domingo, fevereiro 29, 2004

Que se passa em Évora?

Pergunta a "Planície Heróica", e muito bem. Depois de uma fase animadíssima, veja-se o panorama: "O Chaparro", "Évorablog", "Évora dos Pequeninos", "Évora Sim", "Vivaz", "Abrótea", "Alma Mater", "Sala de Conversas CME", "Évora Comentada".... parece tudo atacado por implacável filoxera, uns paralisam, outros morrem ...
O que se passa em Évora?

Temos mulher?

Uma professora da Universidade de Évora, Manuela Magno, anunciou a sua candidatura à Presidência da República. E vai começar a recolher assinaturas.
Sendo pessoa das artes, e logo da música, merece à partida a minha simpatia.
Tendo em conta as suas declarações à TSF, destaco a sua convicção expressa de que é preciso alguém que não esteja ligado a partidos políticos (estou de acordo!), e o seu programa político, sintetizado no propósito de criar alegria no país.
Também apoio, que isto parece uma reserva de gente sem graça nenhuma, cinzentões a declamar banalidades em tom cerimonioso.
Vejam a notícia no "Notícias do Alentejo".
E juro que não conheço a senhora!

Manhã bissexta

Hoje acordei com a sensação de ter acordado. É estranha e diferente. A cabeça pesava e os olhos fugiam da luz, mas não como nos outros dias. Habituado a levantar-me com a impressão de quem não dormiu, tardei a perceber o que se passara.
Mas foi assim. Insensivelmente, durante a noite, tinha adormecido profundamente. Dormi quatro ou cinco horas de sono fundo, sem interrupção nem alerta. Não acontecia há anos, e o levantar de hoje teve um sabor esquisito. Um sabor de outros tempos e outros lugares, perdidos, e guardados, nas gavetas da memória.
Fiquei depois a olhar o sol, pelas janelas da sala. Pelas janelas da alma. Sol de Inverno, mas claro e luminoso.
Veio-me de dentro o som balançado de uns cantares de Portel que ouvi muitas vezes, um hino à vida que todos dias cai e todos os dias se levanta. “Já lá vem nascendo o sol/ já lá vem minhas alegrias/ nunca ele se faz velho / pois nasce todos os dias ...”
O cantar do Alentejo causa-me sempre o mesmo deslumbramento nostálgico, no som grave, que vem das profundezas da terra e arranha as profundezas da alma, e nas palavras, expressão simples de uma sabedoria imensa e milenar. Há anos, muitos anos, fiquei pasmado, a sentir, e a meditar, quando num grupo de cantadores de Moura o ponto arrancou assim: “O Sol é que alegra o dia/ Pela manhã quando nasce..../ Ai de nós o que seria/ Se o Sol um dia faltasse...."
Grande poeta é o povo!

sábado, fevereiro 28, 2004

Alentejo na blogosfera

Venho a constatar dois pontos de afirmação dos blogues alentejanos, que dificilmente podem ser explicados como simples acaso.
Por um lado a tendência para o visual, a aposta na comunicação pela imagem; por outro a incursão gastronómica como tentação recorrente, por vezes também tratada de uma forma quase pictórica, além de sensitiva, e sempre como marca distintiva de uma forma de ser e estar.
Isto é, a comer é que a gente se entende; e os olhos também comem ...
Examinem o "Alentejanando", o "Alentejão", o "Alandroal", o "Praça da República", o "Ao Sul", o "Noites Alentejanas", que descobri recentemente, e vejam se tenho ou não razão na observação.

Os estragos da nação

Muito interessante o trabalho de Pedro Almeida Vieira. Conhecia da "Grande Reportagem", tinha reparado na edição do livro "O Estrago da Nação" (da D. Quixote) e estive a ver os blogues em que se desdobrou: "O Estrago da Nação" e as "Reportagens Ambientais".
Do melhor que se faz a nível da blogosfera, em Portugal, sobre a temática do ambiente e do urbanismo. Acrescento-lhe "Os ambientalistas", que também visito, e eis o que nesse campo me surge a merecer mais destaque de entre a blogosfera com preocupações centradas na qualidade de vida, no desenvolvimento sustentado, no ordenamento do território.

Encontro e desencontros

A esta hora decorre o convívio entre bloguistas que foi organizado em Beja, por iniciativa dos responsáveis do "Praça da República" e do "Ao Sul".
Aqui, frente ao teclado e ao écran, em casa, medito sobre a perda e a renúncia, ou de como é precária a nossa condição - como é frágil a ilusão da liberdade.

Ficção Científica & Fantástico em Portugal

Depois de escrever o postal anterior, sobre Ray Radbury, lembrei-me de Robert Heinley. Lembro-me muitas vezes de Heinlein por causa do título de uma da suas obras mais conhecidas, "Um Estranho Numa Terra Estranha". É como me sinto a maior parte do tempo: um estranho numa terra estranha. E procurando encontrei uma enciclopédia online dedicada ao tema "Ficção Científica & Fantástico em Portugal".
Foi uma surpresa extraordinária: com tranquila simplicidade apresenta-se ali um volume de informação sobre a literatura enquadrável nessas designações genéricas publicada em Portugal, e em língua portuguesa, que temos de classificar de formidável. Tanto mais que resulta do trabalho de um único responsável, Jorge Candeias.
Merece a gratidão de todos os interessados. Num tempo destes, é realmente assombroso que alguém ofereça tanto sem pedir nada em troca; tem que ser amor, acho eu.
E para terminar em homenagens, a digressão no lugar referido trouxe-me outra lembrança: Eurico da Fonseca. Os leitores lembram-se de Eurico da Fonseca? Ao menos dos comentários na televisão, qundo se tratava da conquista do espaço? Quanto lhe deve a literatura fantástica e de ficção científica em Portugal! São dezenas e dezenas de traduções, um trabalho constante de divulgação, uma paixão que durou décadas, uma vida. Não creio que tenha recebido muitas homenagens; fica aqui a minha, sincera e grata.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Livros e televisões

Em “Fahrenheit 451”, hoje um clássico da literatura fantástico-científica, a sociedade descrita por Ray Bradbury, como acontece em outras utopias futuristas, não segue o padrão dos regimes concentracionários até então conhecidos.
Ao contrário, é uma sociedade baseada no consumismo desenfreado, na criação e manutenção de um falso bem estar, na estupidificação e alienação dos indivíduos, como meios de garantir o controle total por parte do sistema. A sociedade em que os escravos são levados a amar as próprias cadeias.
Curiosamente, a televisão é omnipresente, o instrumento fundamental para assegurar a conformidade e uniformidade das mentes e dos comportamentos.
Um gravíssimo delito que as forças da ordem se dedicam a combater é ... possuir livros. A essa tarefa se entregava também o herói do romance, Guy Montag, até que desperta e resolve afrontar o Destino.
Um pormenor notável, que me fez recordar agora a obra, é que esta antevisão negativa da sociedade futura foi escrita em 1953.
Como terá Radbury imaginado o papel que a televisão viria a assumir numa tal sociedade?

LIBERDADE

"Porque o homem livre é aquele a quem tudo acontece como ele deseja, diz-me um louco, quero também que tudo me aconteça como me agrada. Eh, meu amigo! A loucura e a liberdade não se encontram nunca juntas. A liberdade é uma coisa não sòmente muito bela, mas muito racional, e não há nada mais absurdo e menos razoável que desejar temeràriamente, e querer que as coisas aconteçam como nós as havíamos pensado. Quando tenho de escrever o nome de Dion, é preciso que o escreva não como quero, mas como é, sem lhe mudar uma única letra. Passa-se o mesmo em todas as artes e em todas as ciências! E tu queres que, na maior e mais importante de todas as coisas, quero dizer a liberdade, reine o capricho e a fantasia! Não, meu amigo: a liberdade consiste em querer que as coisas aconteçam não como te agrada, mas como elas na verdade são".
EPICTETO

Militares na rede

Para milhares e milhares de portugueses, a grande experiência das suas vidas foi e continua a ser o tempo do serviço militar.
Tanto no que teve de convívio juvenil e camaragem fraterna, como de sofrimento e superação; como até no que lhes permitiu entrever e intuir quanto à outra dimensão da Pátria, aquela que se oculta e esquece - o imenso Portugal metafísico, para além do espaço e do tempo, feito de sonhos e aventura.
Por isso mesmo, a marca que ficou em tantos milhares de pessoas, parecem muito escassos os locais da rede dedicados a recordar e perpetuar os laços que ficaram a unir tanta gente, em tantos cantos do mundo.
Como exemplo dos muitos que deveriam existir, cada um a recordar e proclamar orgulhosamente a experiência singular de cada grupo, indico dois sítios que encontrei casualmente: a "Associação dos Militares de Oecussi", constituída por ex-militares que viveram a tropa nesse longínquo território da Oceania, e os "Comandos de Portugal", feita pelo pessoal de uma companhia dessa tropa especial que teve a sua experiência ultramarina em Moçambique.
Que muitos outros surjam como testemunho e memória, é o voto que eu deixaria a todos os militares e ex-militares.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

A crise

A blogosfera está em crise. A afirmação, solene, tem feito caminho de há uns tempos para cá. No clube não há duas opiniões. Está em crise – dizem as vedetas, da mesa do canto. Está sim senhor, dizem os bonzos, com ar contristado. Está mesmo – confirmam os notáveis, de monco caído.
Um observador objectivo não vislumbra sinais de crise. Há mais blogues e bloguistas do que nunca. A afluência vai regularmente batendo recordes em número de visitantes. Proporcionalmente a comunidade blogueira portuguesa é das mais significativas do mundo. E o crescimento ainda não deu sinais de parar.
Então onde está a crise? Quantitativamente não há nada que a confirme. Qualitativamente, há de tudo – como seria de esperar da abundância.
Onde está então a crise? Os lamentosos comentadores não confessam. Mas eu sei onde lhes dói.
O problema é que isto mudou. Encheu-se de gente esquisita e estranha, desconhecidos, saídos sabe-se lá de onde, que nunca escreveriam no jornal nem as redacções sabem quem sejam, gentinha que nunca seria admitida a comentar no telejornal, povinho sem o sentido das conveniências nem o respeito pelas regras do clube.
Antes é que era bom. Todos se conheciam, podia falar-se à vontade, podia debater-se (– vamos agora a uma polémica!), podia conviver-se (acabou a polémica – vamos a uma bacalhauzada!). Era uma maravilha – todos tão unidinhos, todos tão diferentes todos tão iguais, tão bemcomportadinhos, tão direitinhas e tão esquerdinhas, todos geniais, vénias para mim salamaleques para ti, beijinhos à prima ...
A crise, afinal, está no sentimento de perda dos donos do clube.

Sondagens em linha

Num jornal digital e noutro na versão on-line, estão a decorrer sondagens sobre a necessidade ou não da realização de um novo referendo sobre o aborto.
No Público, na secção "inquéritos", a pergunta é: o referendo sobre o aborto deve ser repetido antes de 2006?
No Diário Digital, na secção "sondagem", a pergunta é: deve realizar-se um novo referendo sobre o aborto?
Mostrem a vossa opinião, e chamem a atenção para outros interessados.

Contos irlandeses

Aos entusiastas do imaginário céltico, do mundo mágico das lendas, dos mitos, das histórias, da literatura e da música irlandesas, indico um sítio que descobri agora e que constitui um bom porto de partida para outras navegações.
É o "Contes-Irlandais", está em língua francesa, mas com ligações a outros locais sobretudo de língua inglesa.
Boa viagem!

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Ainda sobre "A Paixão"

Em aditamento ao comentário anterior, venho acrescentar que de acordo com as agências o filme de Mel Gibson estreou hoje em precisamente 3006 (três mil e seis) cinemas americanos. Um número espantoso, só atingido pelas superproduções lançadas pelas grandes distribuidoras (que recusaram este filme, depois de devidamente pressionadas).
Uma lição é possível sublinhar desde já: só a extraordinária mobilização desencadeada à escala universal permitiu alcançar este resultado. De outro modo a sorte do filme teria sido idêntica à de outras iniciativas vetadas pelas usuais centrais de controlo do pensamento único. E essa mobilização teve como terreno de eleição a internet. Só a imensa rede constituída pelos cibernautas que exigiram o filme abriu as portas a esta exibição massiva de uma obra que chegou a estar seriamente ameaçada de nem chegar à exibição pública. É um exemplo das potencialidades da net, meio que não pode ser controlado da mesma forma rígida que o são os grandes meios tradicionais de comunicação de massas (os quais ou ignoraram ou hostilizaram a obra em pré-julgamento), e fica já a constituir um caso de sucesso do que se pode chamar cibercombate.

