas sempre que falo em Nuno Gonçalves, paineleiro, há logo uns malandros ali a rir-se que nem uns perdidos...)

Suplício

Hoje perdi uma manhã preciosa em repartições para tratar de banalidades. Aqui é a fila para pagar, acolá para comprar o impresso, ali para as informações... chega-se ao fim estafado e o balanço final aponta para a mísera concretização de umas insignificâncias - ou seja, chegado ao fim a única certeza é que terei de recomeçar um dia destes...
Na espera dei por mim a pensar nos nossos liberais: perante o "estado" a que isto chegou, como não damos todos em liberais furiosos? E por que não erguem os teóricos do liberalismo caseiro as bandeiras da revolta, marchando contra o calvário da burocracia estatista?
Mas enquanto pensava fez-se luz: eles não estão entre os que ficam na fila, estão entre os que dão a volta...

Oh Elvas oh Elvas ...

E eis que encontrei mais dois blogues de sabor e saber alentejanos; parece que entrámos num ciclo de afirmação elvense...
As minhas saudações vão daqui inteirinhas para "O Meu Alentejo" e o "Lugar Encantado".
E podem vir mais...

quarta-feira, abril 07, 2004

A não esquecer nesta Semana Santa







A Morte do Carpinteiro

"Chamava-se José e era português. Talvez tivesse sido carpinteiro por se chamar José; ou chamava-se José para ser carpinteiro. O fato incontestável é que morreu. Estávamos seis amigos reunidos à noite conversando de tudo e de nada, quando um deles deixou escapar a notícia que os outros não sabiam: o carpinteiro José, o da paróquia, morrera. E de repente a conversa se deteve diante daquela linha divisória que separa este mundo inquieto, complicado, frívolo, do mar desconhecido que os religiosos chamam de eternidade. No dia seguinte, o mestre-de-obras da paróquia, um espanhol das ilhas, atlético, mestre de verdade em seu ofício, enigmático no diacho de idioma que fala, contou alguns detalhes. Era verdade. Morrera o carpinteiro José, o lépido e gracioso lusitano que usava costeletas, bigodinho, e tinha sempre no fundo dos olhos uma gaiatice de operário, uma alegria de menino. O mestre-de-obras vira o defunto e declarava que mesmo tendo visto não acreditava. Era impossível, impossível. Mas a verdade é que o carpinteiro José morreu. Estava na Avenida Getúlio Vargas, na calçada, ao lado da esposa, esperando o sinal, quando veio um lotação tarado, estúpido, deu uma volta em velocidade incrível, derrapou, e com a parte traseira, numa rabanada mortal, esmigalhou a cabeça do bom carpinteiro. Quando a mulher olhou o corpo caído viu os miolos entornados na calçada. E foi assim tão simplesmente, tão municipal ou estadualmente, que o carpinteiro José morreu. E eu, que nem o defunto vi, estou com ele na minha frente, a sorrir, a combinar o preço ou o prazo de entrega para as caixas de alto-falante. E como o bom maiorquino digo que é impossível que a alma que animava a voz, o riso, e sobretudo a mão que afagava a madeira com gestos amorosos, tenha desaparecido, tenha caído no nada, só porque um lotação derrapou. Esmigalham-se os ossos, mas não a alma. Mas por mais que se saiba, por mais que se diga que a alma é imortal, não deixa de ser vertiginoso o pensamento da mudança de estado. E tenho vontade de perguntar, como o poeta, ao fantasma bem vivo que a memória e a imaginação me trazem: e agora, José?
Mas deixemos o segredo da vida eterna entre Deus e o carpinteiro José. Falemos das coisas do lado de cá, enquanto por cá andamos. E meditemos na imortalidade menor, na imortalidade que os filósofos chamam de subjetiva, graças à qual o carpinteiro José continua a viver na obra humilde e perfeita que deixou em torno de nós. Só aqui em casa tenho estantes, caixas de alto-falantes e uma casa de boneca da filhinha menor. A mão do carpinteiro continua, e continuará vida afora, a traçar as esquadrias, a afagar as tábuas, a acertar os encaixes. E eu vejo na obra deixada a mão que a fez. E de repente, trazidos pelo exemplo do carpinteiro José que morreu anteontem e que era amigo, povoa-se o meu escritório de sinais, uns mais antigos, outros mais recentes, das mãos que fizeram tudo o que me cerca. As mãos morreram, ficou a obra. Ficou o gesto onde pouco falta para se ver a mão. Naquela cadeira de pés recurvados, que data de muitos anos, vem-me um aceno cordial do desconhecido carpinteiro que a fez tão bela e que pôs o amor de sua alma na linha inigualável. Com certeza também se chamava José, e vai ver que também era português... Quem já leu o Robinson Cruzoé, com a atenção que o livro merece, há de ter experimentado o duplo e paradoxal sentimento que faz o encanto máximo da obra. De um lado saboreia-se na narração a delícia sem par do naufrágio na ilha de perfeita solidão e tem-se a impressão de estar nos primeiros dias do mundo, quando Adão vivia só. Paraíso de solidão, mas paraíso incompleto, porque não é bom que o homem esteja só. O outro sentimento, ou o outro lado do mesmo sentimento, é o susto feliz do personagem quando vê na areia da ilha a marca de um pé. Pára ele, fremente de atenção; paramos nós, frementes de interesse. A marca do pé indica que alguém está ali, passou por ali, naquela bendita sexta-feira. Mas o pé não diz mais do que isto. A pegada na areia denuncia uma existência, mas não diz nada que tenha ressonâncias de cordialidade e de amor. No meu escritório fechado, na minha ilha deserta, eu vejo a mão do carpinteiro José. Vejo-a aqui, ali, acolá, na obra, no gesto, no jeito, na habilidade e na cordialidade. E esse discurso mudo, fixado, mas vivo, há de durar muito mais do que durou a vida do carpinteiro. A dança da mão construtiva entra na coreografia das outras mãos que fizeram os móveis antigos, que encadernaram os livros, que construíram a máquina com que escrevo e a mesa onde escrevo. E é impossível não lembrar outro carpinteiro que era filho de José, e que também deixou sua marca inapagável, obra de sua mão, esquadria tosca, pregos enormes, na sexta-feira santa em que entregou sua simples e grande encomenda. O carpinteiro José, como creio que já disse atrás, trabalhava nas obras da paróquia e lá, em torno do altar e da cruz, deixa uma profusão de marcas que são a eternidade relativa do mundo. E a outra? E agora, José? A morte súbita sempre nos deixa esse medo da passagem dos evangelhos onde o Cristo diz que vem como um ladrão. A morte súbita é metafísica e religiosamente difícil de aceitar. O moço carpinteiro não teve padre para confessar suas faltas, mas, meu Deus, sem pretender alterar o dogma, penso que ser carpinteiro já é quase um sacramento, e ser carpinteiro e José, e além disso ter trabalhado anos e anos em torno da cruz, tudo isso junto, somado, atirado no cadinho da misericórdia de Deus, deve valer uma absolvição e mais uma extrema-unção. E eu imagino o carpinteiro José em singela familiaridade com o outro carpinteiro, a conversar de plainas e martelos, e a discorrer sobre as puras alegrias do ofício, entre colegas, diante do trono do Pai Todo-Poderoso, criador do Céu e da Terra."

