O guerrilheiro
Ei-lo erguido no topo da serra,
Recostado no seu arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Não conhece – não vê outra luz.
Viu a terra da pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
Era noite, sem lua, sem nada,
E debaixo do negro docel,
Reluzia-lhe a fronte crestada,
Relinchava-lhe o negro corsel.
Fora noite talhada à sortida:
Fora d’horas quem há de velar?
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
Eia, sus, ó meus bons camaradas,
Desse somno por fim despertae;
Além tendes as vossas espadas,
Eia, sus, bem depressa afiae.
Vae a terra da pátria vencida,
Quem da lucta se pode escusar?
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
“Que me siga quem tem a vaidade
“De ouvir balas sem nunca tremer;
“Que me siga quem quer liberdade,
“Quem não teme na lucta morrer.
A estranhos a pátria vendida
Pede braços que a vão libertar.
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
Já povoam os eccos da serra
Os sons rudes do altivo clarim;
E d’envolta com os gritos da guerra
Vão em roda cantando-lhe assim:
“Eia, avante, que a pátria aggredida
“Quer seus filhos na lucta encontrar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
Sopra o vento, desfralda a bandeira,
A que os livres à guerra chamou;
A que nunca na guerra estrangeira,
De vendida ninguém alcunhou:
Por um santo varão foi benzida,
Não na podem estranhos prostrar;
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
Era noite; mas noite calada,
Sem estrellas no céu a luzir;
Fora noite dos santos fadada
Para a terra da pátria remir.
“Se esta lucta por nós for vencida,
“Póde a terra da pátria folgar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
“Adeus serra, calada gigante,
“Erma filha do meu Portugal;
“Adeus terra que inspiras distante,
“Este canto sentido e leal!
“A estranhos a pátria vendida,
“Pede braços que a vão libertar.”
- Pula o sangue, referve-lhe a vida;
Vinde ouvir lhe seu rude cantar!
II
Não faltava ninguém no combate,
Não faltava na lucta ninguém;
Só depois - já depois do embate,
Rareava nas filas alguém.
Foi acção por acção decidida;
Vinde os mortos no campo contar!
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!
Era dia: nas armas luzentes
Vinha em chapa batendo-lhe o sol;
Mas nem todos dos lá combatentes,
Viram brilho do immenso pharol.
Pela terra de sangue tingida,
Mais de um bravo se via rojar.
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!
Vencedoras as Quinas ficaram,
Vencedoras ainda uma vez;
Mas de pranto depois as regaram,
Quem lhes dera valor portuguez.
Lá ficara uma espada esquecida
Sem que o dono a pudesse zelar.
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!
Desabando do topo da serra,
Lá deixara o fiel arcabuz:
De pequeno creado na guerra,
Viu na guerra extinguir-se-lhe a luz.
Vira a terra da pátria aggredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
- Pula o sangue, referve-me a vida;
Vinde ouvir-me meu triste cantar!