A Paixão

Hoje, quarta-feira de cinzas, estreou em cerca de dois mil e quinhentos cinemas americanos o filme de Mel Gibson "The Passion of the Christ".
A polémica que o envolveu desde o início transformou o filme num acontecimento; e só o tempo poderá ajudar a esclarecer o que neste acontecimento existe de artístico, de comercial, de religioso, ou até de político.
Como em tantos assuntos, não tenho opinião formada. No aspecto artístico, porque evidentemente ainda não vi o filme - e portanto nem sequer posso dizer se gosto, quanto mais dissertar sobre méritos e deméritos de uma arte em que estou longe de ser entendido. No aspecto comercial, porque é muito cedo para saber se virá a acontecer o furacão que alguns anunciam, ou o fiasco que outros anunciaram. Do ponto de vista religioso, idem: só com o conhecimento do filme, e das suas repercussões, será possível fazer um juízo mais acertado. Finalmente, no plano político: tudo depende do que se vier a passar nos planos restantes, e não só nesses.
Poderá vir a ser um verdadeiro acontecimento, marcante da nossa época? Ou será um acontecimento mediático, habilmente montado, que num dia monopoliza as atenções do mundo e no outro dia se esquece sem deixar nada nos espíritos, porque lá dentro não há nada - como um balão que se desfaz e deixa ver que está vazio, uma espécie de Harry Potter a puxar para o dramático?
Estas as questões que me ocorrem, e que sinto curiosidade em ver satisfeitas. Para já, porém, não posso deixar de anotar que aquilo que tornou o filme um acontecimento ainda antes da estreia foi a atitude das patrulhas ideológicas que mesmo sem ele existir se encarniçaram contra ele. E este ponto pode ajudar a dissipar a suspeita de intrujice que sempre me assalta quando vejo gente da indústria das fitas a mexer em assuntos sérios.
Mas aguardarei sem precipitações.

Três votos

De saudação ao Grupo dos Amigos de Olivença, e ao seu presidente, pela publicação de um novo número do boletim.
De boas vindas a um novo blogue, o "Pardeeiro", que apesar dos riscos da construção nos pareceu francamente frequentável.
E de pronto restabelecimento para Mário Rodrigues, para que ainda por muitos anos faça ouvir a sua voz de lutador inconformado.

terça-feira, fevereiro 24, 2004

Diminutivos

Nunca tive paciência para diminutivos. Irritam-me, sobretudo quando surgem manifestamente inadequados ou ridículos, considerando o objecto designado.
O uso e o abuso nunca me sugeriram sensibilidade ou ternura mas sim infantilismo e cretinização.
O maior exemplo é uma partida de futebol brasileiro: fico sempre abismado desde as apresentações, a olhar para aquela profusão de Nélinhos, Xiquinhos, Eduzinhos, Cácázinhos. Em cada onze há nove ou dez que se designam por qualquer coisa com terminação em inho. Olhando aqueles matulões todos fico sempre espantado perguntando-me se os alarves não se sentirão incomodados por ser tratados como se estivessem no jardim de infância.
Pior ainda é a política americana: parece que para estabelecer cumplicidade afectiva, familiaridade e identificação com as massas um político de carreira precisa de ser conhecido por Bill, Jimmy ou Ronnie. Até um notório brutamontes para ser candidato (e ganhou!) crismou-se de Arnie.
Enfim, isto deve ser próprio de povos adolescentes (pensava eu). Por cá, mesmo assim, a mania apresenta-se mais discreta, mais circunscrita a alguns círculos sociais, a umas tantas revistas de sociedade, menos espalhada e normalizada pelo conjunto da sociedade. Mas a ver vamos, que estamos ameaçados de uma enxurrada de Cinhas, Bibás, Pacholas, Kikis, e sei lá que mais, a correr atrás do Pedrinho e do Paulinho, que têm sido levados a sério em meios onde seria de esperar responsabilidade e bom senso.
E ocorreu-me isto por ter deparado com a publicidade a uma série de espectáculos de um conhecido fadista. O homem é a meu ver o único grande intérprete de fado da geração presente. O seu trabalho merece todo o aplauso e consideração. E quem diz isto gaba-se de ser especialmente exigente a este respeito, porque gosta muito de fado – embora receie seriamente que, tal como acontece como o cante alentejano, seja uma espécie em vias de extinção.
O que se estranha é que a identificar o rosto que nos surge em todos os cartazes esteja o nomezinho “Camané”. O homem tem nome, chama-se Carlos Manuel, e o apelido é Moutinho, uma vez que esse é o nome do pai. Mas continua a aparecer por aí com o chamativo de “Camané”. Que diabo, quando era criança e apareceu na Grande Noite do Fado ainda se admitia que fosse “Camané” (era de mau gosto, mas enfim, cada qual sabe do que gosta). Mas agora, um homem adulto, quarenta anos feitos, não sente vergonha de tão possidónia mariquice?

Como o tempo passa!

Eu ainda sou do tempo .... em que um blogue como o "Fascismo em Rede" provocava um terramoto tal que só de ouvir a berraria indignada a gente julgava que o mundo estava a acabar.
Agora está o "Fascismo em Rede" há mais de quinze dias e o mundo continuou a girar indiferente ...
Não há dúvida: o mundo já não é o que era.

Avestruz Lírico

O título "Avestruz Lírico" pertence a um livro de António Manuel Couto Viana, que assim orgulhoso se apresentou na arena literária, em deliciosa ironia desafiando os ditames do neo-realismo então pesadamente dominante.
E de avestruz lírico me apetece também vestir-me, quando a crueza da realidade envolvente impele à fuga e à evasão libertadoras.
Hoje, em novo acesso de lirismo, tenho um outro poema do Conde de Monsaraz, notável pelo poder descritivo e evocativo da cena campestre que descreve, e, como todos os sonetos, que devem valer pelo último verso, sobretudo por aquela inquietação final, quanto à alma ...
Por mim confesso que nunca resisto a pensar, ao lê-lo, que já tenho ficado a interrogar-me se alguma alma existirá por trás dos olhares bovinos de certas alimárias ...


Os Bois

Na doce paz da tarde que declina
Após a faina sob um sol ardente,
Vão os bois recolhendo, lentamente,
Pelas vias desertas da campina.

Atravessam depois a cristalina
Ribeira e ao flébil som da água corrente
Bebem sedentos, demoradamente,
Numa sensual rudeza que os domina.

Mas quando, fartos de água, erguendo as frontes,
Os beiços escorrendo, olham os montes,
E ouvem cantar ao alto os rouxinóis,

Eu fico-me a cismar, calado e triste,
Que um mundo de impressões, que uma alma existe
Nos olhos enigmáticos dos bois!

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Católicos

Os católicos contam com um novo blogue: "A Casa de Sarto".
Bem vinda seja, e que seja uma casa construída na rocha - e não sobre a areia.
A esse propósito, recordei com afecto o meu amigo Gérard Leroux (Roger Delraux), e também a sua devoção à Ordem de São Bento.
Que será feito dele? Andará a refazer o "Routier des Abbayes Cisterciennes"?
Em aceno de amizade para com o Gérard, faço constar aqui a ligação para um convento como São Bento os queria: o Mosteiro da Santa Cruz.
Nunca esquecerei que o Gérard um dia apareceu com a ideia de que eu teria vocação para monge cisterciense...

Grupos ecologistas

Em prol da natureza e do ambiente nasceram e desenvolveram-se em Portugal diversos movimentos.
O primeiro na ordem cronológica e na importância é a LPN - Liga para a Protecção da Natureza. Tem a particularidade de ser uma das mais antigas organizações do género, mesmo a nível mundial. Não nasceu de modas recentes - foi inspirada pela campanha de preservação da Arrábida encetada pelo poeta Sebastião da Gama e iniciou a sua actividade há décadas atrás (em 1948).
Para alentejanos lembrarem, tem uma delegação regional na Rua de Machede, em Évora.
Existe depois, com sede no Porto, uma instituição meritória que dá pelo nome de "FAPAS - Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens". Também tem uma delegação aqui na região, instalada em Vila Viçosa.
Existem outros grupos, bem conhecidos, como o "QUERCUS" e o "GEOTA".
Todas as organizações estão referenciadas no portal "Eco-Nac", salvo algum lapso.
Por vezes os esforços convergem em iniciativas conjuntas, como é o caso da plataforma "Saborlivre".
E termino este postal, com a recordação comovida dos meus tempos do Sabor - alentejano perdido e adoptado em Trás-o-Montes, andarilho extasiado por aquele rio desde os passos mais ignotos até ao descanso final, nos braços do Douro.
Da Vida, da Terra e do Homem, tanto ainda para guardar!

Defesa da Vida

Sobre estes temas "fracturantes", para aproveitar o vocabulário em uso, como são o abortamento ou a eutanásia, ou a droga, não tenho dúvidas que o pensamento daqueles que nos governam coincide no essencial com aquilo que diz o Bloco de Esquerda.
Esse pensamento não é o de uma franja socialmente marginal, corresponde à ideologia instalada em meios sociais determinantes da opinião do todo, como são as camadas jornalísticas, intelectuais, artísticas, políticas, até economicamente dominantes. O tal Berloque de estimação de todos esses grupos privilegiados apenas diz em voz alta o que eles dizem em "off" - e não querem dizer em público por razões meramente de conveniência.
Porém, daí não decorre a inutilidade do combate; ao contrário, impõe-se a luta persistente e tenaz, primeiro como disciplina própria e caminho de perfeição (Deus não manda vencer, mas manda lutar), depois por ser a única forma de erguer as bases da resistência nos corpos sociais ainda não dominados.
Chamo por isso a atenção de todos os grupos envolvidos activamente nos combates do nosso tempo para a importância de reforçar as trincheiras das organizações que se batem pela preservação e defesa da vida e da família - como são o Movimento Mais Vida Mais Família e o Juntos Pela Vida.

domingo, fevereiro 22, 2004

Ecologia Integral

O mundo é herança e continuidade, não uma invenção arbitrária.
Em parte porque a vida moderna afastou o homem cada vez mais da natureza foi-se perdendo o sentimento dessa verdade fundamental. Charles Maurras compreendeu a importância do problema, numa época em que os entusiasmos de outros filósofos ainda estavam no industrialismo sem limites, na crença do progresso entendido como uma marcha linear motorizada pelas leis da produção. Foi esse o sentido do seu propugnado "retour aux champs".
Por saber de experiência sentida que o homem faz parte de um todo que o transcende e o integra, eu, camponês e alentejano, costumo sentir como minhas as causas da preservação ambiental. Para que possamos dizer orgulhosos para as gerações seguintes: transmiti-vos o que recebi.
Apoio por isso a perspectiva daqueles que, longe de folclorismos exóticos que vêem nos animais ou nas coisas direitos que não vêem nos homens, conhecem a importância do meio ambiente para a preservação da nossa vida, da qualidade e dignidade dela, e lutam pela defesa dessa parte do nosso património, como outros combatem pela preservação das outras realidades da nossa circunstância, e que definem o que somos - sempre um ser em situação. Seja a nossa língua e cultura, sejam as nossas instituições de enquadramento tradicionais, a família, a nação, os agregados regionais, os traços identitários que nos definem - numa palavra, tudo o que mantém vivas as raízes e assegura a vitalidade e o futuro da comunidade.

Um alentejano útil

Para falar de Luís Amaro nada melhor me ocorreu que a expressão de Bigotte Chorão, há uns anos, ao escrever sobre Giuseppe Prezzolini. Não porque entre o poeta de Aljustrel e o grande escritor italiano haja muitas semelhanças, mas há inegavelmente essa, a utilidade.
Luís Amaro é um homem discreto, tão discreto que poucos dos seus contemporâneos o conhecem, mesmo entre os frequentadores dos meios literários. E todavia poucos podem apresentar uma folha de serviços tão preenchida, um labor tão vasto e meritório sempre em prol da cultura, da literatura, e especialmente da poesia, seu terreno de eleição.
Luís Amaro é um autodidacta, feito na escola do jornalismo e do trabalho numa livraria e editora; mas desde o tempo da revista de poesia "Árvore", seguidamente da "Távola Redonda", que se assumiu ele próprio como autor, poeta de mérito que escolheu apagar-se para se dedicar inteiramente a um trabalho decisivo e essencial mas que só aos outros trouxe reconhecimento e notoriedade públicas.
Estou a referir-me à revista "Colóquio/Letras", da Gulbenkian, a que ele dedicou uma vida. Quantos ali publicaram sabem quanto devem a Luís Amaro.
Do poeta Luís Amaro, aqui fica um poema retirado do seu "Diário Íntimo".