Gustavo Corção

Novidades?

Um amigo pede-me por mail que lhe conte "novidades". Mas que novidades hei-de eu ter, se só vivo aqui, por este computador? Só as que se encontrem na internet... Para mim, há muito separado de outros mundos, a internet é o mundo: quod non est in internet non est in mundo....

Recomeçar

Finda a noite, novo dia. É hora de juntar forças e seguir, continuar, sem cuidar de dores e de mágoas. E vou, sem saber porque vou, em silêncio e solidão. Usando ainda uma vez o Rodrigo Emílio, "calco a meus pés os meus passos/ e enquanto a angústia se instala/ aconchego a alma aos braços/ e começo de embalá-la..."

A Casa de Sarto

Não é preciso ser crente para entender a importância do catolicismo na ossatura moral do Ocidente. Nem é preciso ser nenhum Maurras. Qualquer positivista, como o próprio Comte ou qualquer outro devoto de sociologismos, compreende quão decisivo para as sociedades ocidentais foi sempre o facto católico, a Igeja Católica.
Por isso hoje também me parece fácil, mas crucial, perceber como é essencial o combate dos tradicionalistas católicos no rearmamento espiritual do Ocidente.
Seja pela Fé, seja apenas pela inteligência, mesmo que ainda não se tenha elevado à Fé, impõe-se batalhar ao lado dos que preservam o património maior da nossa civilização. Ficam estas pomposas afirmações para realçar o trabalho do blogue "A Casa de Sarto" e a sua progressiva articulação a outros centros de irradiação da mesma luz - vejam-se as suas ligações, compreenda-se nomeadamente a importância capital do Brasil. E actuemos em conformidade com o que pensamos.