Aceitação

Saudade que flutua,
Indecisa, em minha alma ...
Vaga sombra que não sei
E me anoitece.

Miragem pálida, esbatida
Pela melancolia ...
Que quereis da minha vida,
Tenuíssima alegria?

Passas por mim, tentando
Dissuadir penumbras ...
Passas por mim, cantando,
E teu canto entristece
Mais o sossego brando
Em que me enleio ...

E fico ouvindo a voz
Inebriante e bela.

E penso em mim. Do passado
Ressuma humilhação.
Quanto sonho frustrado,
Mãe!, quanta decepção ...

Penso em mim. Do presente
Frieza, solitude ...
Tédio por esta gente
Fútil e hostil e rude.

- Não desespero. Faço
Do abandono a estrela
Que, alando-me, liberta
Este destino baço.

Drieux et Poulet

Desde o aparecimento deste blogue, quase sempre ameaçando cair num registo pessoalíssimo ou paroquial, dois fiéis amigos (que nunca vi!) desdobram-se à distância para me transmitir força e coragem para continuar.
Em agradecimento ao Pedro e ao Bruno, destaco hoje e aqui dois autores da especial predilecção de um e de outro.
Para o primeiro fica o sítio dos fiéis de Pierre Drieux la Rochelle, para o segundo o sítio dos amigos de Robert Poulet.
Cá para mim, e já que estamos em onda literária, guardo o sítio dos amigos de Robert Brasillach e também o de Céline (- ah abençoada net, se tu não existisses ...)
A ideia veio dessa maré de cadernos, pois claro. Ficam então propostas estas poderosas personalidades literárias - pode ser que até se encontre alguém que assuma o encargo de os encadernar também, em português ....
E pronto.Chega de navegações. Creio que ficam todos de barriguinha cheia (claro que os restantes leitores também podem servir-se à vontade, nem é preciso dizer).

sábado, fevereiro 21, 2004

Antologia alentejana

Regresso aos poetas da pequena pátria alentejana com um poema do Conde de Monsaraz, publicado na sua “Musa Alentejana”, que me merece particular apreço.
Em primeiro lugar pelo valor do próprio poema: gente bem mais autorizada do que eu já lhe gabou a perfeição, e estou a lembrar-me de Couto Viana, que expressamente o referiu como exemplo numa crítica que publicou no “Tempo Presente” a propósito de Mário Beirão, ou de Azinhal Abelho, no magnífico “Cancioneiro do Vinho Português”, antologia publicada pelas “Edições do Templo”.
Depois, pela evocação sentida do mundo rural alentejano, do viver das gentes, dos dramas e misérias – e da força do canto, que unia e elevava, em formidável transmudação da dor em arte.
Não sei se existirá em verso ou em prosa um quadro mais vivo e autêntico do canto alentejano – é um Malhoa de Reguengos.


Os Bêbados

Os bêbados passam cantando nas ruas
Desertas da aldeia;
Recebem contentes, ao sábado, as jornas
E vão derretê-las à boca das dornas,
De noite, nas tascas, à luz da candeia.

Em chusmas, unidos, é vê-los no escuro
- Que até fazem dó! –
Espectros da fome, sair das tabernas,
borrachos, cantando, cambadas as pernas,
Os olhos mortiços e as bocas em ó ...

Um canta em voz alta; respondem-lhe os outros,
E cresce, enche o ar
Um coro arrastado, soturno, indolente,
E a alma do povo, parece que a gente
A sente cá dentro do peito a chorar!

Trabalham, moirejam de dia, e à noite,
Coitados, lá vão,
Fugindo à gleba, libertos do ancinho,
Embora haja fome, beber, porque o vinho
Alegra e é por isso melhor do que o pão.

Nas praças desertas abraçam-se em grupos,
Meu Deus, que tristeza!
E os braços lhes pesam mais leves nos ombros,
Que o lenho das dores, por esses escombros
Dos rudes calvários, nos ombros lhes pesa.

Os bêbados choram nas noites caladas
Cantando em segundas,
As queixas doridas, os ais e os lamentos
Que às vezes se escutam na leva dos ventos,
Na voz, no marulho das águas profundas.

O génio das coisas soluça naquelas
Tristezas ocultas,
E os tristes borrachos, cantando nas praças,
Sugerem tragédias, acordam desgraças
Que, ó génio das coisas, na treva sepultas!

Um canta em voz alta, respondem-lhe os outros,
E cresce, enche o ar
Um coro arrastado, soturno, indolente,
E a alma do povo, parece que a gente
A sente cá dentro do peito a chorar!

Revista matinal

Na volta de sábado de manhã, faço exame à banca dos jornais.
Surpresa agradável: o "Tintim no país dos sovietes", distribuído com o "Público", onde se contam as aventuras e desventuras do repórter por entre a violência, o primitivismo e a boçalidade do comunismo nascente. Hergé, esse anti-comunista primário ... Para ler e guardar - é um clássico, uma obra-prima.
Mais surpresas: a revista "NortAlentejo", feita a partir de Portalegre e que se dedica essencialmente ao Norte Alentejano (este número viaja entre Estremoz, Elvas, Crato, Monforte...) constitui uma surpresa boa, apesar de algumas peças num tom por vezes um tanto fútil e mundano. E o jornal-revista "Mais Alentejo", com redacção em Beja, que tem crescido em interesse, em qualidade gráfica e diversidade - e tornou-se a principal, ou a única, publicação desse formato dedicada à temática alentejana. Os meus aplausos para ambas.
Vi também a primeira página do semanário do pequeno arquitecto Saraiva, e li uns parágrafos. O horror absoluto. A desonestidade mais perversa e retorcida, a intoxicação consciente e interessada - onde todos os pontos têm nó.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Um poema de Ungaretti

Eis uma poesia de Giuseppe Ungaretti, "La Madre", traduzida para português por Duarte de Montalegre.
Como salienta o tradutor, está "nela bem patente uma base dolorosa, de saudade e de ternura, de desejo profundo de regressar ao passado", embora a acção "se situe no futuro, isto é, no momento da morte" - o acto de "bater a Sombra"...

A Mãe

Quando o peito, num último tremor,
Tiver batido a Sombra,
E ao Senhor me conduzir, ó Mãe,
Como algum dia, me darás a mão.

De joelhos, bem firme,
Uma estátua serás perante o Eterno,
Como já te vi
Quando vivias.

Levantarás tremente os velhos braços
Como quando expiraste
Dizendo: Meu Deus, eis-me.

E só quando o perdão tiver descido
Sobre mim, pecador,
Desejarás olhar-me.

Recordarás que tanto me esperaste,
Nos olhos tendo um rápido suspiro.

ARTES DE CAVALGADURA

1 - Pega-se em tintas de várias cores e espalham-se sobre a paleta. Pranta-se uma tela sobre um cavalete ou mesmo noutro sítio. Recua-se dois passos, contempla-se a tela vazia e, sacudindo a cabeça como quem deita para trás a gaforina, sai-se para qualquer café a conversar com colegas a propósito dos benefícios do modernismo. Volta-se para casa e faz-se uma carga sobre a tela e a paleta. Em gesto largo pega-se no pincel e com gestos miudinhos e velocíssimos parte-se da paleta para a tela e risca-se, mancha-se, divide-se, reparte-se, rabisca-se. Os ignorantes e os muito exigentes dirão que ficou uma borrada. Mas não. É um quadro abstracto da nova e esperançosa geração. Esta é a arte de pintar sob uma sela.
2 - Arranjam-se adjectivos e substantivos bonitos. Alguns pouco usados. Alguns verbos sugestivos. Depois, arranja-se um assunto "forte": a miséria do povo, o trabalho explorado, a opressão contra a "liberdade" (perdão! contra a "consciência humana"). Mistura-se tudo muito bem. Bate-se até fazer espuma. Quem estiver muito raivoso por lhe faltar a inspiração e o talento pode bater não só na tirania fascista e na sociedade ocidental, mas também no que ou em quem lhe estiver à mão de semear. Pode bater na secretária (qualquer que seja). Evite bater com a cabeça nas paredes. Leva-se todo este realismo (novo) a cozer ao lume do esteticismo. Serve-se a um pato. Esta é a arte de bem cavalgar sob uma sela, nas planuras do romance.
3 - "Fenomenologicamente situado em face do ser o autor diflue as super-estruturas da herança metafísica e, em símile espirálico, denuncia as reminescências nomenais do sub-consciente integrado": - Trecho duma crítica literária. Esta é a arte de fazer do ofício crítico uma sela.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Missão

"Decerto, o tempo de hoje oferece-nos uma face ingrata: divisões, sofrimento, corrupção, cobardia, mentira, materialismo, opressão, angústia, náusea, degradação. Mas não podemos reduzir-nos a retrato ou sinal destes tempos, devemos erguer-nos a signo e moldador, a artífices e propulsores, a condutores, enfim. Temos uma função de alquimia, compete-nos transmudar o ferro, o vil metal, em oiro, o metal precioso.
Recusamo-nos a ser dominados pela vileza do momento. Não conseguiremos, decerto, deixar de sentir, dolorosamente, os golpes da nossa época. Mas, como disse Nietzsche, "o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos" e, à imagem de Deus de que somos imagem, temos de ser criadores, redentores e santificadores do mundo. A dor, o sofrimento, a provação atingem-nos? Mas é isso razão para uma obra sombria?
Junqueiro bem viu que assim não era, ao chamar à Dor a "mãe do Universo", ao descobrir no sofrimento das coisas e do poeta a brancura da "Oração à Luz", ao compor versos onde se ensina que, emergindo do sofrimento, "a carne exultará, transfigurada, / como nuvem escura em céu ligeiro / em lhe batendo a luz da madrugada".
Claros hinos luminosos e puros podemos cantar, se quisermos, se vivermos interiormente o desejo de claridade e juventude. É uma construção total, progressiva, ascendente e contínua. Total, porque de todos. Total, porque em todos os momentos. Total, porque em tudo. Na Arte, na Política, na Filosofia, na vida quotidiana, na crítica. Até na atitude religiosa."

Ecologia Integral

Em maré de descobertas, deparo com um novo portal português, ainda em fase de construção mas já com um notável conteúdo em linha.
É o "Eco-Nac" (o nome é feio, mas paciência, não se pode ter tudo), dedicado a temas variados, nomeadamente de ecologia, cultura, política e história, sempre numa perspectiva que foge do convencional e do politicamente correcto.
Ainda bem - que basta de ideologias que há muito deixaram de ser pensadas, chega de respeitinhos, temores e conveniências.
A tarefa em que os responsáveis se meteram é ambiciosa; mas é certo que "nada pequeno é justo e bom"... faço votos para que mantenham a determinação e a força, e persistam, insistam, teimem, renasçam todos os dias com a criadora e indómita energia com que se fazem os heróis.

Marcel Aymé

Em homenagem ao trabalho dos "Cadernos de Marcel Aymé" recomendo também aos leitores a visita à "Société des Amis de Marcel Aymé".
Para todos os admiradores do grande escritor francês, boa leitura!
Para o BOS, muito obrigado!

Presentes no tempo

"O nosso combate é este: - Reagir contra o reaccionarismo que pretenda regressar a formas exclusivamente próprias de épocas transactas, reagir contra o reaccionarismo que se opõe ao movimento aperfeiçoador, contra o reaccionarismo anquilosado e que paralisa, contra o reaccionarismo que nega a acção, contra o reaccionarismo obstrutor; e revolucionar contra as forças centrífugas, contra a dispersão e o particularismo, contra a cega obediência do rebanho, revolucionar contra a corrente que leva ao abismo, revolucionar contra o instinto à solta, revolucionar contra a exclusividade ou primado da matéria, revolucionar contra o fatalismo, o determinismo, o gregarismo inconsciente.
A nossa ideia é esta e, incansàvelmente, a repetimos. Reacção contra a estática, reacção contra a idolatria do que venceu, contra o poderio dos traficantes, contra a corrupção e o desvario dos tempos - isto é tempo presente. Reacção contra o plano inclinado que leva à decadência, reivindicação das abandonadas e desprezadas virtudes, dos soterrados valores, proclamação da verdade e do ideal ascendente, negação do egoísmo e do materialismo, oposição à nebulosidade, à nojenta satisfação ou às realidades aniquiladoras e nauseantes - isto é Revolução, isto é tempo presente. O que nós queremos, ao reagir, é revolver, mudar, transformar, revolucionar, avançar sempre mais além e mais alto. Queremos ser do nosso tempo, contra os erros do nosso tempo, ultrapassando a estaticidade ou a submissão ao nosso tempo - e isto é tempo presente.
Na nossa época é que temos de actuar, nela é que nos foi assinalada uma missão, é ela o nosso campo de batalha. "Toda a época é uma aventura, eu sou um aventureiro. Bela época para mim, a minha época".
Quando tanto se fala, apenas, de melancolia e luto ou de evasão para análises psicológicas e para freudianas válvulas de escape, nós achamos necessário reivindicar os direitos da claridade e da alegria, da confiança e da decisão, da luta e da esperança."

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Boa onda

Depois da iniciativa corajosa dos "Cadernos de Marcel Aymé", eis que surgem os "Cadernos Evolianos".
A blogosfera começa a demonstrar as suas potencialidades para constituir um espaço cultural alternativo aos lugares comuns e às banalidades dominantes.
Que não esmoreça o ânimo aos promotores desses empreendimentos - e que muitos outros acorram, cada um com o seu génio pessoal e único,a reforçar a diversidade e a riqueza da nossa blogosfera lusitana.
Quanto aos entusiastas de Julius Evola e aos simples curiosos, contribuo para a causa com a ligação para a "Fundação Evola", onde poderão uns saciar a curiosidade sobre o autor da "Metafísica do Sexo" e outros colher elementos para aprofundar os seus conhecimentos.
Adianto todavia que a bibliografia de ou sobre Evola é matéria praticamente inesgotável - e que os locais da rede que ao filósofo se dedicam também são já inúmeros.

Eterna Juventude

"Procuremos a Juventude. A Juventude é eterna; façamo-la constante em nós. Ela não é simples idade, mas sim atitude de espírito, sobretudo. Se, naturalmente, uma idade lhe é mais propícia e, naturalmente, a alimenta o corpo, o certo é que, por decisão e fé, por amor e vontade, por ideal e acção, o espírito vence e as deficiências ficam superadas: que a Juventude é procura de Juventude e o humano querer (pensamento, amor, vontade) é criar. A Juventude é uma paixão. Precisamos de sentir, de agir, com força, com violência; com excesso. "O caminho do excesso é o caminho da sabedoria", disse William Blake. Quem não exceda todo o termo alcançado e quem não exceda a sua própria limitação e quem não exceda o amor medido (amor suposto) e quem não exceda a "prudência", esse estagnou ou mineralizou-se: demitiu-se da humana qualidade. Ela é exercício nosso, na ponta duma espada, ela é perigo e combate, ela é vida e vive da nossa morte. A Juventude é crescimento e ascensão. Igual à seiva que sobe desde a raiz, percorrendo o caule e renovando os tecidos, igual ao sangue que empurra o sangue com os glóbulos a devorarem-se enquanto a carne exulta em sua frescura recuperada, assim a Juventude significa perpétua adolescência, isto é, desenvolvimento, trânsito, "pilgrim's progress", ultrapassagem - e esplendor. Como o verde caule, como o sangue generoso e pujante, como a Primavera."

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Abandonos e misérias

O “Diário da República” é certamente o jornal de maior tiragem e mais larga difusão em Portugal – o que não impede que seja pouco lido, pouco apreciado, e largamente desconhecido pelo público em geral.
E justo é que seja assim, já que não há certamente coisa mais enfadonha e desinteressante.
Todavia, de vez em quando, até o “Diário da República” traz leitura de algum proveito e interesse.
Estava eu aqui a ver uma Resolução do Conselho de Ministros em que este aprovou, há dias atrás, uma coisa a que chamou “o mapa Portugal menos favorecido”.
A intenção proclamada é vir a tomar medidas que designa como “discriminação positiva de base regional”.
E enquanto não chegam as medidas temos pelo menos o mapa indicando onde as ditas deveriam ser aplicadas.
Explicando melhor: a douta comissão nomeada pelo Governo tomou como indicador de partida o valor médio do poder de compra global dos portugueses (estão a ver, é aquele índice de que toda a gente se queixa), e usando essa média do poder de compra nacional foi averiguar quais as regiões e Concelhos em que o índice do poder de compra esteja abaixo da média nacional. São os tais do “Portugal menos favorecido”.
Os resultados são arrepiantes. Pensem os leitores: o valor médio do nosso poder de compra é aquilo que é, e não vou explicar em termos comparativos. Cada um sabe por si o que representa esse tal valor médio nacional. Pois então imagine o que sentirão e como vivem as gentes dos Concelhos com menos de 40% (quarenta por cento) da referida média nacional.
Como menos de quarenta por cento da média nacional encontramos Concelhos como Cinfães, Celorico de Basto, Ribeira de Pena, Armamar, Boticas, Penalva do Castelo.
E com pouco mais de quarenta por cento da média nacional encontramos inúmeros Concelhos – desenhando o retrato verdadeiro de todo o interior português. Interior, mas não se pense que se trata apenas de sítios remotos e de nomes exóticos, que a nossa ilustrada e cosmopolita classe política e jornalística nunca ouviu falar. Não, não se trata só de Meda, Penedono, Carrazeda de Ansiães, Freixo-de-Espada-à-Cinta, Paredes de Coura, Penamacor, ou Figueira de Castelo Rodrigo. Basta rumar a Baião ou a Resende, e ali, quase no Grande Porto, o IPC (índice do poder de compra) pouco excede os quarenta por cento da média nacional.
Esse interior pode estar tão perto do litoral das festas do jet-set como o Concelho de Alcoutim, a poucos quilómetros do mais luxuoso Algarve: tem um IPC equivalente a quarenta por cento da média nacional. E percorrendo uma linha que se desenha pelo Guadiana, que inclui Barrancos, Mértola, Portel, Alandroal, é a mesma desgraça: nunca se atinge um IPC que se aproxime da metade da média nacional.
Abaixo dos setenta e cinco por cento da média nacional situam-se, se bem contei, duzentos Concelhos do continente português. Fácil é concluir que o valor médio em questão tem que resultar do facto de existirem outros que têm valores muito acima dessa média – mas estes dados não constam do mapa.
Certamente que o falado índice de poder de compra não mostra tudo. Mas permite, amargamente, reflectir neste país que a passos largos nos preparam: um pequeno território onde em vez de um desenvolvimento em malha homogénea, harmoniosa e solidária temos o abandono de oitenta ou noventa por cento do território, forçando à concentração da população e da riqueza nos restantes dez ou vinte por cento. Um país prodigioso, onde teremos em singular coexistência os problemas próprios das grandes concentrações urbanas com a problemática característica das vastas regiões desertificadas.

LIBELO

"Só conta o momento, o que passa e é superfície. Andamos sôfregos de sensações, ávidos de prazeres, deslumbrados de materialismo prático (....)
A terra, as tradições, as raízes, como o céu, o ideal e a ascensão, cortam-se, destroem-se. Fica, apenas, uma vertiginosa procura de prazer, vário, instável, sem barreiras, cínico. Cada qual só pensa no máximo de conforto e de sensações. O utilitarismo avançou até ao luxuosismo. Todos querem os luxos, mesmo quem não pode tê-los nem possui méritos para uma elevação social. Mas quem não tem posses inventa-as; e é uma onda de exploração e ludíbrio. Ao lado deste frenesim, que entontece e estilhaça, moram a rotina e o burguesismo, que corroem, espapaçam e dissolvem. Remetidas a um pacifismo interesseiro e egoísta, a um não me incomodem, as gentes querem, apenas, comer, beber, dormir, engordar e ir gozando a vida o melhor que se puder. O ideal desses tais é viver num ramerrame, na mediocridade do dia a dia, na fuga à luta e ao excepcional".

LIBRAD

Recebi a actualização periódica da livraria em linha "LIBRAD". Admiro-me e surpreendo-me de novo com a diversidade e a excelência das suas edições, e a disponibilidade que nos proporciona. Que belo exemplo para seguir em Portugal!
Mais livros para ser mais livres....

Uma causa de todos

Está finalmente em rede a página da "APFADA - Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer".
É a única instituição portuguesa de solidariedade criada especialmente para apoiar os que se defrontam com os efeitos devastadores de uma doença que permanece desconhecida para todos os que com ela nunca tiveram que se confrontar.
Nas sociedades contemporâneas, com o aumento da longevidade e do peso relativo da população de idade avançada, ganha cada dia maior expressão a problemática das demências senis.
E na pressa que a todos domina tem sido esquecido esse drama, que é afinal o drama de todas as pessoas incapacitadas, por incapacidade originária ou superveniente.
Com as crianças, é fácil haver solidariedade e preocupações - são bonitinhas, representam um investimento, delas será o futuro ... o que lhes fizermos agora pode bem vir a obter compensação amanhã.
Mas os velhos, os incapazes que esperam a morte, são o rosto feio do que ninguém quer ver. Numa sociedade organizada para o homem produtor e consumidor, toda feita para produzir e distrair-se, não é possível encarar de frente o fardo daqueles que não possuem qualquer valor de mercado (ou que são, digamos claramente, um valor económico negativo, um pesado encargo para os seus e para o conjunto da sociedade).
É este um ponto crucial em que de súbito se descobre a miserável insuficiência das explicações que em tudo procuram descortinar um preço, o jogo da oferta e da procura, o funcionamento do mercado...
Encontramo-nos perante o extraordinário mistério da vida e da morte, do sofrimento e dos afectos, do ser, nosso e do outro, e damo-nos conta que nada disso tem resposta para o que mais importa. Nenhuma concepção do mundo que parta do primado da função económica pode compreender o que no homem há de especificamente humano.
Mas chega de discurso: queria só expressar a minha inteira solidariedade a todos os que se empenham em fazer qualquer coisa, num terreno onde tudo está por fazer.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

POLÉMIA

Depois de ter aconselhado o "Geostratégie" - "quotidien d'intelligence stratégique" - a pensar no amigo Bernardo e em todos os entusiastas de relações internacionais e temática geopolítica, aconselho hoje o "Polémia" - "informations et analyses pour des temps chaotiques", local da rede onde também recolho habitualmente preciosa informação de natureza política, bibliográfica, cultural.
Também tem uma excelente "lettre hebdomadaire" que basta subscrever para ir recebendo directamente na caixa de correio.

O sentido da História

Há frases que são como chaves ou orientação. Há frases que são divisa e norma de vida, que são expressão de toda uma atitude, significado de todo um universo. Por isso, devemos tê-las sempre presentes, repeti-las mil e uma vezes, trazê-las sempre na memória, no afecto, na acção, martelá-las constantemente para que as gentes se repassem delas. Uma dessas frases iluminadoras e criadoras é a afirmação de Nietzsche: "O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos".
Nesta hora confusa e turbulenta, nesta época demissionária e mentirosa, neste globo enlouquecido e tomado pela inversão de valores, nós precisamos de avançar, firmes, e tornarmo-nos conscientes de que "o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos".
Podem vir os comunistas, os materialistas dialécticos, as gentes da moda, as multidões como carneiros, podem vir falar-nos no sentido da História, na fatalidade, na irresistível marcha de um progresso materialista e subjugado às forças económicas. Nós sabemos que, contra a força da matéria, triunfará a força do espírito, sabemos que, contra a fatalidade da economia ou da moda ou duma avalanche de acontecimentos, se levanta o comunicante e criador fogo do ideal e da vontade, sabemos que, contra a bruta imposição da quantidade, surge, a resistir-lhe ou a transformá-la e orientá-la, a qualidade. "O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos".