terça-feira, abril 06, 2004

O pé e a chinela

Não é possível estar uma vez a elogiar o PND sem logo esbarrar com aqueles pormenores a oscilar entre a parvoíce e o mau gosto com que o partido e o seu chefe se distinguem com lastimosa frequência.
Na secção "Últimas notícias", como se isto fosse uma notícia, ressalta um título triunfal: "Manuel Monteiro escreveu a Marcelo Rebelo de Sousa"; e a seguir, em subtítulo, "Leia a carta que Manuel Monteiro escreveu a Marcelo Rebelo de Sousa".
Evidentemente que não fui ler! Será que não têm nada de mais relevante para ocupar o espaço? Que ideia fazem dos leitores para pensar que eles irão ler gulosamente a correspondência alheia?
Não acham impróprio isso de andar a exibir as cartas dos outros?
E (o mais importante de tudo!) não é suposto que o PND seja um partido político e se comporte como tal?

Uma ideia de Portugal

Sabe-se que os documentos fundamentais com que os partidos políticos procuram definir-se raramente são lidos. Nem mesmo pelos seus próprios militantes e adeptos. De certo modo isso não deixa de ser sensato, porque com frequência a identidade de um partido não está nesses escritos fundacionais mas sim na realidade que eles vêem a ser uma vez em acção.
Todavia, não deixa de ser interessante conhecer esses textos, mesmo que seja só para saber o que os seus autores desejaram que fosse, ou sonharam que podia ser, a nova realidade que tentavam configurar.
E até acontece por vezes que tais documentos valem por si: tendo passado pela página do PND, como faço de vez em quando para saber de novas do agrupamento do Dr. Monteiro, calhou a encontrar o documento "Uma ideia de Portugal", com data já de Novembro passado.
E decidi de imediato salientar aqui o valor da descoberta, o altíssimo nível intelectual de tal documento. Habituados que estamos todos a encontrar na política as banalidades do costume, na langue de bois do costume, não podemos deixar de estranhar o contraste: é um texto notável, bem escrito, bem pensado, culto e inteligente.
Deve ser lido e meditado; desde logo pelos responsáveis do partido em causa, os quais, com sincero convencimento o digo, pelo menos em grande parte estarão tão identificados com aquele documento como Júlio Dantas com o Manifesto Futurista (certamente menos, pois o Dantas ao menos leu o manifesto...)

Para a Direita Liberal

Embora eu saiba muito bem que o liberalismo que os traz pelo beicinho é o anglo-saxónico (o que aliás provoca aquela minha desconfiança de que o fascínio que realmente sentem não é pelas ideias, é pela força) resolvi prendar os meus visitantes de linha Buíça com linkagem para os lugares mais representativos do liberalismo que em língua francesa vai navegando mais ou menos nas mesmas águas ideológicas: conheçam o jornal "Les4vérités" e as suas abundantes ligações para outras páginas de orientação similar. Depois digam o que pensam.

Rascunhos de Elvas

Descobri mais um vizinho: os "Rascunhos de Elvas".
Ora assim se vai preenchendo o mapa do Alentejo... vai já para as ligações aqui na coluna do lado.