GOULART NOGUEIRA

domingo, fevereiro 15, 2004

Congresso do Alentejo

Decorre este fim de semana em Montemor-o-Novo o 13º congresso do Alentejo, designado como Alentejo XXI.
Propõe-se “debater os desafios que a globalização lança ao desenvolvimento regional”.
Receio bem que sirva apenas para a classe política local, periférica, dependente e inteiramente submissa, fazer-se lembrada e fingir que tem ideias e projectos – sem ter mais do que discursos, e pobrezinhos.
A crua realidade é esta: o Alentejo representa mais do que um terço do país, e tem como população residente menos de cinco por cento da população. Tem neste momento direito a nove deputados, num total de duzentos e cinquenta.
Em consequência, não pesa nada segundo os critérios de decisão política e económica que regem este sistema. E em resultado lógico disso o panorama não tem cessado de agravar-se.
Actualmente o problema é tão grave que já é ilusório dizer como falam os responsáveis do congresso que é preciso criar postos de trabalho para inverter o processo de desertificação. Na verdade quem queira concretizar qualquer empreendimento que necessite umas dezenas de trabalhadores não poderá encontrá-los aqui: terá que os trazer de fora. Há numerosos concelhos alentejanos que excedem todos os indicadores imagináveis em matéria de envelhecimento. Os locais mais dinâmicos são os lares de terceira idade – e as câmaras municipais, que não são muito diferentes deles.
Segundo os esquemas de decisão vigentes, dada a ausência de qualquer mercado eleitoral ou outro, o destino do Alentejo parece estar fatalmente traçado: um enorme parque de repouso, para lisboetas em pausa de fim de semana, para caçadores, pescadores, turistas, gastrónomos e outras aves de arribação.
Os grandes projectos realizados nos últimos anos no Alentejo foram duas auto-estradas que o atravessam de Norte a Sul e de Ocidente a Oriente – uma para chegar depressa ao Algarve e outra para chegar depressa a Espanha – e com poucos acessos no percurso para que os indígenas não atrapalhem o tráfego.
Existe ainda o gigantesco empreendimento de Alqueva, que ninguém sabe para que serve. E anuncia-se o traçar de uma linha de comboio de alta velocidade, destinada a permitir uma rápida circulação de iberocratas entre Lisboa e Madrid.
Tudo visto, desde que conheço orçamentos gerais do Estado nunca a administração central destinou ao Alentejo mais do que uns quatro por cento dos seus investimentos anuais – que isto nem votos rende. Frequentemente são anunciados na televisão realizações da ordem dos quatrocentos milhões de contos, alternadamente na área da Grande Lisboa e na área do Grande Porto, zonas onde tudo se decide e onde continua a desenhar-se a megalópolis do Portugal do futuro. Parece um jogo de ping-pong: expo para mim, metro para ti, uma ponte cá, outra ponte lá...
No meio, por entre o ruído das centenas de milhões de contos que voam para onde estão os que eleitoralmente contam, anunciam-se de vez em quando umas visitas ao Alentejo de uns senhores ministros para apresentar orgulhosos umas obras de cem mil contos – a requalificação urbana aqui, a nova lixeira acolá ...
Inverter o abandono deste terço do país? Não será certamente com esta lógica de funcionamento do sistema instalado a nível nacional e local. Nunca esquecerei o choque e o desgosto de ver largos sectores da ridícula classe política regional a defender quando da polémica sobre a regionalização uma partilha da própria região Alentejo – para criar regiõezinhas onde fossem eles os reizinhos, mesmo que estas representassem apenas dois por cento dos portugueses e dividissem irremediavelmente o que apesar de tudo ainda constitui uma magnífica realidade cultural, personalizada, única e distinta.
Os sonhos deles resumiam-se aos empregos!
O Alentejo só terá futuro quando no Alentejo imperar uma visão de sólido e são regionalismo, e no País se impuser uma visão nacional nas orientações políticas.

Geoestratégia

Para quem se interesse por estes temas - da geoestratégia, das informações, da política internacional - recomendo um local que encontrei há algum tempo em linha.
Chama-se "Géostratégie - quotidien d'intelligence stratatégique" e possui um vastíssimo campo de leitura.
Tem também uma "lettre d'information" que basta subscrever para estar sempre a par dos assuntos que fazem a política internacional - daquilo que se fala e daquilo que não se fala.
E possui ainda uma excelente livraria, a "Avatar-éditions", com enorme variedade de temas e colecções disponíveis.

sábado, fevereiro 14, 2004

Liceu de Évora

Atenção aos antigos alunos do Liceu Nacional de Évora: já está em marcha a organização do Jantar da Primavera 2004!
Ficou marcado para 26 de Março, e o local do encontro será o ex-hotel Penta, hoje MARRIOTT, em Lisboa.
Falta mais de um mês, mas anotem desde já o acontecimento e preparem-se. Estão todas as informações em linha, no sítio do costume.

“O CASTELO EM IMAGENS”

Pelo segundo ano, o Festival de Cinema e Vídeo “O Castelo em Imagens” sobe à cena em Portel, sob a invocação do castelo e à sombra das suas muralhas.
Portugal, país rico em castelos, tem a sua História e a sua identidade reflectida neles. Repensar os castelos é repensar a nossa existência de povo independente, é reelaborar o nosso caminho de cumplicidade solidária com outros povos.
A segunda edição de “O Castelo em Imagens” avizinha-se, pois, com datas marcadas para o mês de Outubro, entre 4 e 9, coincidindo assim com o dia 7 de Outubro, Dia Nacional dos Castelos. Uma efeméride que já em 2003 esteve na base da ideia.
O certame desenvolve-se em várias secções: “O Castelo no Desenho Animado”, “O Castelo na Mitologia da Aventura”, “Castelos vários", e “O Castelo no Fantástico”, incluindo alguns inéditos em Portugal, em ficção ou documentarismo.
Mas em 2004 acrescenta-se algo de novo: um concurso nacional escolar, destinado a alunos de todas as Escolas e Universidades portuguesas (incluindo Escolas e Universidades de Audiovisual e Cinema, ou de outras áreas da Comunicação Social), procurando incentivar o gosto pelo estudo e pelo cultivo do Castelo em Imagens, quer elas sejam pinturas, desenhos, fotografias, vídeos ou DVD’s.
Tendo por tema “O Castelo” ou “O Castelo da Minha Terra”, este concurso destina-se a promover visões pessoais e investigação escolar em torno dos castelos portugueses. A inscrição das obras a concurso deverá ser efectuada até 31 de Maio de 2004. Para informações contactem a Câmara Municipal de Portel.
E agora, passado este deslize de simpatia, venha ao de cima o meu azedume habitual. Existe uma "Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos", mas no respectivo website (que ao que parece pretendem fechar a não sócios - deve ser para melhor divulgação!) nada se diz sobre isto. E a senhora Câmara de Portel não tem um miserável website próprio. E o "Alentejodigital", tem lá uma página concelhia referente a Portel - que não tem actualizações desde 2001!

Está certo!

Ao que me dizem, os senhores Bush e Blair estão indicados e propostos para receber o Prémio Nobel da Paz.
Acho bem. O senhor Saramago também recebeu o Prémio Nobel da Literatura.

Presidenciais

Estive a examinar a imprensa do dia. A campanha para as presidenciais invade tudo, numa guerra surda e não declarada. Os protagonistas exibem um frenesim só explicável pelo caracter eliminatório desta espécie de primárias.
Cada um no seu estilo, um com escola de associação académica, outro com ronha toda conselheiral, Santana Lopes e Freitas do Amaral multiplicam-se a procurar marcar o terreno ("candeia que vai à frente"... ).
Parecem baratas tontas.
A olhar para eles, expectantes mas serenos ("deixá-los poisar"...), os amigos do Prof. Cavaco parecem aguardar um sinal, ou o momento... Realmente, ainda teremos muito para ver.
Mas... e o Marcelo? E o Monteiro? E o Portas? E o Durão? Bem percebo que prefiram ocupar-se primeiro do problema das europeias, mas lá que isto começa a ser preocupante para a coligaçãozinha...

Uma voz para o nosso tempo

Agradeço ao “Último Reduto” a homenagem que também resolveu prestar a D. Frei Fortunato de S. Boaventura, esse extraordinário teorizador da reacção integral.
“Nós, abraçados com os séculos, queremos aquilo que quiseram nossos maiores e com que foram venturosos; eles querem uma ordem de coisas que só existe na sua imaginação e que apenas aparece no mundo começa com ela a desordem ...”

Novas da tradição católica

No Domingo 15 de Fevereiro, às 11 horas, no Priorado São Pio X, na Estrada de Chelas, 29-31 (junto à Avenida D. Afonso III), em Lisboa:
Missa solene, segundo o rito tradicional latino-gregoriano, celebrada por Monsenhor Alfonso de Galarreta, um dos Bispos pertencentes à Fraternidade Sacerdotal São Pio X.
Esta presença constitui um acontecimento e um estímulo muito importantes para todos os portugueses apegados à tradição católica, pelo que se espera uma comparência massiva e fervorosa.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

É clicar, se faz favor!

Sabia que com um simples clique pode contribuir para financiar a "Ajuda de Berço"'?
Pois é verdade. basta clicar aqui. Só podem todavia clicar uma vez por dia. Cada um, naturalmente. Podem é voltar a clicar todos os dias.
É clicar, é clicar!

Encontro de blogues em Beja

Venho de novo chamar a atenção a toda a comunidade blogueira para a realização de um encontro de bloguistas, em Beja, no próximo dia 28 de Fevereiro.
Trata-se de um sábado, e no programa ganha especial destaque o convívio gastronómico, como seria de esperar de iniciativas alentejanas.
Todos os interessados devem informar-se junto dos promotores da iniciativa – “Praça da República” e “Ao Sul” – a quem cabe todo o mérito.
Queria rectificar a impressão errada que resulta certamente da minha anterior notícia (mea culpa!)– o encontro não está restringido por nenhum factor, geográfico ou outro, pelo que se deseja e espera a presença de todos os interessados, seja qual for a sua proveniência geográfica.
Ou seja, os organizadores e o local da realização estão a Sul, os aderentes podem vir de todos os lados. Entendidos?

“Filosofias”

Todas as “filosofias” são velhas como o homem. Ao que se diz, o primeiro filósofo foi o que discreteou sobre o trabalho, quando, estendido à sombra duma árvore, olhava para um amigo a trabalhar... Quanto a nós, acreditamos numa filosofia mais antiga, gerando-se por constante interinfluência entre o pensamento e a acção. Mas há duas atitudes filosóficas realmente velhas como a trisavó do homem, ou antigas como a maçã de Eva para Adão: não só mas também, diz uma delas; a outra é a filosofia do nem-nem. É esta a da prudência, a do meio termo, a do “não te comprometas”, a do “bem com Deus e com o Diabo”, a do “quem tem rabinho tem medo que lho cortem”, a do “espertinho”, a do “morrer na cama”, a do “vou dar uma volta ou vou dar-te uma volta”, a dos “demo-cristãos”. A outra é a do risco, a do extremo, a da luta, a do viver perigosamente, a da decidida escolha, a da coragem, a do ultrapassamento. A filosofia do nem-nem, incapaz de dar o salto mágico e sair fora do círculo, adiposa, cobarde, achou um subterfúgio e nomeou-se “tensão” ... A essa duvidosa “tensão” estéril, a essa estaticidade, opõe-se a fecunda dialéctica perpetuamente avançante e criadora.

Goulart Nogueira

Mulheres em acção

Na intimidade deste blogue confesso aos meus leitores, e especialmente às minhas leitoras, esperando que não levem a mal, um segredo que normalmente guardo só para mim: não gosto nada de ouvir falar em igualdade homem-mulher, e figuras de estilo associadas. Sou reaccionário demais para me habituar a tal igualitarismo – e incomoda-me a conversa, que sempre me pareceu de péssimo gosto. Geralmente fico a acariciar a barba, e a pensar como hei-de agradecer todos os dias ao Criador ter-nos feito assim diferentes.
Não é que não goste das mulheres – pelo contrário, é por gostar demasiado. Gosto tanto que nunca entendi em que pode uma mulher sair dignificada por ser considerada igual a mim. E, admito, também tenho certo apreço pelas minhas diferenças – do que resulta não encontrar graça nenhuma em que me digam igual a esta ou aquela.
Neste ponto, aliás, acrescento que também me causa incómodo falarem-me que todos os homens são iguais. Sei de alguns com que não me atrevo a comparar-me. E também conheço outros com que não admito comparação alguma.
Vem isto a propósito do elogio que quero fazer ao novo site da Associação “Mulheres em Acção”, e às boas vindas que lhes quero endereçar daqui. O mundo precisa de acção, não de conformismo e ideias feitas no “prêt-a-porter” do tempo – e sempre que os homens falham são as mulheres que dão lições.
Mulheres, mas que cultivem a santa virtude da insolência, como falava Robert Brasillach a propósito de Joana d’Arc, exaltando a “magnífica virtude da insolência”: “não há virtude de que mais precisemos hoje. É um bem precioso que devemos não deixar perder: o falso respeito das venerações falsas é o pior dos males”. “(...) é bom arriscar a vida na insolência, quando não amamos senão as verdadeiras grandezas”.
Senhoras: marquem as diferenças!

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

APORIAS

“A soberania popular, enfim, é a expressão mais contraditória que tem aparecido nas escolas e sociedades humanas; pois, debaixo de qualquer acepção que se tome a palavra “povo”, nunca se mostrará por que guisa se pode ser ao mesmo tempo rei e vassalo, e ficará sempre lugar desembaraçado para esta pergunta: se uma parte do povo é a soberana, quem a investiu em tão eminente prerrogativa? E se todo o povo, sem excepção de pessoa, é rigorosamente o soberano, quem ficará sendo o vassalo, quais serão os venturosos súbditos de tão bem achada soberania?”

D. Frei Fortunato de S. Boaventura

Tempo Presente

No nosso país, existem, desde há muito, senão desde sempre, duas tendências que, em certas alturas, se agravam, monstruosamente. Uma delas baba-se perante tudo quanto o filhinho faz, proclama que nada há melhor do que as coisas geradas em Portugal, alaga-se na nossa “infalível genialidade e genuinidade”, não arreda pé do que já lhe deram todo feito, não abre nem uma greta a qualquer brisa exterior ao seu tuguriozinho, ao seu cantinho, ao seu torrão de açúcar natal... A outra tendência sacode a poeira das sandálias na fronteira da pátria e volta-se lá para fora e cospe cá para dentro; considera que somos irremediavelmente tacanhos e inferiores, ou que nada de bom soubemos ou podemos criar; supõe que português é sinónimo de provinciano e provinciano é sinónimo de rotineiro, papalvo, inferior, primitivo e tosco; entende que só lá fora nascem o génio e a beleza e a inteligência e a arte e o bom-gosto e a inspiração e o espírito; acredita que quanto a estranja propagandeia e exalta é, realmente, magnífico e original e grandioso e renovador e perfeito. Para certos senhores o que é português é implicitamente o supra-sumo; não só temos o que há de melhor, como até possuímos tudo. Para outra gente, somos uns miseráveis e uns incapazes; nada há em que sejamos tão bons como os outros ou melhores; cada epígono estrangeiro vale mais do que os nossos autores cimeiros ou do que uma cambulhada dos nossos criadores. E assim, para os segundos, em nada se nos pode descobrir uma ponta de génio próprio, uma personalidade, uma visão, uma alma, uma forma específicas; enquanto para os primeiros o estrangeiro representa o demónio, a desnacionalização, a perda da nossa adorável ingenuidade. Portuguesistas “históricos”, nacionalistas “chauvinistas”, museus xenófobos, esburgam o osso fóssil das nossas glórias passadas em vez de vivê-las continuando-as, e ganham banhas a deglutir e requentar os restos dos restos dos restos dos temas portugueses... Na rádio, na televisão, no cinema, no teatro, nas revistas, nas conferências, farejam e requerem e exigem coisinhas portuguesas, exploração portuguesa, isolamento português. E quando se pretende informar o nosso país das criações universais do espírito, inserir a nossa pátria na Europa e na Atlanticidade e no Mundo, há logo protestos, desconfianças, avisos, recusas e ataques. Do outro lado, estão aqueles que desprezam, orgulhosamente, aquilo que vem de Portugal, como se viesse de negros selvagens ou pior ainda. E então ignoram o que aqui se inventa e produz, ou desdenham disso. E então aconselham a emigração. E então reviram os olhos de encantado aplauso ao evocarem as obras estrangeiras.
Nós, por nossa parte, desejamos que se valorize o que é português e que se conheça o que os outros países geram e dão ao panorama universal. Pretendemos que se conheçam as obras do mundo e que, com inteira informação e consciência, critiquemos, seleccionemos, hierarquizemos e amemos. Queremos que se assimile, com o nosso génio próprio, a contribuição dos outros povos para o património comum. Modernidade, portugalidade, actualidade não significam, para nós, ignorância ou alheamento da antiguidade e da permanência, nem dos outros países, nem do ecuménico e universal. E europeísmo ou até cosmopolitismo não significa desprezo da peculiar e originalíssima alma portuguesa.

GOULART NOGUEIRA

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Em defesa do ensino do Português

Volto a insistir na petição em defesa da qualidade e da dignidade do ensino do português; esta adesão é muito mais fácil que no caso do Manifesto em Defesa da Vida, basta assinar aqui por via electrónica. Todavia, a lista de assinantes está ainda muito longe daquilo que seria exigível.
Meus amigos: é preciso estar atentos a todas as trincheiras! Deus não manda vencer, mas manda lutar ...
E quando um dia chegar a guerra de movimento estará em vantagem quem previamente ganhou a guerra das trincheiras.

MAIS VIDA MAIS FAMÍLIA

O movimento apela à intensificação da recolha de assinaturas a favor da vida, nos termos do manifesto divulgado a esse respeito.
Recordamos os pontos base: lutar pelo reforço da protecção da vida e dignidade de cada ser humano; por um regime legal de protecção jurídica de cada ser humano, mesmo na sua fase embrionária; por iniciativas legislativas de promoção da família nos domínios fiscal, laboral, habitacional, da segurança social, da saúde e da educação; e por medidas concretas de defesa da vida e da dignidade de cada ser humano, em particular da mulher, e muito em especial de apoio à mãe grávida em dificuldade, bem como ao recém-nascido.
Mobilizem-se! Todas as informações estão disponíveis no sítio acima referido. Se a ligação de cima não funcionar, carreguem aqui.

Marcel Aymé

O excerto que antecede pertence a D. Frei Fortunato de S. Boaventura, que mesmo morto há mais de século e meio (precisamente 160 anos) ainda é leitura de muito proveito, e não menor agrado.
E aproveito esta entrada para saudar a aparição de um blogue inteiramente dedicado a Marcel Aymé, autor que bem merece também atenta redescoberta. São os "Cadernos de Marcel Aymé".
Estão convidados todos os devotos das Belas Letras!

Soberania Popular

“A questão que muitas vezes me tem feito dar voltas ao juízo é a da soberania do povo. Havia sete séculos que se dizia que a soberania estava no rei. Em todo este espaço, Portugal formou-se em reino, ganhou poder, caiu, levantou-se e sempre se engrandeceu. Quem, notando estes acontecimentos, não via que a soberania posta em El-Rei está muito bem posta? Todavia, depois de 24 de Agosto começou a dizer-se que a soberania residia essencialmente na Nação, isto é, que a Nação não é nação sem ser soberana! Confesso que, ouvindo esta doutrina, senti em mim certa comoção estranha, e tal qual se sente pela aparição de fenómenos imprevistos, espantosos, e anteriormente ignorados.
Agora sim (dizia eu), agora é que eu sou gente. Se a soberania é tão doce que para obtê-la se têm sacrificado desde o Dilúvio Universal contos e contos de vidas, que maior ventura que obter agora um quinhãozinho de soberania às mãos lavadas?
Mal parece que um tenha tudo, e outros nada. Se a soberania é um bem, reparta-se por todos, e o quociente dirá quanto cabe a cada um. Com este quinhãozinho de soberania estava eu mais contente que um rapaz com o seu pião, e me lisonjeava de poder dispôr de tão rica aquisição e reparti-la por minha mulher e filhos. Minha mulher, logo que o soube, não cabia em si de alegria, e tal ufania a tomou que já se supunha uma rainha pequena, que lhe enjoava a roca e a costura, já fazia de soberana entre as criadas, e por tal maneira se descuidava do governo da casa que eu me arrependi de lhe ter revelado o segredo.”

Temos veias de lua, olhos toldados,
Bebemos sonho e dispersão aos goles.
Entramos pela noite, embriagados,
E as nossas mãos fazem carícias moles.

Cá dentro escorre música de dança.
Mas as notas são vermes, dentro, em nós.
Qualquer apelo nos corrói, nos cansa,
E qualquer som nos enrouquece a voz.

Vem tu, grito solar, corpo desnudo,
Ó ímpeto da fé que nos aterra!
Tens pés de terramoto e geras tudo,
Ó Ares, Afrodite, Astarte, guerra!


Goulart Nogueira

terça-feira, fevereiro 10, 2004

“Em defesa do ensino do Português”

Sabem quantos me lêem a importância capital que sempre atribuí à Língua Portuguesa e ao Ensino. Esses são campos de batalhas cruciais, onde creio bem que se joga decisivamente o destino de Portugal e as condições do nosso Futuro colectivo – neste tempo em que, abertamente, o que está em questão é já o ser ou não ser.
Pois agora está a correr na internet uma petição que ataca frontalmente os dois temas, no ponto onde ambos se encontram, lançando um alerta sobre o estado a que chegou o ensino da língua portuguesa no nosso sistema de ensino.
Em coerência com a linha de rumo que venho defendendo insistentemente – “desenvolvamos ou criemos a solidariedade com o que existe (..) procuremos lançar a âncora o mais possível na vida real (...)” – exprimo aqui o meu inteiro apoio a essa iniciativa, e chamo todos os que me lerem a fazer o mesmo.
Para “combater a apatia crítica que grassa nas escolas” e lutar pela “dignidade da escola e do ensino”, vamos todos assinar a petição que se encontra em linha.

Lá como cá

Interessante e valioso o artigo sobre a expansão e os métodos da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil, publicado no "Warfare State".
Todos os raciocínios são perfeitamente aplicáveis a outras seitas semelhantes, lá como em qualquer parte; e para portugueses torna-se curioso verificar como tudo é idêntico no desenvolvimento e na acção desse grupo no terreno fértil do Brasil como na terra portuguesa.
Aliás, a propósito disto, ocorre-me perguntar se já observaram a TV deles. Já?
E por último apetece-me falar para dentro da Igreja Católica: os responsáveis já meditaram bem no que resulta do vazio espiritual nascido da sua deserção?

O sentido da política

“Toda a política tem um sentido, ainda que se considere estúpida e absurda. Uma política absurda, como a praticada pelos terroristas, tem um sentido. Ainda que não existisse outro, põe em evidência a debilidade de um poder ou obriga um governo débil a dar um sentido às suas acções. Geralmente, o facto de acreditar ou não acreditar, de preferir ideias positivas ou negativas, de agir bem ou mal, com autoridade e eficácia ou não, implica que se dê um sentido às próprias crenças, recusas, acções e negações.
Não se pode simplesmente afirmar ou negar uma coisa qualquer, agir ou abster-se, sem dar um sentido ao que se diz e ao que se faz. Não podemos deixar-nos capturar pelo niilismo que pretende refutar qualquer sentido, quando efectivamente busca certos objectivos. Basta ler, para o confirmar, os escritos do niilista mais radical - Netschaiev. É só no nada absoluto, se é que existe, que deixará de haver sentido.


Julien Freund

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Entre tempos

“Em política há tempos fortes e tempos débeis. Os tempos fortes são tempos de revolução, de guerra ou de crises, porque são o tempo de recontros mais ou menos violentos em que os “inimigos” se declaram e opõem.
Para haver política não é obrigatório existirem inimigos. Efectivamente, os inimigos podem não ser reais e ser até potenciais e virtuais. Hoje vivemos num tempo débil, numa época débil, porque os inimigos não se declaram, preferindo antes preparar as suas armas para a grave crise que nos ameaça. Penso que qualquer observador lúcido deve reconhecer que estamos em véspera de uma crise, tanto económica como política.
0 tempo débil em que vivemos caracteriza-se pela paralisia do espírito em nome do pluralismo de valores. Eu sou adversário deste pluralismo que pretende fazer acreditar que já não há inimigos. É o reino ambíguo de certos partidos políticos. 0 comunismo existe, o cristianismo também, e igualmente o Islão e as outras ideologias. Se não existe pluralismo de valores, existe contudo uma pluralidade de sistemas de valores, baseados numa outra hierarquia de valores. 0 tempo débil da política como o nosso não é mais que uma trégua, uma situação ambígua, mas os inimigos potenciais ou virtuais continuam em presença uns dos outros. Enfrentam-se numa luta confusa, feita de acordos e compromissos, esperando pelo momento em que um deles pense ser mais forte que o outro.
Os inimigos espiam-se, trocam reverências, mudam de posições, mas há-de chegar a prova final que permitirá a um deles vencer o outro.
Penso, como já disse, que o tempo débil que vivemos não é mais que o prelúdio a uma crise que superará forçosamente tudo quanto podemos imaginar. Coitados dos que esgotaram todas as suas energias nesta pútrida situação! Infelizes, os que por pusilanimidade traíram os princípios e pressupostos constantes da política. Para terminar: a política actual parece não ter qualquer sentido porque não consegue dar à sua acção um sentido que tenha credibilidade.”