Um retrato pessoal

Umas palavras que escrevi ali atrás podem ter dado a ideia de sofrer eu de forte embirração contra o chamado "professor" José Hermano Saraiva. Sinto-me por isso obrigado a rectificar: não estou afectado de tal aversão. Eu até acho graça ao homem, e até encaro com simpatia os seus inegáveis dotes de comunicador e o meritório trabalho de divulgação que representa a sua obra televisiva. Cessa aí, obviamente, o meu apreço - que como "historiador" não pode ele ser levado a sério (lembro-me sempre da inesquecível fórmula com que Fernando Jasmins Pereira caracterizou as suas divagações nessa solene condição: - "a história vista pelo buraco da fechadura").
Descontando isso de não ser professor nem historiador, reconheço que se trata de um talentoso moinho de palavras - e que tal mérito lhe deve ser reconhecido.
Os meus engulhos têm a ver sobretudo com o carácter, ou com a falta dele... a prodigiosa capacidade de pela palavra se manter em tranquila navegação seja qual for o vento que se faça sentir.
E não resisto a contar uma estória pessoal, uma deliciosa estorinha que sem ser de ficção ultrapassa as mais fantásticas criações dos mais imaginativos autores. E contém na sua simplicidade o retrato de corpo inteiro do agora octogenário Dr. Saraiva.
Não vou referir o seu épico discurso como orador oficial das cerimónias do 10 de Junho de 1966, no apogeu da sua devoção a Salazar, nem vou falar do seu precoce fascismo - aos 16 anos, ainda no Liceu, já se fez notar nas fileiras da efémera Acção Escolar Vanguarda, que antecedeu a Mocidade Portuguesa e breve caminhou para o redil do regime.
A estória a que me refiro vivi-a eu num dos anos oitenta do século que passou. Fazia eu então parte de uma instituição oficial, que não posso identificar, onde por vezes se realizavam umas conferências com pretensões culturais, por personalidades convidadas, segundo um critério que se relacionava com a sua notoriedade pública. Chegados a um certo dia 30 de Novembro, à noite, houve mais uma dessas conferências, promovida pelos responsáveis máximos de tal instituição, e o convidado que se apresentou perante o auditório era nem mais nem menos que o espantoso Dr. Saraiva.
Estavam presentes, rigorosamente, 138 a 140 pessoas, e creio que muitos se lembrarão. O Honesto Saraiva, como também já foi conhecido, lá foi apresentado superlativamente por quem o tinha convidado, e depois botou faladura.
Neste ponto atingimos o essencial desta narrativa: o método do Dr. Saraiva. Tudo muito simples: antes de abrir a boca ele absorve o ambiente. Ausculta os ventos dominantes. E depois põe o moinho em funcionamento. Sempre com agrado geral - pois claro!
No caso concreto, ele tinha razões para crer, pelo que sabia de quem o tinha convidado, de quem o rodeava na mesa de honra, e por outros sinais da casa, que estava face a um público de sensibilidade esquerdizante. E vai daí vá de puxar pela verve e pelo sarcasmo, de mistura com a autorictas do historiador, para fazer chacota com a expansão portuguesa, pôr a ridículo a historiografia valorativa de feitos e heróis, arrastar pela lama as misérias e crimes que ficaram a marcar a lusa presença pelo mundo... tudo com óbvio sucesso, e saída em glória com os louros de avançado e progressista intelectual rendido às duras verdades.
Fui dali para casa era já noite avançada, extasiado face às capacidades miméticas do grande Saraiva. Mas o melhor estava eu ainda para ver. Na manhã seguinte era 1º de Dezembro, que como se sabe é feriado nacional e nesse ano calhou a um sábado. Saí de casa para cumprir o ritual que durante muitos anos mantive no 1º de Dezembro: nessa manhã às 11 horas perfilei-me perante o monumento aos Restauradores, em breve homenagem, depois caminhei até à Sé onde assisti à Missa solene em memória dos ditos Restauradores, passei ainda no Palácio da Independência a cumprimentar alguns amigos da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. E finalmente dirigi-me para o almoço.
Durante anos a fio, estivesse onde estivesse, não falhava o almoço anual da LAG (Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa), em todos os dias 1º de Dezembro. Era um ritual de fidelidade e de celebração em que não queria deixar de marcar presença. Na ocasião a que me refiro procedi como de costume, e após arrumado no sítio que me coube, passada a confusão dos cumprimentos e abraços, reparei no convidado de honra: o José Hermano Saraiva!
Cabe aqui explicar que estes almoços tinham sempre um convidado de honra, a quem competia o discurso principal, escolhido de entre as pessoas que tinham na sua trajectória passada uma ligação marcante à Mocidade Portuguesa (no ano seguinte creio que foi Baltasar Rebelo de Sousa).
Ainda mal refeito da noite anterior, aguardei pelo discurso de Saraiva. Uma vez todos devidamente almoçados (também aqui estavam presentes cento e cinquenta e tal pessoas, e algumas estarão lembradas disto), o presidente da sessão (a presidência pertenceu sempre a Luiz Avillez) proferiu algumas palavras e introduziu o grande orador - o célebre Prof. Saraiva, o ilustre ex-ministro de Salazar...
Nem queiram os senhores saber! O celebrado homem público levantou-se, fremente de emoção. Pigarreou, como é próprio das grandes almas em transe comovente. Respirou fundo. E arrancou das profundezas do seu ser um discurso de exaltante evocação da Mocidade Portuguesa, da beleza imorredoira dos seus princípios, da grandeza de Salazar, da sua honra e da sua fidelidade eterna, de servidor apaixonado do ideal que ali nos reunia...
Foi de levar às lágrimas os nostálgicos e sentimentais auditores! E saiu em triunfo, embalado na admiração geral.
O único dos presentes que o tinha escutado doze horas antes era eu...