JULIEN FREUND

Males antigos

“Assentemos por uma vez que nunca o povo se diz soberano para outro fim mais do que para cair toda a soberania nas mãos de um punhado de aventureiros, que desta arte lhe fazem a boca doce, mui a salvo, e a despeito da moral cristã e dos princípios mais vulgares da decência, vão enchendo a bolsa; e por certo que não há coisa melhor nesta vida.”

Sobre D. Frei Fortunato de São Boaventura

Uma vez que no “Ultimo Reduto” e no “Nova Frente” foram feitas referências a D. Frei Fortunato de São Boaventura, que foi Arcebispo de Évora e vigoroso combatente político, deixo aqui breve nota dirigida a todos os potenciais interessados.
Os inúmeros panfletos com que o autor oportunamente entrou na batalha de ideias que se travava no seu tempo são hoje evidentemente muito difíceis de encontrar (aliás como o conjunto dos seus escritos restantes, de natureza bem diferente).
Esse é o caso nomeadamente de “O Punhal dos Corcundas”, “O Mastigóforo”, “A Contra-Mina”, “O Defensor dos Jesuítas”, etc.
De mais fácil acesso, se é que se pode dizer assim, temos o texto do “Elogio Fúnebre de D. Frei Fortunato de S. Boaventura”, proferido em 1944 na Basílica Metropolitana de Évora pelo então Arcebispo eborense senhor D. Manuel Mendes da Conceição Santos, e publicado pela Gráfica Eborense, em 1945; e o volume “Um Apóstolo na Tormenta”, em que ficou registada a conferência de João Ameal no Liceu de André de Gouveia, também em Évora, para encerramento das Comemorações Centenárias em honra de D. Frei Fortunato promovidas pelo Arcebispo D. Manuel Mendes (Empresa Editora Pro Domo, Limitada, Lisboa, 1945).
Mais próximo de nós, o volume I das “Grandes Polémicas Portuguesas”, da Editorial Verbo, publicou esse texto de João Ameal, com ligeiras supressões e modificações introduzidas pelo autor, e acrescentado de uma pequena antologia do ilustre Prelado.
Também nos parece do maior interesse a consulta da resenha biobliográfica contida na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Verbo, sobre D. Frei Fortunato de S. Boaventura, e o espaço que lhe é dedicado por Fernando Campos no tomo segundo da sua obra “O Pensamento Contra-Revolucionário em Portugal (Século XIX)”.
E por agora é tudo; boas investigações bibliográficas!

Encontro de Blogues

Atenção a toda a comunidade blogueira: está em organização um encontro de blogueiros do Sul a realizar em Beja mais para o fim deste mês. Todos os interessados devem informar-se nos sítios certos, que são os promotores da iniciativa – “Praça da República” e “Ao Sul”.
A realização merece todo o aplauso e apoio – e assim Beja se perfila como a capital da blogação a Sul, arrebatando o título a Avis !

domingo, fevereiro 08, 2004

Sou do meu povo,
É tarde já para escolher bandeira.

Nem toda a poesia
Em sua grande nau de bojo ardente
Pode alterar o dia que passou.

Jurei fidelidade
- Havia archotes –
No bosque, junto ao lago;
Archotes e rãs a coaxar.

Resistir é mais belo que ceder.

Chorar contigo
É o limite maior da minha liberdade.


Fernando Guedes

Cá das berças

Virado para dentro, não tenho prestado a devida atenção aos colegas. Estou por isso em falta, nomeadamente a quem fez já algum tempo me dedicou palavras que tenho que considerar lisonjeiras - cheias de indulgência e compreensão para o que em mim são defeitos e de humana simpatia pelo portador deles.
Fica aqui portanto o meu agradecimento atrasado mas sincero ao "Vivaz" e ao "Crónicas do Deserto", pelas referências que me fizeram.
Entretanto, confesso a minha preocupação. Se o "Crónicas do Deserto" regressou às suas lides cheio de genica após a pausa lectiva, e o "Alentejanando" aí continua pujante e inspirado, a verdade é que o "Vivaz" e a "Abrótea" manifestam sintomas claros de que algo se passa.... Espero que não seja nada de grave, e que a crise seja passageira. Voltem em força, que a nossa blogosfera tem sentido as vossas ausências.

"All in the Family"

Ao Eurico ocorreu-lhe um episódio de "Fawlty Towers".... a mim os tiques daquela rapaziada fazem-me sempre lembrar "All in the family".
O Archie Bunker é que os topava a todos.

Missas segundo a tradição católica, no rito latino-gregoriano:

Neste Domingo 8 de Fevereiro: em Monforte, às 18.30 horas, na Capela Nossa Senhora Rainha de Portugal
Avenida General Humberto Delgado, n.º 3, em Monforte

Todos os Domingos: às 11 horas, no Priorado São Pio X
Estrada de Chelas, 29-31 (junto à Avenida D. Afonso III), em Lisboa
Segunda-Feira a Sábado: às 19 horas, neste mesmo local.

sábado, fevereiro 07, 2004

A direita nova, a posta mirandesa e o bife de soja

Continuando distraidamente a pensar na nova direita, quedei-me a meditar com saudosa nostalgia na posta à mirandesa. Não sei se já provaram, uma posta alta e bem tenrinha suavemente passada nas brasas, um suculento naco à transmontana, uma costeleta de vitela dos lameiros mirandeses...
Se não provaram, decidam-se um destes fins de semana e passem por Carviçais, ou por Mogadouro, ou até Sendim e Miranda. Abanquem no “Artur”, na “Lareira”, na “Gabriela”, na “Balbina” ou no “Camponês” – e tirem a barriga de misérias.
Mas o que tem a excursão gastronómica a haver com a nova direita?- direis vós por esta altura. Tem tudo. A direita nova está para a direita assim como o bife de soja ou o hamburguer de tofu estão para a posta mirandesa.

O Rato é uma águia!

Confesso que li umas passagens do último artigo de Vasco Rato no “Independente” (todo não, que ando muito cansado e aquilo puxa muito pelo intelecto, já de si fraco).
Pelo que li, o famoso comentador dos jornais, televisão e rádio está a ficar preocupado porque não aparecem as armas de destruição maciça que enchiam o Iraque.
E diz ele, bem informado como é, que tudo indica que as tais armas não aparecerão nunca. Talvez não, talvez sim – penso eu. Há sempre a possibilidade de quem tem muitas enterrar lá pelo deserto uns quantos contentores das que lhe sobram para serem oportunamente descobertas.
Mas para já as fontes de Rato parecem inclinar-se para a não existência dos fantásticos arsenais que se tinha garantido lá existirem, prontinhos a dizimar as ameaçadas e mal defendidas forças anglo-americanas.
O articulista vai ainda mais longe: Blair e Bush não estavam a dizer a verdade quando nos juravam pela existência das tais armas prodigiosas, aptas a actuar em quarenta e cinco minutos.
Eu, modestamente, também já tinha desconfiado disso. Até já tinha pensado, embora sem dizer a ninguém, que as armas que os iraquianos realmente tinham eram tão parecidas com as antes referidas como o buraco onde Saddam foi apanhado se parece com os extraordinários bunkers de que se falava antes.
Mas, antes que tão horrenda suspeita ocorra a alguém, maculando a honra de tão excelsos varões, logo acrescenta Rato que Blair e Bush não estavam a mentir às respectivas opiniões públicas quando faziam tais afirmações.
Nem pensar nisso! Fica assente, como Rato diz: os homens não mentiram; o que eles disseram é que não era verdade.
Amigos, aqui entre nós o digo: as potencialidades desta direita nova não cessam de me surpreender.

Argonautas

Dos rapazes do meu tempo, o Nuno Rogeiro é que era entendido nesse filão da literatura mais ou menos de ficção científica, do fantástico, da antevisão futurista, de sword and sorcery (e assim misturei ingredientes bem variados numa salada só). O Nuno chegou mesmo a escrever, e bem, sobre esse tema.
Mas aqui e agora nesta povoada blogosfera encontrei de repente nada menos de dois devotos da famosa colecção "Argonauta"! Estou a referir-me ao Velho da Montanha e ao Lamechas, que assim se confessaram, se não estou a trocar os comentadores.
Ainda haverá por aí muitos livrinhos da colecção "Argonauta"?

Velho da Montanha

Há tempos queixava-se de falta de inspiração. Agora chegou-lhe forte, e é vê-lo a navegar nos altos mistérios da Alma, do Destino, da Vida e da Morte...

Planície Heróica

Acabo de ver pelos comentários que ainda há gente mais mázinha que eu.... aquela da "direita alegre" nem eu me tinha lembrado! Mas não, realmente também não quero nada com a "direita alegre"....

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Cegos, Mudos e Surdos

Cegos, Mudos e Surdos? Fui ver. E então não é que descobri um blogue de olhão, que fala como gente grande, e de orelha sempre alerta?

Direita chorona? Não obrigado!

Quem? Eu??!!! Nem se atrevam!! Eu cá nunca pertenci à direita chorona ...

Dias da Cunha

É o título de um romance que ando a planear há muito. Vai ser um retrato da sociedade portuguesa dos tempos que correm, um fresco à maneira de Balzac ou Eça (não sei ainda de qual, dependerá do jeito).

A "maioria silenciosa"

Mudando de tema, mas ainda como estímulo aos autores desse blogue, e a outros que queiram pegar nos assuntos relacionados com a história da sociedade portuguesa nas últimas décadas, vou lançar mão uma vez mais do relatório oficial sobre a inventona do 28 de Setembro de 1974, acontecimento que, como já expliquei, entendo que marca um momento crucial, que condicionou todas as evoluções políticas posteriores, até ao presente.
Transcrevo a passagem em que procura sintetizar-se o que foi o aparecimento e a curta vida do conceito de “maioria silenciosa”, imagem e mito político mobilizador então tornado famoso – embora com fracos resultados operacionais.

Temos, portanto, neste ponto, que parte das forças reaccionárias se procuraram aproveitar das liberdades concedidas pelo novo regime democrático, instaurado com o 25 de Abril, organizando-se em partidos.
Mas não só - já em 10 de Julho de 1974, uma delegação representativa do Movimento Federalista Português, do Partido Trabalhista Democrático Português, do Partido Liberal e do Movimento Popular Português foi recebida pelo General Spínola, a quem fez a entrega de um documento em que se definia a sua posição conjunta perante o momento político que se vivia. Nele se podia ler:
"Por circunstâncias resultantes do processo revolucionário subjacente à tentativa de normalização da vida nacional, estão estas correntes sistematicamente isoladas do diálogo com o poder, sendo objecto de um tratamento discriminatório a todos os níveis que supõe o desconhecimento aparente da sua própria existência como movimentos políticos organizados (...). A grande maioria do País tem sido silenciada pela actuação unilateral das forças a quem foi confiada a gestão dos negócios públicos nesta fase transitória. Queremos que essa maioria se torne participante, porque nela residirá fundamentalmente o apoio e a legitimação aos actos do Poder"
15. Foi essa, talvez, a primeira ocasião em que se falou de "maioria silenciosa" em Portugal no post-25 de Abril.
A expressão, ou a ideia que ela contém, viria pouco tempo depois a ser utilizada pelo Presidente da República, General Spínola, numa das suas alocuções, na seguinte passagem:
"Não tenhamos, a tal respeito, qualquer ilusão. Ou a maioria silenciosa deste País acorda e toma a defesa da sua liberdade ou o 25 de Abril terá perdido perante o Mundo, a História e nós mesmos o sentido da gesta heróica de um Povo que se encontrou a si próprio. E com esse desengano se esfumarão as nossas esperanças na democracia".
O falhado golpe do "28 de Setembro" viria a aproveitar-se, para a sua organização, de tal ideia.
Com efeito, em 9 de Setembro, numa reunião efectuada em casa de Sousa Machado e conduzida pelo ex-capitão miliciano Francisco Xavier Damiano Bragança Van Uden, ligado ao Partido Liberal por intermédio de Almeida Araújo, fica assente a realização de uma manifestação de apoio à pessoa do Presidente da República, constituindo-se desde logo a comissão que deveria aparecer como organizadora, a qual vem a integrar os nomes de António Peixoto da Costa Félix, Manuel João Pinheiro Ramos de Magalhães, José Filipe Homem Rebelo Pinto, António de Sousa Machado, Manuel Sotto Mayor de Sá Coutinho, além do referido Van Uden"
.

Acrescento eu de minha lavra que quem acordou foram ... os outros: ainda agora a propósito da morte de Kaúlza de Arriaga verifiquei que as ordens de captura (tenho fotocópia) foram assinadas a 27 de Setembro... o destino das movimentações políticas em referência estava portanto decidido antecipadamente. Na madrugada e no dia 28 de Setembro apenas foram executadas as ordens.

Memórias

Verifico que a reconstrução da memória, nomeadamente no que respeita ao Círculo de Estudos Sociais Vector, à “Resistência”, e à Universidade Livre, teve significativos desenvolvimentos no blogue “Aliança Nacional”. Também por ele tomei conhecimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vinte e dois anos depois dos factos (quem a sabia toda era Deus Pinheiro, quando da operação de desmantelamento: eu despacho, e vocês se quiserem vão para tribunal...)

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Frente à morte"

"Se eu tivesse tido vagar, concerteza que escrevia com este título a história dos dias em que vivi na cela dos condenados à morte, em Fresnes. Diz-se que não se olha de frente nem para o sol nem para a morte. Mas eu, por mim, tentei. Não tenho nada de estóico e custa muito arrancarmo-nos ao que amamos. Tentei, no entanto, não deixar uma imagem indigna àqueles que me viam ou pensavam em mim.
Os dias, sobretudo os derradeiros, foram ricos e plenos. Eu já não tinha muitas ilusões, sobretudo depois que soube da rejeição do meu pedido de indulto, rejeição que eu previ, aliás. Terminei o pequeno estudo sobre Chénier e escrevi ainda alguns poemas. Uma das minhas noites foi má e, de manhã, ainda eu velava. Mas nas noites a seguir dormi muito calmo. Nas três últimas noites, reli a narrativa da Paixão, todos o serões, em cada um dos quatro Evangelhos. Rezei bastante e era a oração, bem o sei, que me dava um sono calmo. De manhã, o sacerdote vinha trazer-me a comunhão. Eu pensava com doçura em todos aqueles que eu amava, em todos aqueles que encontrei na minha vida. Pensava, com desgosto, no desgosto deles. Mas tentava, o mais possível, aceitar.”


Robert Brasillach, 6 de Fevereiro de 1945

CÂNTICO

Em cada flor
que dia a dia renasce,
o canto negro de uma saudade presente:
esta foi a carta escrita
ao amanhecer, depois do fuzilamento.
Uma bandeira desfraldada
crianças e crianças correndo,
os amados amando-se,
os anciães rindo e sorrindo
– na palma da mão,
o testemunho imenso e vermelho,
que não morre:
essa foi a cidade de todos os tempos,
o amor e o canto das bocas sadias,
a espuma de toda a ondas,
o mar de toda a navegação.
(Onde está a barca da alegria,
dos amantes amados,
das crianças e jovens mulheres
de todas as idades? Onde está?
Onde dorme a barca das manhãs dispersas?)
Dia a dia, renascem os beijos dados à noite, em Toledo.
Meu caro Amigo, eu vou morrer,
mas comigo levo a luz de Abril e as flores de Maio,
e as medalhas dos camaradas mortos em combate.
(Oh, como o tempo passa!)
Ao lado de cada flor da manhã,
uma camisa negra aguarda o corpo do mundo.


JOSÉ VALLE DE FIGUEIREDO

UFF!!

Diziam os outros que "o trabalho liberta"... eu prefiro a visão que retiro do Génesis: o trabalho foi um castigo que Deus nos deu... até aí os nossos primeiros pais viviam no Paraiso....

Federação Pela Vida

Sabem os meus amigos que partilho a preocupação de Murilo Mendes quando dirigia a Deus o seu pedido "em termos exactos" - "que os maus sejam bons/ e os bons não sejam chatos".
Mas prefiro o risco de chatear pela insistência ao de pecar pela indiferença. Porque a luta constante por uma cultura de vida me parece hoje empresa de salvação das sociedades contemporâneas, recomendo mais uma associação, a Federação Portuguesa Pela Vida, e ainda outra, a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.
Repito o comando: "Busquemos encarnar os interesses dos grupos sociais ameaçados ou incompreendidos; desenvolvamos ou criemos a solidariedade com o que existe; não sejamos mais apenas doutrinadores - porque a doutrina aborrece - nem nostálgicos - porque a nostalgia entorpece - mas procuremos lançar a âncora o mais possível na vida real, na vida local, na vida profissional, na vida sindical, para tecer desde já elos múltiplos e eficazes, pelos quais nos possamos tornar um dia a representação real de uma vaga de opinião pública".

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

O Cante: origem e mistério

Já aqui tinha deixado umas impressões pessoais de Ramalho Ortigão sobre o cante tradicional alentejano, nascidas de uma estada na Vidigueira em 1888. Reproduzo hoje um excerto de Hipólito Raposo sobre o mesmo tema, nascido das suas observações em Beja, em 1944.
Fica aqui à atenção dos musicólogos cá da parvónia, e outros curiosos interessados.

“Ainda não se fez o estudo que estão reclamando a natureza e actividade destes corais espontâneos, geralmente constituídos por homens, alguns outros mistos, neles entrando quatro ou cinco raparigas, com vozes de maviosa clareza e suavidade (...)
Ninguém sabe como nasceram, onde se inspiraram, que escola tiveram estes aedos-campaniços que um rapsodo guia, dando o ponto, a dialogar com o coro ou a fundir-se com ele em harmoniosa orquestração.
Em filas ordenadas se deslocam, enlaçados pelos braços uns dos outros, para constituir solidário volume de órgão vivo, movendo-se com lentidão mais que alentejana, de olhos fechados os de maior transporte, para deixarem subir as almas harmonizadas até aos balcões dos castelos das nuvens e das estrelas.
No intento de surpreender a génese desta expressão de arte popular, a mais elevada de quantas temos, sempre se fala da Planície que é muda e queda, ou recorre-se aos milagres da Dominação Árabe, pela qual se encobre muita ignorância, ao atribuir-lhe a posse das chaves de todos os mistérios da nossa alma.
A quem os ouve desprevenido, os cantares de Beja logo revelam e impõem, a meu ver, o seu carácter tão religioso que muitas vezes as melodias parecem trasbordar das portas e fenestragem de grande igreja, em alta função de ofício divino.
Solene, respeitoso, ritual, é o andamento na rua, em que as filas se balançam de lado a lado, com o mais vagaroso compasso.
Os pés deslocam-se a oscilar em esboços coreográficos, como se por obediência a remota inspiração uma dança litúrgica se fosse ali executando para subir em pomposa solenidade a grande nave de uma catedral.
Se abstrairmos da letra, os temas cantados nunca são depressivos ou mórbidos. Nestas composições há estilo, passos de sólida construção musical, e para a completar e engrandecer muitas vezes ficamos à espera da inundação polifónica, do pleno domínio do órgão que não se chega a ouvir...
Dirão os musicógrafos se este caso de arte regional vai prender-se às remontadas influências do cantochão medieval, ou se bastará filiá-lo nas escolas de música que há trezentos anos floresceram em paços, igrejas e mosteiros do Alentejo, documentando e enobrecendo as aptidões e o génio dos Portugueses.
Se assim fosse, o Povo teria alterado os módulos, haveria introduzido variações, para criar estilo próprio, alheio ou rebelde a disciplinas da composição. Esse estudo deverá tentá-lo, e sem tardança, quem for competente, já que o problema não poderá esclarecer-se com simples conjecturas ou breves notas de interpretação literária.”

Amigos de Avis

Desde o seu início este blogue recebeu sempre estímulo e amizade dos lados de Avis.
E o blogueiro autor, que nunca esquece, retribui com igual sentimento.
Vem ao caso lembrar que a associação cultural "Amigos do Concelho de Avis" organiza agora os II Jogos Florais de Avis.
Aos que não possam visitar Avis, convido a que visitem ao menos a página da associação. E deixem-se de intelectualismos pedantes. Jogos Florais, sim. Quanta poesia e autenticidade nas coisas simples do povo!
Conhecem por acaso o que escreveu António Sardinha, repetidamente, sobre "os nossos arqueólogos e folcloristas"? A admiração sempre devotada a um trabalho como o do elvense António Tomás Pires, sábio inventariador de quantas manifestações de cultura popular encontrou? Conhecem, ao menos os portelenses, a importância da obra de Pombinho Júnior?

Modernices

Quando eu era criança havia em Portel três médicos. Um era já velho. Os outros dois nem por isso. Com o tempo que passou entretanto os dois que não eram velhos envelheceram e já morreram. E o que era velho, embora mais teimoso e resistente, também já se foi. Mas como o meu pai tinha certa veneração pelo mais antigo, fiquei com mais recordações dele que dos outros.
Dos tempos de criança, as recordações prendem-se sobretudo com as minhas doenças, que lá me forçavam, bem contrariado, a recorrer aos seus serviços clínicos, devidamente acompanhado pela autoridade.
É que eu detestava médicos, hospitais e consultórios; e o senhor não se pode dizer que fosse simpático. Ao contrário, era impaciente, irascível e resmungão.
Ficou-me atravessado por muitos anos o agravo de certo desabafo, que humilhou e feriu fundamente o meu orgulho. Foi o caso de ao começar a consulta, após os cumprimentos e apresentação do problema, da responsabilidade do meu pai, ele me ter perguntado para abrir as conversações: - “então, o que é que tu tens?”
Eu, que estava ali submetido e contrariado, rosnei, com a cara daquele bichinho do zoo que toca a sineta: - “Não tenho nada!”
Ele não gostou, prosseguiu o que estava a fazer, creio que colocava luvas ou coisa parecida, e resmungou irritado: - “Não tens nada... nem juízo!”
O atrevimento caiu como uma ofensa grave na minha sensibilidade de garoto. Pareceu-me tão mal aquele desaforo de colocar em dúvida o são juízo com que o Criador me havia dotado, e que já então era para mim motivo de satisfação, que nunca mais lhe perdoei. Passaram muitos anos sem que me esquecesse da injúria.
Mas atrás de tempos vêm tempos e muito mais tarde encontrava o velhote resmungão, já desligado do serviço por força da idade, sem que a antiga animosidade me perturbasse o convívio.
Acontecia então com frequência que muitos antigos doentes que o encontravam, ou por distracção ou porque procuravam mesmo uma consulta de rua que os tranquilizasse das suas andanças pelos outros clínicos, acabavam a falar com ele sobre as suas doenças, a mostrar-lhe as receitas, os medicamentos, os relatórios, as ecografias, os electrocardiogramas, enfim, toda a parafernália dos agora chamados meios auxiliares de diagnóstico, e que não há muitos anos eram ou inexistentes ou impensáveis num remoto lugar da província.
O bom velho olhava curioso e interessado para tudo aquilo, os medicamentos com nomes que já não lhe eram familiares, os tratamentos que os seus antigos doentes iam fazer à cidade, a diversidade de instrumentos e de técnicas que lhe eram estranhas, e no fim concluía filosoficamente para os circunstantes: - “eles tratam-se à moderna, mas morrem todos à antiga...”
Ficou-me o axioma, como expressão de antiga experiência e vera sabedoria. Nunca mais o esqueci.
E eis descoberto o segredo que me faz sorrir e seguir tranquilo sempre que fazem reparo ao meu obsoleto reaccionarismo, o meu radical desalinhamento com o progresso, a minha insanável incompatibilidade com os tempos actuais. É sempre a máxima do Dr. Mendes que me vem à memória.
Deixá-los! Bem podem viver à moderna, esfalfando-se todos os dias a correr atrás da modernidade, a salivar, de língua de fora... no fim, morrem todos à antiga.